quinta-feira, 23 de dezembro de 2010
sábado, 11 de dezembro de 2010
MUDANÇAS DA LEI ROUANET e outro assunto
1
Não estou tão por dentro como gostaria estar da Nova Lei de Fomento do Governo Federal (ainda será chamada de Nova Lei Rouanet depois de sancionada?). Mas vou estudar, vou estudar. Tenho aqui algumas dúvidas e comentários, talvez alguém também me ajude. Entendi a idéia de estabelecer faixas de patrocínio. Mas não sei se entendi tirarem a possibilidade da faixa de 100%. Imagino uns casos.
Uma hipotética atriz, muito famosa e com muitos bons contatos entre as empresas patrocinadoras de cultura, apresenta ao MinC um projeto para um monólogo que custa 1 milhão e meio de reais. Pela Lei atual, o máximo que o parecerista do MinC pode fazer, constatando que o projeto esteja (e estará) acima dos padrões aceitáveis para monólogos de atrizes famosas e bem relacionadas, o máximo que ele fará será cortar os itens que lhe pareçam superorçados. Digamos que ele corte 500 mil (números redondos, múltiplos de 5 e 10, facilitam as contas na cabeça das pessoas). O mais que o parecerista pode fazer pela regra atual é liberar o restante milhão para captação com isenção total para o patrocinador interessado. Desperdício de dinheiro público, seguramente.
O que muda na nova regra? Pela nova regra o parecerista (ou seu equivalente) não apenas poderá cortar os 500 mil do monólogo da atriz perdulária, como também autorizar para captação uma faixa inferior ao valor do projeto como ficou orçado (por exemplo a faixa mais baixa: 40%). A atriz sai do processo com uma autorização para captar 400 mil reais para montar o seu monólogo de 1 milhão e meio, e se vira pra conseguir o resto com os setores de marketing que conhece das empresas que gostam de patrocinar atrizes famosas (se de fato ela precisar do resto, mas algum jeito dará). O governo deixou de desperdiçar uma grana com este projeto absurdo. Ótimo. Até aí tudo bem.
Mas (e sempre há um “mas”) se ao invés de uma famosa atriz bem relacionada, fosse uma atriz desconhecida e sem nenhum conhecido nas empresas que patrocinam, com um monólogo na base dos 150 mil? Bom, pelas regras atuais o parecerista também o máximo que pode fazer é, verificando alguma incorreção ou imperfeição nos valores propostos, cortar as gorduras do pobre orçamento. Cortou 50 mil (para ficar na proporção com o da primeira atriz hipotética) e aprovou os outros 100 para captação integral. A atriz sai com a publicação do Diário Oficial debaixo do braço e vai à luta. Conseguirá os 100? Não sabemos. Como é desconhecida e não conhece ninguém (e supondo támbém que o projeto não siga o modelo de apresentação dos projetos em captação) o mais provável é que desista e que entre num edital dos que existem hoje e realize o projeto com o dinheiro que lhe derem. No entanto, e se aparece uma empresa disposta a bancar o valor total com isenção? Maravilha, ela pega os 100 e monta, com a graça de Deus. Mas...
Pelas novas regras não será mais assim. Pelas novas regras, mesmo que concorde com os 100 mil do orçamento (depois de cortada as gorduras) o parecerista do MinC (ou seu equivalente) só poderá aprovar até o teto de 80% do valor do projeto para desconto do patrocinador. Nossa atriz desconhecida produzirá com 80 mil mesmo que encontre alguém disposto a pagar os 100. Os 20? Vai para o brejo com os outros 50 que já tinham sido cortados lá atrás. Qual é a lógica? A lógica é que, de qualquer modo, é melhor do que produzir com a metade do que não produzir. É uma lógica, sem dúvida. Burra, mas é.
Por falar nisso, a nova Lei também deverá ampliar o dinheiro dos editais. Ou o número deles. Ou as duas coisas, pelo que eu entendi. Porque, se o dinheiro para aplicação direta do governo em projetos culturais vai aumentar (é o que garantem), o processo de concessão do benefício certamente continuará sendo o dos editais (alguém está interessado em rever a política de editais?). Bom, então para terminar, voltemos às nossas atrizes de antes, no mundo hipotético dos novos prováveis editais.
As perguntas finais (de hoje) são: a atriz famosa e seu projeto de milhão poderá recorrer aos novos prováveis editais para compor parte de seu projeto fabuloso? E, se puder (e quem dirá que não e por quê?) quanto poderá ela somar, com verba direta dos editais, aos 400 obtidos indiretamente? E a atriz desconhecida? Também poderá engordar o seu cofrinho desconhecido com a grana dos editais? E vão continuar concorrendo juntas no mundo dos novos editais quando no mundo das empresas e do marketing estão tão absurdamente separadas?
2.
Chegou ao meu conhecimento (eu também virei repórter e não revelo a fonte nem que me matem) que empresários paulistas do setor de teatro (São Paulo é tão diferente do resto do Brasil que possui empresários paulistas do setor de teatro) estão se rebelando contra os patrocínios obtidos através da Lei Rouanet (a atual). Segundo a fonte, os empresários produtores de peças estão dispostos a não receber mais patrocínio pela Lei Federal. Parece que um dos motivos mais fortes para o estranho motim (imagino um artista de Rio Branco lendo sobre isso) é a corrupção no setor de marketing ou coisa que o valha das empresas. Se minha fonte for confiável e se a notícia procede é realmente um escândalo. Sempre se falou (mas até agora ninguém provou, que eu saiba) que rola propina no mundo da intermediação dos patrocínios culturais. Mas que a coisa chegue a esse ponto é sinal de que o barco realmente saiu do controle. A corrupção é uma doença. Mas só quando vira endemia é que nos damos por fartos dela.
Pelo menos serve para que não nos esqueçamos de que corrupção não é sinônimo de poder público. Brasileiro botou na cabeça que só político é que recebe propina. Não é verdade. Estamos cheios de escândalos no setor privado também. É que, como sempre aparece um figurão de algum governo pra pegar um troco, ficamos com essa impressão na cabeça. Corrupção é uma cultura. Ou quebramos a corrente, ou faremos parte dessa cultura mais cedo ou mais tarde. Que os empresários revoltados não fiquem só na fase do beicinho e do “vamos trocar de mal”. Que denunciem e provem. Há muito dinheiro indo para o lugar errado na saúde, na educação, no esporte, na cultura, na alegria e na tristeza. Mudar a lei ajuda. Mas combater o meliante também faz parte de policiar.
Não estou tão por dentro como gostaria estar da Nova Lei de Fomento do Governo Federal (ainda será chamada de Nova Lei Rouanet depois de sancionada?). Mas vou estudar, vou estudar. Tenho aqui algumas dúvidas e comentários, talvez alguém também me ajude. Entendi a idéia de estabelecer faixas de patrocínio. Mas não sei se entendi tirarem a possibilidade da faixa de 100%. Imagino uns casos.
Uma hipotética atriz, muito famosa e com muitos bons contatos entre as empresas patrocinadoras de cultura, apresenta ao MinC um projeto para um monólogo que custa 1 milhão e meio de reais. Pela Lei atual, o máximo que o parecerista do MinC pode fazer, constatando que o projeto esteja (e estará) acima dos padrões aceitáveis para monólogos de atrizes famosas e bem relacionadas, o máximo que ele fará será cortar os itens que lhe pareçam superorçados. Digamos que ele corte 500 mil (números redondos, múltiplos de 5 e 10, facilitam as contas na cabeça das pessoas). O mais que o parecerista pode fazer pela regra atual é liberar o restante milhão para captação com isenção total para o patrocinador interessado. Desperdício de dinheiro público, seguramente.
O que muda na nova regra? Pela nova regra o parecerista (ou seu equivalente) não apenas poderá cortar os 500 mil do monólogo da atriz perdulária, como também autorizar para captação uma faixa inferior ao valor do projeto como ficou orçado (por exemplo a faixa mais baixa: 40%). A atriz sai do processo com uma autorização para captar 400 mil reais para montar o seu monólogo de 1 milhão e meio, e se vira pra conseguir o resto com os setores de marketing que conhece das empresas que gostam de patrocinar atrizes famosas (se de fato ela precisar do resto, mas algum jeito dará). O governo deixou de desperdiçar uma grana com este projeto absurdo. Ótimo. Até aí tudo bem.
Mas (e sempre há um “mas”) se ao invés de uma famosa atriz bem relacionada, fosse uma atriz desconhecida e sem nenhum conhecido nas empresas que patrocinam, com um monólogo na base dos 150 mil? Bom, pelas regras atuais o parecerista também o máximo que pode fazer é, verificando alguma incorreção ou imperfeição nos valores propostos, cortar as gorduras do pobre orçamento. Cortou 50 mil (para ficar na proporção com o da primeira atriz hipotética) e aprovou os outros 100 para captação integral. A atriz sai com a publicação do Diário Oficial debaixo do braço e vai à luta. Conseguirá os 100? Não sabemos. Como é desconhecida e não conhece ninguém (e supondo támbém que o projeto não siga o modelo de apresentação dos projetos em captação) o mais provável é que desista e que entre num edital dos que existem hoje e realize o projeto com o dinheiro que lhe derem. No entanto, e se aparece uma empresa disposta a bancar o valor total com isenção? Maravilha, ela pega os 100 e monta, com a graça de Deus. Mas...
Pelas novas regras não será mais assim. Pelas novas regras, mesmo que concorde com os 100 mil do orçamento (depois de cortada as gorduras) o parecerista do MinC (ou seu equivalente) só poderá aprovar até o teto de 80% do valor do projeto para desconto do patrocinador. Nossa atriz desconhecida produzirá com 80 mil mesmo que encontre alguém disposto a pagar os 100. Os 20? Vai para o brejo com os outros 50 que já tinham sido cortados lá atrás. Qual é a lógica? A lógica é que, de qualquer modo, é melhor do que produzir com a metade do que não produzir. É uma lógica, sem dúvida. Burra, mas é.
Por falar nisso, a nova Lei também deverá ampliar o dinheiro dos editais. Ou o número deles. Ou as duas coisas, pelo que eu entendi. Porque, se o dinheiro para aplicação direta do governo em projetos culturais vai aumentar (é o que garantem), o processo de concessão do benefício certamente continuará sendo o dos editais (alguém está interessado em rever a política de editais?). Bom, então para terminar, voltemos às nossas atrizes de antes, no mundo hipotético dos novos prováveis editais.
As perguntas finais (de hoje) são: a atriz famosa e seu projeto de milhão poderá recorrer aos novos prováveis editais para compor parte de seu projeto fabuloso? E, se puder (e quem dirá que não e por quê?) quanto poderá ela somar, com verba direta dos editais, aos 400 obtidos indiretamente? E a atriz desconhecida? Também poderá engordar o seu cofrinho desconhecido com a grana dos editais? E vão continuar concorrendo juntas no mundo dos novos editais quando no mundo das empresas e do marketing estão tão absurdamente separadas?
2.
Chegou ao meu conhecimento (eu também virei repórter e não revelo a fonte nem que me matem) que empresários paulistas do setor de teatro (São Paulo é tão diferente do resto do Brasil que possui empresários paulistas do setor de teatro) estão se rebelando contra os patrocínios obtidos através da Lei Rouanet (a atual). Segundo a fonte, os empresários produtores de peças estão dispostos a não receber mais patrocínio pela Lei Federal. Parece que um dos motivos mais fortes para o estranho motim (imagino um artista de Rio Branco lendo sobre isso) é a corrupção no setor de marketing ou coisa que o valha das empresas. Se minha fonte for confiável e se a notícia procede é realmente um escândalo. Sempre se falou (mas até agora ninguém provou, que eu saiba) que rola propina no mundo da intermediação dos patrocínios culturais. Mas que a coisa chegue a esse ponto é sinal de que o barco realmente saiu do controle. A corrupção é uma doença. Mas só quando vira endemia é que nos damos por fartos dela.
Pelo menos serve para que não nos esqueçamos de que corrupção não é sinônimo de poder público. Brasileiro botou na cabeça que só político é que recebe propina. Não é verdade. Estamos cheios de escândalos no setor privado também. É que, como sempre aparece um figurão de algum governo pra pegar um troco, ficamos com essa impressão na cabeça. Corrupção é uma cultura. Ou quebramos a corrente, ou faremos parte dessa cultura mais cedo ou mais tarde. Que os empresários revoltados não fiquem só na fase do beicinho e do “vamos trocar de mal”. Que denunciem e provem. Há muito dinheiro indo para o lugar errado na saúde, na educação, no esporte, na cultura, na alegria e na tristeza. Mudar a lei ajuda. Mas combater o meliante também faz parte de policiar.
domingo, 5 de dezembro de 2010
MIX
I.
Essa semana o jornal da cidade que eu uso pra fazer meu somatório de espetáculos em cartaz “esqueceu” (não sei que outro nome teria isso) de relacionar as peças infantis em cartaz na sua coluna de serviços do seu Segundo Caderno. Ou trocou os infantis de lugar e não avisou. Amanhã devem chover cartas e emails à redação do jornal reclamando contra o “acidente”. Curioso que o mesmo jornal estampava, no mesmo Caderno, uma entrevista de página inteira com o atual Ministro da Cultura. Que rata! Será que o Ministro e a equipe do Ministro e os amigos e inimigos do Ministro, seus críticos, seus desafetos, seus admiradores, seus seguidores e puxa-sacos, será que esse pessoal todo notou? Ou este é um problema “menor” que só nós do teatro infantil é que reparamos? Tudo bem que esse domingo deu praia (e que praia!) no Rio de Janeiro. Mas não precisava matar o teatro infantil por isso. Há um artigo, se não me engano do Peter Brook, ou assemelhado, que fala das conseqüências de um hipotético fechamento dos teatros na França e que isso mal seria notado pela população. Está aí, no “esquecimento” do jornal da cidade, uma oportunidade pra conferir, pelo menos em parte, a catástrofe (para nós) sugerida pelo Peter.
Os infantis estavam lá... Meio escondidos, mas estavam. Eu que não vi. Mas a simples hipótese de que o úncio jornal da cidade que presta esse erre nisso é tão cruel que... (E erra.)
II.
Essa é a temporada de caça aos editais. Empresas e governos lançam os anzóis e nós é que ficamos pescando. Muita incompetência na hora de bolar os ditos e malditos. Alguém precisa reunir o pessoal do marketing das empresas e conversar com eles. Fica muito difícil entender o que eles querem quando encontramos escrito no edital de patrocínio cultural de uma determinada empresa que eles privilegiam projetos que favoreçam a “busca pela democratização e promoção do acesso à cultura pelo desenvolvimento sócio esportivo do Brasil” (o que significa? Peças sobre a Copa do Mundo e as Olimpíadas?). Também dou um doce para quem traduzir essa dica noutro edital de uma importante patrocinadora da cultura no país, que: “tem como objetivo, selecionar iniciativas culturais que estimulem a fluência comunicativa, a expressão, o acesso, o compartilhamento de informações e conhecimentos e o trabalho colaborativo como condições preciosas para o reconhecimento da influência das práticas culturais no processo de construção de identidades, convivência e desenvolvimento”. Não dá pra ser menos prolixo e mais objetivo? Quando ganha o marketeiro que elabora um edital desses? O dono da empresa entende? Ficam os pobres dos produtores correndo atrás de satisfazer os desejos das empresas patrocinadoras, mas com essa falta de clareza (citei apenas dois pra não ocupar muito espaço, mas são muitos os exemplos) não há tatu que agüente. A impressão é que estão se lixando e que apenas esperam que os projetos resultem bons para a imagem da empresa conforme a onda do momento. Aí vão lançando pelo meio dos editais as palavras e expressões da moda, mais ao menos ao acaso. E tudo vira “responsabilidade social”, “compromisso ambiental”, “inclusão”, “práticas sociais consequentes” e durma-se com um barulho desses.
III.
Sensacional a iniciativa de reunir Eugênio Barba e Aderbal Freire-Filho da maneira como o fez essa semana o Teatro Poeira, em Botafogo, no Rio de Janeiro (a idéia teria sido do Barba, mas o Poeira abraçou e realizou). Cerca de setenta ouvintes e assistentes, entre atores, diretores e autores cariocas, vamos ver o que o encontro repercute ao longo do tempo. E tomara que venham outros. Contribui imensamente para as discussões em torno dos caminhos do teatro no mundo.
Uma das (muitas) reflexões fundamentais é justamente essa que andamos falando aqui, qual seja, sobre o que seja essa difícil e desconhecida arte de “dirigir”. Dois mestres e duas poéticas distintas, dissecadas aos olhos de uma platéia comum, típico encontro pra fazer ou abrir a cabeça da moçada. O teatro não precisa (e nem consegue) ser um só. Mas pode e deve ser feito com um mínimo de conhecimento do assunto. Vamos ver o que rende...
IV.
A propósito de diretores uma dica: o realismo, quando surgiu no teatro, significou uma revolução sim, mas isso foi relativamente breve. Em seguida, um furacão chamado cinema e um tsunami chamado televisão apareceram e mudaram tudo. Esse axioma tem sido dito e repetido de várias formas e por muitos encenadores diferentes durante anos a fio. Mas as pessoas ouvem e não pensam no assunto. Sofrem os atores, coitados, tentando reproduzir no palco as suas vidinhas cotidianas. Sofrem os autores, que vêm suas peças, mesmo as melhores, reduzidas a um papo de comadres. Só os diretores (os ruins) gozam a glória desse teatro mal feito. Como diz um amigo meu: ainda bem que não são médicos, ou matavam seus doentes todos os dias (e não estão matando?).
V.
O carioca inventou o circuito-cidade. A peça estréia num teatro, geralmente produzida com pouca grana, mas também produzida sem a intenção de render dinheiro. Fica duas ou três semanas estacionada ali. Depois não pode mais porque entra outra novidade no lugar. A peça muda de teatro (às vezes até de bairro). Fica mais duas ou três semanas. Um terceiro teatro da cidade será seu destino final. Depois vai para a prateleira (exatamente o mesmo fenômeno do cinema nacional) aguardando festivais e convites esparsos, que podem não vir. Todos sabemos quais três ou quatro teatros compõem este circuito. A peça rende um público, mas pouco dinheiro. Como o patrocínio para produzir também não foi lá essas coisas, pergunta-se: e de que vivem esses moços?
VI.
Como são zilhões os artistas, e como ninguém vive das bilheterias (salvo dois ou três) pulveriza-se o patrocínio para atender ao maior número possível de famintos. É praticamente um bolsa-família do teatro (com a diferença que o bolsa-família leva as famílias para cima e que o bolsa-teatro leva os artistas para o fundo). Não é culpa dos governos que essa política se instaure e prevaleça. É problema dos próprios artistas de teatro que não se mobilizam para resolver ou dar um encaminhamento a essa questão. É bom para o sistema que atores sejam descompromissados com o andamento do seu negócio. Quanto mais os atores estiverem pensando em seus próprios umbigos e menos nas suas questões comuns, melhor. O sistema estimula a competição a qualquer custo e o pensamento auto-centrado. Seria muito perigoso para o sistema que essas pessoas fossem esclarecidas e conscientes de seu lugar nesse mundo. Parece que não temos nenhum inimigo comum. Então, nos cumprimentamos com chutes e cotoveladas.
Essa semana o jornal da cidade que eu uso pra fazer meu somatório de espetáculos em cartaz “esqueceu” (não sei que outro nome teria isso) de relacionar as peças infantis em cartaz na sua coluna de serviços do seu Segundo Caderno. Ou trocou os infantis de lugar e não avisou. Amanhã devem chover cartas e emails à redação do jornal reclamando contra o “acidente”. Curioso que o mesmo jornal estampava, no mesmo Caderno, uma entrevista de página inteira com o atual Ministro da Cultura. Que rata! Será que o Ministro e a equipe do Ministro e os amigos e inimigos do Ministro, seus críticos, seus desafetos, seus admiradores, seus seguidores e puxa-sacos, será que esse pessoal todo notou? Ou este é um problema “menor” que só nós do teatro infantil é que reparamos? Tudo bem que esse domingo deu praia (e que praia!) no Rio de Janeiro. Mas não precisava matar o teatro infantil por isso. Há um artigo, se não me engano do Peter Brook, ou assemelhado, que fala das conseqüências de um hipotético fechamento dos teatros na França e que isso mal seria notado pela população. Está aí, no “esquecimento” do jornal da cidade, uma oportunidade pra conferir, pelo menos em parte, a catástrofe (para nós) sugerida pelo Peter.
Os infantis estavam lá... Meio escondidos, mas estavam. Eu que não vi. Mas a simples hipótese de que o úncio jornal da cidade que presta esse erre nisso é tão cruel que... (E erra.)
II.
Essa é a temporada de caça aos editais. Empresas e governos lançam os anzóis e nós é que ficamos pescando. Muita incompetência na hora de bolar os ditos e malditos. Alguém precisa reunir o pessoal do marketing das empresas e conversar com eles. Fica muito difícil entender o que eles querem quando encontramos escrito no edital de patrocínio cultural de uma determinada empresa que eles privilegiam projetos que favoreçam a “busca pela democratização e promoção do acesso à cultura pelo desenvolvimento sócio esportivo do Brasil” (o que significa? Peças sobre a Copa do Mundo e as Olimpíadas?). Também dou um doce para quem traduzir essa dica noutro edital de uma importante patrocinadora da cultura no país, que: “tem como objetivo, selecionar iniciativas culturais que estimulem a fluência comunicativa, a expressão, o acesso, o compartilhamento de informações e conhecimentos e o trabalho colaborativo como condições preciosas para o reconhecimento da influência das práticas culturais no processo de construção de identidades, convivência e desenvolvimento”. Não dá pra ser menos prolixo e mais objetivo? Quando ganha o marketeiro que elabora um edital desses? O dono da empresa entende? Ficam os pobres dos produtores correndo atrás de satisfazer os desejos das empresas patrocinadoras, mas com essa falta de clareza (citei apenas dois pra não ocupar muito espaço, mas são muitos os exemplos) não há tatu que agüente. A impressão é que estão se lixando e que apenas esperam que os projetos resultem bons para a imagem da empresa conforme a onda do momento. Aí vão lançando pelo meio dos editais as palavras e expressões da moda, mais ao menos ao acaso. E tudo vira “responsabilidade social”, “compromisso ambiental”, “inclusão”, “práticas sociais consequentes” e durma-se com um barulho desses.
III.
Sensacional a iniciativa de reunir Eugênio Barba e Aderbal Freire-Filho da maneira como o fez essa semana o Teatro Poeira, em Botafogo, no Rio de Janeiro (a idéia teria sido do Barba, mas o Poeira abraçou e realizou). Cerca de setenta ouvintes e assistentes, entre atores, diretores e autores cariocas, vamos ver o que o encontro repercute ao longo do tempo. E tomara que venham outros. Contribui imensamente para as discussões em torno dos caminhos do teatro no mundo.
Uma das (muitas) reflexões fundamentais é justamente essa que andamos falando aqui, qual seja, sobre o que seja essa difícil e desconhecida arte de “dirigir”. Dois mestres e duas poéticas distintas, dissecadas aos olhos de uma platéia comum, típico encontro pra fazer ou abrir a cabeça da moçada. O teatro não precisa (e nem consegue) ser um só. Mas pode e deve ser feito com um mínimo de conhecimento do assunto. Vamos ver o que rende...
IV.
A propósito de diretores uma dica: o realismo, quando surgiu no teatro, significou uma revolução sim, mas isso foi relativamente breve. Em seguida, um furacão chamado cinema e um tsunami chamado televisão apareceram e mudaram tudo. Esse axioma tem sido dito e repetido de várias formas e por muitos encenadores diferentes durante anos a fio. Mas as pessoas ouvem e não pensam no assunto. Sofrem os atores, coitados, tentando reproduzir no palco as suas vidinhas cotidianas. Sofrem os autores, que vêm suas peças, mesmo as melhores, reduzidas a um papo de comadres. Só os diretores (os ruins) gozam a glória desse teatro mal feito. Como diz um amigo meu: ainda bem que não são médicos, ou matavam seus doentes todos os dias (e não estão matando?).
V.
O carioca inventou o circuito-cidade. A peça estréia num teatro, geralmente produzida com pouca grana, mas também produzida sem a intenção de render dinheiro. Fica duas ou três semanas estacionada ali. Depois não pode mais porque entra outra novidade no lugar. A peça muda de teatro (às vezes até de bairro). Fica mais duas ou três semanas. Um terceiro teatro da cidade será seu destino final. Depois vai para a prateleira (exatamente o mesmo fenômeno do cinema nacional) aguardando festivais e convites esparsos, que podem não vir. Todos sabemos quais três ou quatro teatros compõem este circuito. A peça rende um público, mas pouco dinheiro. Como o patrocínio para produzir também não foi lá essas coisas, pergunta-se: e de que vivem esses moços?
VI.
Como são zilhões os artistas, e como ninguém vive das bilheterias (salvo dois ou três) pulveriza-se o patrocínio para atender ao maior número possível de famintos. É praticamente um bolsa-família do teatro (com a diferença que o bolsa-família leva as famílias para cima e que o bolsa-teatro leva os artistas para o fundo). Não é culpa dos governos que essa política se instaure e prevaleça. É problema dos próprios artistas de teatro que não se mobilizam para resolver ou dar um encaminhamento a essa questão. É bom para o sistema que atores sejam descompromissados com o andamento do seu negócio. Quanto mais os atores estiverem pensando em seus próprios umbigos e menos nas suas questões comuns, melhor. O sistema estimula a competição a qualquer custo e o pensamento auto-centrado. Seria muito perigoso para o sistema que essas pessoas fossem esclarecidas e conscientes de seu lugar nesse mundo. Parece que não temos nenhum inimigo comum. Então, nos cumprimentamos com chutes e cotoveladas.
domingo, 21 de novembro de 2010
QUEM SOMOS?
Continuo aqui, pacientemente, fazendo meu levantamento semanal das peças em cartaz, das estréias, das despedidas dos teatros da cidade. Na falta de um estatístico mais confiável, vou eu mesmo contando e somando e dividindo. Sem as peças do meio de semana, porque não compro o jornal da cidade todo dia. Nos outros dias da semana eu leio outro jornal, mais barato e onde sai muita coisa de futebol.
Os números desse fim de semana voltaram aos números da segunda quinzena de agosto, quando comecei a fazer a lista. Estamos outra vez na casa dos 80 espetáculos (infantis + adultos). Justamente em novembro, quando tradicionalmente as peças começam a perder público para as festas de fim de ano. Só os infantis diminuíram, talvez as crianças já não estejam mais à mão nessa época. Os adultos, porém, subiram absurdamente.
Já disse aqui que, na falta de pesquisas e estudos de verdade, não sei nem tenho como saber se este número é bom ou ruim. Talvez seja pouco que uma cidade com tantos milhões de pessoas não tenha nem cem peças em cartaz no final de semana. Talvez seja muito. Quem sabe? Estarão essas peças todas lotando? Estarão esses espetáculos todos se sustentando com a bilheteria? Quantos desses espetáculos vendem mais de 50% por cento da lotação dos teatros? E quanto os que vendem menos do que isso arrecadam? E vivem do quê?
A questão que me chama atenção agora, para essa crônica (as outras questões também são boas, temos falado delas de vez em quando, retomaremos o assunto depois) a questão, dizia, que me chama atenção para essa crônica é outra.
Um dia desses, ao comentar sobre isso de teatro, um amigo de longa data e longuíssima carreira chamou a atenção para o fato de quase não conhecer nenhum nome dos que saem nos tijolinhos das peças listadas no jornal da cidade. Ora, em teatro se conhece todo mundo. Somos uma espécie de confraria. Fazemos filhos uns com os outros, cuidamos das crianças dos amigos (e muitas delas acabam entrando para o ramo, feito os pais e os colegas de seus pais). Então, como pode ser que um confrade do teatro carioca não saiba quem sejam as pessoas que estão em cartaz pelo Rio?
É o assunto da crônica. Em duas ou três palavras – às vezes me estendo muito nos meus assuntos e não há necessidade.
Passando os olhos pelos tijolinhos eu também, verifiquei, eu também, que há mesmo uma quantidade enorme de artistas no Rio de Janeiro estrelando as peças do jornal e dos quais (eu também) nunca ouvi falar. Ora, mesmo não tendo a carreira e os anos do meu amigo, tenho já um bom tempo nessa nossa profissão. Ainda peguei um ou outro dos antigos produtores que tiravam dinheiro do bolso pra montar peças. Ainda peguei o Prêmio Molière. Vi nascer a Lei Sarney, que virou Rouanet. Se isso não é ser velho (sempre pode ser que não) é perto de ser. E igualmente me espanta não saber quem é essa gente toda que está em cartaz.
São muitos novos. Não digo novos de idade, há deles para todas as gerações, mas novos no exercício do ofício. Surgem de todos os cantos. O Rio de Janeiro é um imã cercado de praias por todos os lados. Entram na profissão aos borbotões, é um tsunami de gente fazendo teatro. E profissionais – sempre. A febre do teatro, todos sabemos quem provocou no Brasil. Chama-se televisão. A televisão precisa basicamente de atores, muitos atores. E atrás desse enxame de atores aparecem diretores, cenógrafos, produtores...
Se um produtor de elenco da televisão precisar de um ator anão amanhã de manhã para a novela das seis, ou de uma mulher alta e magérrima para a novela das oito, ele precisa que esse ator exista e, de preferência, que esteja desempregado e tenha registro profissional. O registro profissional é relativamente simples. Há cursos que profissionalizam atores em seis meses ou menos. E, para os que não têm paciência com os cursos, existe a solução definitiva do Registro Provisório. Já os desemprego o teatro se encarrega de produzir.
Sendo basicamente um caminho de passagem para a televisão, onde nos tornaremos estrelas e seremos ricos, bonitos e famosos, o teatro vira a casa da Mãe Joana. Precisamos estar trabalhando nele para que nos vejam e nos levem para a televisão, mas precisamos que nos deixem entrar e sair quando formos chamados. Precisamos que as peças não durem. Precisamos da noite de estréia e duas semanas a mais. Depois: rua.
Eu estava no início do ano parado em algum aeroporto no meio de uma excursão do Púcaro Búlgaro. Avião atrasadíssimo, peguei uma dessas revistas que se lê em viagens pra matar o tempo. Com cara de séria (mas todas têm). O avião atrasou tanto que fui parar na sessão de Cartas dos Leitores e tinha lá um rapaz perguntando como fazia para virar ator e ficar famoso. O editor, que sabia tudo sobre todos os assuntos, não titubeou ao responder sobre este.
Primeiro ele mandava o rapaz entrar para uma academia e modelar o corpo. Depois sugeria que se mudasse para o Rio de Janeiro (o leitor não morava no Rio), de preferência nos arredores do Projac. E por fim praticamente aconselhava o camarada a ficar plantado na porta esperando passar algum diretor, ator, alguém que pudesse colocá-lo pra dentro. Nenhuma palavra sobre escola, interpretação, profissionalismo, nada de nada disso. Era um editor sério, já se vê.
Bom, pelo menos também não mandava o rapaz ir fazer teatro enquanto isso. Nem precisa. Porque outros muitos já mandam.
Esse assunto de atores rende. Voltaremos a ele da próxima vez.
Os números desse fim de semana voltaram aos números da segunda quinzena de agosto, quando comecei a fazer a lista. Estamos outra vez na casa dos 80 espetáculos (infantis + adultos). Justamente em novembro, quando tradicionalmente as peças começam a perder público para as festas de fim de ano. Só os infantis diminuíram, talvez as crianças já não estejam mais à mão nessa época. Os adultos, porém, subiram absurdamente.
Já disse aqui que, na falta de pesquisas e estudos de verdade, não sei nem tenho como saber se este número é bom ou ruim. Talvez seja pouco que uma cidade com tantos milhões de pessoas não tenha nem cem peças em cartaz no final de semana. Talvez seja muito. Quem sabe? Estarão essas peças todas lotando? Estarão esses espetáculos todos se sustentando com a bilheteria? Quantos desses espetáculos vendem mais de 50% por cento da lotação dos teatros? E quanto os que vendem menos do que isso arrecadam? E vivem do quê?
A questão que me chama atenção agora, para essa crônica (as outras questões também são boas, temos falado delas de vez em quando, retomaremos o assunto depois) a questão, dizia, que me chama atenção para essa crônica é outra.
Um dia desses, ao comentar sobre isso de teatro, um amigo de longa data e longuíssima carreira chamou a atenção para o fato de quase não conhecer nenhum nome dos que saem nos tijolinhos das peças listadas no jornal da cidade. Ora, em teatro se conhece todo mundo. Somos uma espécie de confraria. Fazemos filhos uns com os outros, cuidamos das crianças dos amigos (e muitas delas acabam entrando para o ramo, feito os pais e os colegas de seus pais). Então, como pode ser que um confrade do teatro carioca não saiba quem sejam as pessoas que estão em cartaz pelo Rio?
É o assunto da crônica. Em duas ou três palavras – às vezes me estendo muito nos meus assuntos e não há necessidade.
Passando os olhos pelos tijolinhos eu também, verifiquei, eu também, que há mesmo uma quantidade enorme de artistas no Rio de Janeiro estrelando as peças do jornal e dos quais (eu também) nunca ouvi falar. Ora, mesmo não tendo a carreira e os anos do meu amigo, tenho já um bom tempo nessa nossa profissão. Ainda peguei um ou outro dos antigos produtores que tiravam dinheiro do bolso pra montar peças. Ainda peguei o Prêmio Molière. Vi nascer a Lei Sarney, que virou Rouanet. Se isso não é ser velho (sempre pode ser que não) é perto de ser. E igualmente me espanta não saber quem é essa gente toda que está em cartaz.
São muitos novos. Não digo novos de idade, há deles para todas as gerações, mas novos no exercício do ofício. Surgem de todos os cantos. O Rio de Janeiro é um imã cercado de praias por todos os lados. Entram na profissão aos borbotões, é um tsunami de gente fazendo teatro. E profissionais – sempre. A febre do teatro, todos sabemos quem provocou no Brasil. Chama-se televisão. A televisão precisa basicamente de atores, muitos atores. E atrás desse enxame de atores aparecem diretores, cenógrafos, produtores...
Se um produtor de elenco da televisão precisar de um ator anão amanhã de manhã para a novela das seis, ou de uma mulher alta e magérrima para a novela das oito, ele precisa que esse ator exista e, de preferência, que esteja desempregado e tenha registro profissional. O registro profissional é relativamente simples. Há cursos que profissionalizam atores em seis meses ou menos. E, para os que não têm paciência com os cursos, existe a solução definitiva do Registro Provisório. Já os desemprego o teatro se encarrega de produzir.
Sendo basicamente um caminho de passagem para a televisão, onde nos tornaremos estrelas e seremos ricos, bonitos e famosos, o teatro vira a casa da Mãe Joana. Precisamos estar trabalhando nele para que nos vejam e nos levem para a televisão, mas precisamos que nos deixem entrar e sair quando formos chamados. Precisamos que as peças não durem. Precisamos da noite de estréia e duas semanas a mais. Depois: rua.
Eu estava no início do ano parado em algum aeroporto no meio de uma excursão do Púcaro Búlgaro. Avião atrasadíssimo, peguei uma dessas revistas que se lê em viagens pra matar o tempo. Com cara de séria (mas todas têm). O avião atrasou tanto que fui parar na sessão de Cartas dos Leitores e tinha lá um rapaz perguntando como fazia para virar ator e ficar famoso. O editor, que sabia tudo sobre todos os assuntos, não titubeou ao responder sobre este.
Primeiro ele mandava o rapaz entrar para uma academia e modelar o corpo. Depois sugeria que se mudasse para o Rio de Janeiro (o leitor não morava no Rio), de preferência nos arredores do Projac. E por fim praticamente aconselhava o camarada a ficar plantado na porta esperando passar algum diretor, ator, alguém que pudesse colocá-lo pra dentro. Nenhuma palavra sobre escola, interpretação, profissionalismo, nada de nada disso. Era um editor sério, já se vê.
Bom, pelo menos também não mandava o rapaz ir fazer teatro enquanto isso. Nem precisa. Porque outros muitos já mandam.
Esse assunto de atores rende. Voltaremos a ele da próxima vez.
domingo, 14 de novembro de 2010
DIRETORES (2)
Outro dia me deu a seguinte iluminação na cabeça. A respeito da minha ignorância quanto ao que se faz em cinema e tevê. Eu, ignorante, quando vejo programas de televisão ou filmes, a não ser que sejam casos muito extremos de linguagem e que sejam muito, muito diferentes do normal (por exemplo: um filme mudo; por exemplo: um programa de tevê sem pé nem cabeça) eu, ignorante, repito, daquilo, acho que são todos iguais. Todos. São imagens seqüenciadas, feitas com câmeras de vídeo e de filmar, com som gravado, e pessoas passando na frente e dizendo ou fazendo coisas mais ou menos parecidas o tempo todo. Não vejo, por exemplo, a menor diferença entre uma série de humor e uma série séria. A não ser, é claro, que uma me faz achar graça das coisas e a outra não. Do mesmo modo, um filme comédia e outro de terror pra mim são a mesma coisa, só que provocam reações diferentes.
Pois bem. Isso se dá porque eu não entendo do assunto. Porque, se entendesse, veria que não é assim
Estudando e conversando com diretores de cinema e tevê vou, aos poucos, descobrindo o tamanho da minha estupidez. Um filme não é diferente do outro só porque muda de gênero. Nada disso, absolutamente. Duas comédias, apenas porque são comédias, não quer dizer que sejam obras iguais como cinema. Mesma coisa com os programas da televisão. Uma novela não é igual à outra novela, embora eu ache que sejam. Eu acho que novelas são todas iguais, porque eu não entendo nada daquilo. Porque me falta a ciência, naturalmente.
Porque (meus amigos diretores de cinema e tevê me ensinando:) aquilo ali tem uma ciência. Onde eu vejo apenas imagens e sons jogados sobre uma tela iluminada, existe uma estética. As imagens não dispostas ao Deus dará, elas são editadas em um laboratório de edição. Também não são filmadas ou gravadas de qualquer jeito, elas têm uma orientação de eixo, de iluminação, são registradas em planos (gerais, médios, fechados, outros), alguns diretores as desenham antes e outros se reúnem com seus assistentes para programá-las. As locações também são cuidadosamente escolhidas, os atores, a equipe, há uma orquestração pensante por ali, existe um projeto econômico, um sentido social e o escambau. Aquilo tudo é calculado para criar a obra que eu assisto em casa ou no cinema. E cada produção tem seu caráter que a diferencia, mesmo que pertençam a gêneros iguais. Eu não noto as diferenças, porque não sei ler aquilo. Mas os especialistas meus amigos distinguem duas séries de comédia da televisão, que pra mim parecem ser rigorosamente a mesma, como quem vê as diferenças óbvias entre dois quadros de pintores diferentes. Ou mais ainda, entre um quadro e uma escultura, entre uma litografia e uma partitura de Verdi. Mas eu só vejo (ou só via, porque estou aprendendo) imagens em uma tela iluminada com um som ao fundo.
Curioso que para entender e distinguir as obras de cinema e tevê não se necessite ser um artista, um diretor ou um técnico destas profissões. Talvez porque tenham se popularizado muito. Mesmo que tenham menos de um século, essas duas artes e seus segredinhos estão na boca do povo. Basta ser um pouco mais aficionado, basta ser um espectador mais atento, para aprender a perceber as nuances e as especificidades por trás das obras de tevê e dos filmes. De algum modo, essas duas indústrias disseminaram o seu conhecimento a respeito de si próprias de maneira que (a não ser em casos de estupidez obtusa), não apenas somos capazes de reconhecê-las como arte, como temos a sensação de possuir algum domínio (ainda que simplesmente teórico) sobre muitas das suas técnicas. E apesar disso nem todos viramos diretores de cinema, não é qualquer um que dirige uma novela, e nem os governos nem as cadeias de televisão costumam entregar as suas produções na mão do primeiro aventureiro que aparece. Pode rolar, claro, de um incauto dirigir a novela das oito (que é às nove). Mas não é comum de acontecer (ou não deveria - ham!).
Com o teatro não é o que se dá. E é isso que eu disse aqui na semana passada e que repito hoje um pouco mais explicadinho.
No teatro tudo pode. Mas parece que ser diretor é a coisa que mais pode no teatro hoje em dia. Penso que funciona mais ou menos assim. No cinema e na tevê existem máquinas que gravam (ou filmam). Essas máquinas produzem alguma coisa que se vê e que reconhecemos como a obra. Para produzir uma obra que faça algum sentido e interesse outras pessoas além de nós que as produzimos, precisamos conhecer e seguir certas regras. Sem essas regras as máquinas não filmam. Sem essas regras as coisas filmadas ou gravadas não farão sentido para quem as assiste. O filme não acontece. Haverá ali atores, haverá ali uma locação e um roteiro, mas se as regras de filmagem, ou de gravação não forem seguidas (e às vezes desobedecidas, mas não porque não colocamos nada no lugar, e sim porque inventamos novas regras que têm funções análogas às velhas) se as regras não forem seguidas não há filme, não há série, não há novela, não há, portanto, obra.
E por que achamos que no teatro não há regras? Por que achamos que um ator e um banquinho são eles mesmos, sem regras, a obra que viemos assistir? Só porque não há máquinas que gravem (ou filmem)? Só por que não podemos levar o produto pra casa e guardar na prateleira da sala junto com os livros de ficção? Vamos pensar nos vídeos do youtube. Se um sujeito maluco liga uma webcam e dança pra nós e faz xixi na nossa frente, podemos dizer que estamos diante de algum tipo de obra, mas sabemos no nosso íntimo que não se trata de uma obra dramática. Por quê? Por que ele não finge. E fingir é uma das nossas regras. Para provocar – um documentário. No documentário pode-se não fingir e mesmo assim pode-se considerá-lo uma obra dramática. Quebrou-se uma regra. Porém, o diretor do filme colocou em seu lugar um sentido de ficção, que é uma nova regra, com função de preencher o lugar da regra que foi quebrada. O homem que faz xixi e o ator que finge que mija são obras em vídeo e nós estamos treinados para reconhecer e diferenciar essas obras. E quem nos treinou? A nossa cultura de filmes e de tevê foi que nos treinou.
E por que no teatro não é assim? Por que achamos que, no teatro, não há obra ou que tudo é obra (o que dá no mesmo)? É a luz que nos ilude? É a cenografia, as roupas dos atores, o nome deles no cartaz? E, se no teatro não há obra, então o que há? Bom, mas se não há obra, então é fácil. Porque uma obra dramática (vide a tevê e o cinema) exige edição, decupagem do roteiro, microfones, exige um plano para filmar, exige um sentido e outras coisas complicadas e que (sem as máquinas e seus manuais) seria impossível fazer. Mas ajuntar umas pessoas repetindo um texto decorado sob a luz de um refletor, ah, sim, isso naturalmente é muito mais simples e isto eu sei. E nem é preciso estudar muito para isso. Vamos lá, gente, vamos lá! - basta um pouco de entusiasmo e não desistir logo da primeira vez. E é mais ou menos assim que os diretores de teatro surgem e são qualquer um. Talvez não estejamos mais interessado pela obra. Talvez, no teatro, nosso interesse seja outro - quem sabe a simples reunião na sala escura (sem pipoca, porque faz barulho) seja suficiente para nós. Melhor do que reconhecer a nossa própria ignorância. Que nos perdemos da obra e que não sabemos onde ela está.
Pois bem. Isso se dá porque eu não entendo do assunto. Porque, se entendesse, veria que não é assim
Estudando e conversando com diretores de cinema e tevê vou, aos poucos, descobrindo o tamanho da minha estupidez. Um filme não é diferente do outro só porque muda de gênero. Nada disso, absolutamente. Duas comédias, apenas porque são comédias, não quer dizer que sejam obras iguais como cinema. Mesma coisa com os programas da televisão. Uma novela não é igual à outra novela, embora eu ache que sejam. Eu acho que novelas são todas iguais, porque eu não entendo nada daquilo. Porque me falta a ciência, naturalmente.
Porque (meus amigos diretores de cinema e tevê me ensinando:) aquilo ali tem uma ciência. Onde eu vejo apenas imagens e sons jogados sobre uma tela iluminada, existe uma estética. As imagens não dispostas ao Deus dará, elas são editadas em um laboratório de edição. Também não são filmadas ou gravadas de qualquer jeito, elas têm uma orientação de eixo, de iluminação, são registradas em planos (gerais, médios, fechados, outros), alguns diretores as desenham antes e outros se reúnem com seus assistentes para programá-las. As locações também são cuidadosamente escolhidas, os atores, a equipe, há uma orquestração pensante por ali, existe um projeto econômico, um sentido social e o escambau. Aquilo tudo é calculado para criar a obra que eu assisto em casa ou no cinema. E cada produção tem seu caráter que a diferencia, mesmo que pertençam a gêneros iguais. Eu não noto as diferenças, porque não sei ler aquilo. Mas os especialistas meus amigos distinguem duas séries de comédia da televisão, que pra mim parecem ser rigorosamente a mesma, como quem vê as diferenças óbvias entre dois quadros de pintores diferentes. Ou mais ainda, entre um quadro e uma escultura, entre uma litografia e uma partitura de Verdi. Mas eu só vejo (ou só via, porque estou aprendendo) imagens em uma tela iluminada com um som ao fundo.
Curioso que para entender e distinguir as obras de cinema e tevê não se necessite ser um artista, um diretor ou um técnico destas profissões. Talvez porque tenham se popularizado muito. Mesmo que tenham menos de um século, essas duas artes e seus segredinhos estão na boca do povo. Basta ser um pouco mais aficionado, basta ser um espectador mais atento, para aprender a perceber as nuances e as especificidades por trás das obras de tevê e dos filmes. De algum modo, essas duas indústrias disseminaram o seu conhecimento a respeito de si próprias de maneira que (a não ser em casos de estupidez obtusa), não apenas somos capazes de reconhecê-las como arte, como temos a sensação de possuir algum domínio (ainda que simplesmente teórico) sobre muitas das suas técnicas. E apesar disso nem todos viramos diretores de cinema, não é qualquer um que dirige uma novela, e nem os governos nem as cadeias de televisão costumam entregar as suas produções na mão do primeiro aventureiro que aparece. Pode rolar, claro, de um incauto dirigir a novela das oito (que é às nove). Mas não é comum de acontecer (ou não deveria - ham!).
Com o teatro não é o que se dá. E é isso que eu disse aqui na semana passada e que repito hoje um pouco mais explicadinho.
No teatro tudo pode. Mas parece que ser diretor é a coisa que mais pode no teatro hoje em dia. Penso que funciona mais ou menos assim. No cinema e na tevê existem máquinas que gravam (ou filmam). Essas máquinas produzem alguma coisa que se vê e que reconhecemos como a obra. Para produzir uma obra que faça algum sentido e interesse outras pessoas além de nós que as produzimos, precisamos conhecer e seguir certas regras. Sem essas regras as máquinas não filmam. Sem essas regras as coisas filmadas ou gravadas não farão sentido para quem as assiste. O filme não acontece. Haverá ali atores, haverá ali uma locação e um roteiro, mas se as regras de filmagem, ou de gravação não forem seguidas (e às vezes desobedecidas, mas não porque não colocamos nada no lugar, e sim porque inventamos novas regras que têm funções análogas às velhas) se as regras não forem seguidas não há filme, não há série, não há novela, não há, portanto, obra.
E por que achamos que no teatro não há regras? Por que achamos que um ator e um banquinho são eles mesmos, sem regras, a obra que viemos assistir? Só porque não há máquinas que gravem (ou filmem)? Só por que não podemos levar o produto pra casa e guardar na prateleira da sala junto com os livros de ficção? Vamos pensar nos vídeos do youtube. Se um sujeito maluco liga uma webcam e dança pra nós e faz xixi na nossa frente, podemos dizer que estamos diante de algum tipo de obra, mas sabemos no nosso íntimo que não se trata de uma obra dramática. Por quê? Por que ele não finge. E fingir é uma das nossas regras. Para provocar – um documentário. No documentário pode-se não fingir e mesmo assim pode-se considerá-lo uma obra dramática. Quebrou-se uma regra. Porém, o diretor do filme colocou em seu lugar um sentido de ficção, que é uma nova regra, com função de preencher o lugar da regra que foi quebrada. O homem que faz xixi e o ator que finge que mija são obras em vídeo e nós estamos treinados para reconhecer e diferenciar essas obras. E quem nos treinou? A nossa cultura de filmes e de tevê foi que nos treinou.
E por que no teatro não é assim? Por que achamos que, no teatro, não há obra ou que tudo é obra (o que dá no mesmo)? É a luz que nos ilude? É a cenografia, as roupas dos atores, o nome deles no cartaz? E, se no teatro não há obra, então o que há? Bom, mas se não há obra, então é fácil. Porque uma obra dramática (vide a tevê e o cinema) exige edição, decupagem do roteiro, microfones, exige um plano para filmar, exige um sentido e outras coisas complicadas e que (sem as máquinas e seus manuais) seria impossível fazer. Mas ajuntar umas pessoas repetindo um texto decorado sob a luz de um refletor, ah, sim, isso naturalmente é muito mais simples e isto eu sei. E nem é preciso estudar muito para isso. Vamos lá, gente, vamos lá! - basta um pouco de entusiasmo e não desistir logo da primeira vez. E é mais ou menos assim que os diretores de teatro surgem e são qualquer um. Talvez não estejamos mais interessado pela obra. Talvez, no teatro, nosso interesse seja outro - quem sabe a simples reunião na sala escura (sem pipoca, porque faz barulho) seja suficiente para nós. Melhor do que reconhecer a nossa própria ignorância. Que nos perdemos da obra e que não sabemos onde ela está.
domingo, 7 de novembro de 2010
DIRETORES
Em algum lugar da história recente do teatro nacional, eu não sei exatamente aonde, alguém parece ter decidido que não tem muita importância esse negócio de diretor de teatro. Pode ser porque, com os patrocínios, foram aumentando muito o número dos projetos e das produções, pode ser porque o dinheiro e o tempo não deram mais pra pagar uns bons diretores para todos os eventos, pode ser porque não haja mesmo bons diretores em quantidade pra tudo quanto é peça, podem ser outras as razões – históricas, econômicas, culturais – mas o fato é que isso de ter que haver diretores de verdade para existirem peças foi sendo deixado de lado ultimamente.
Claro, o crédito ainda está lá em todos os cartazes – “direção de” – e sempre existe algum incauto a completar a frase, mas estou falando aqui do sujeito diretor-diretor, do que entende de fato do riscado (e não apenas do bordado) do métier. Recentemente, li um artigo on line de um crítico paulista reclamando muito dos velhos e bons diretores do teatro brasileiro que, segundo ele, tinham perdido a mão (quando não a razão) e andavam tropeçando nas próprias fórmulas, insistindo nos mesmos truques antigos, afogados em repertórios ruins e outras mazelas. Como todo critico que se preze, bons e maus, este senhor paulista, naturalmente, estará errado. Mas, se alguém chega a por em dúvida a arte e a habilidade dos Papas, que dirá dos noviços que surgem e se sucedem a toda hora (e com a mesma pressa desaparecem) encabeçando as fichas técnicas dos novíssimos espetáculos brasileiros?
Verdade seja dita, é uma arte ingrata. Sabemos no geral muito pouco sobre as outras funções estampadas no cartaz dos teatros. Mas somos capazes de algumas boas ilações (e às vezes até acertamos) a respeito do que fazem ou deixam de fazer atores, autores, figurinistas, cenógrafos, coreógrafos, iluminadores e outros tantos profissionais cujos nomes encontramos listados ali. Com relação à função onde se lê “diretor” ou “direção”, no entanto, reina a mais absoluta ignorância.
Outro dia me veio à cabeça a questão de que porque eu não me torno um diretor de cinema ou de tevê. São profissões respeitadas, ganha-se bem e sabemos muito mais sobre elas, por causa da popularidade que o cinema e a televisão desfrutam entre nós, do que sabemos qualquer coisa a respeito do seu título assemelhado em teatro. Porém, justamente porque sei ou acho que sei alguma coisa a respeito de dirigir filmes e telenovelas foi que desisti do negócio. Para virar um diretor de televisão, o camarada fica anos trabalhando como assistente, câmera, ou sei lá quantas outras coisas este indivíduo deve saber, antes que o representante da emissora lhe confie esta função de dirigir. Com o diretor de cinema não é muito diferente. Nos dois casos é preciso entender de um sem número de questões técnicas e artísticas (e financeiras, por que não?) e é tão grande a responsabilidade do cargo que realmente não é pra qualquer um – mesmo o pior diretor do pior seriado da televisão brasileira saberá mais destes assuntos do que eu.
Para virar diretor de teatro, no entanto, parece não ser preciso coisa alguma além de querer atender pelo epíteto. É alguém para completar a ficha técnica. Alguém para um olhar de fora. Alguém para dizer isto está bom ou isto não funciona, ou saia deste lado e entre pelo lado de lá para não atrapalhar o colega. Ou não pisem nos móveis porque eles estragam. Os espetáculos se resolvem por um bom ator, ou por um bom autor, cenário, luz e figurino, ou, se por nada disso, pelo menos por uma platéia complacente e desavisada, uma crítica tacanha e uma mídia que não está nem um pouco interessada no produto que vende.
Deste modo, tanto os maus diretores quanto os bons (e há deles) são igualmente importantes ou desimportantes para o que se faz hoje em dia pelos palcos da cidade. O público se guia e se referencia pelo realismo que conhece desde criança do cinema e da tevê (aqui eles de novo). E os diretores que não são diretores, mas assinam diretores, também. O problema principal é que, ao contrário dos seus homônimos das telas, os diretores das peças – e os produtores que os colocam ali e os atores que fingem acreditarem neles e os críticos que os elogiam e todo o resto – não estão nem um pouco interessados, nem são cobrados a se interessar, por todo o aparato técnico e o sem número de questões éticas e estéticas que o teatro profissional contemporâneo suscita.
Naturalmente devem estar pensando: aqui não há equipamentos caros a estragar, nem horas de estúdio a serem pagas, nem o Ibope vem cortar o meu pescoço, nem tenho rolos de filme a perder, e, seja como for, as pessoas sairão divertidas ou entediadas daqui, mas tanto faz. Porque tudo o que as pessoas querem, quando vão ao teatro, é olhar para o ator famoso de perto, ou aplaudir o filho que virou artista, ou viajar numa peça malfeita, ou sei lá o que as pessoas querem ao assistir este espetáculo e de qualquer modo não tenho nada com isso. Porque não fui eu quem fiz esse mundo e não tenho porque me lixar com o erro dos outros.
De fato, parece que não há problema em que se dê a direção dos nossos espetáculos a qualquer um. Pelo menos os não iniciados não perturbam o nosso negócio nem nos enchem o saco. Semana que vem voltaremos ao assunto.
Claro, o crédito ainda está lá em todos os cartazes – “direção de” – e sempre existe algum incauto a completar a frase, mas estou falando aqui do sujeito diretor-diretor, do que entende de fato do riscado (e não apenas do bordado) do métier. Recentemente, li um artigo on line de um crítico paulista reclamando muito dos velhos e bons diretores do teatro brasileiro que, segundo ele, tinham perdido a mão (quando não a razão) e andavam tropeçando nas próprias fórmulas, insistindo nos mesmos truques antigos, afogados em repertórios ruins e outras mazelas. Como todo critico que se preze, bons e maus, este senhor paulista, naturalmente, estará errado. Mas, se alguém chega a por em dúvida a arte e a habilidade dos Papas, que dirá dos noviços que surgem e se sucedem a toda hora (e com a mesma pressa desaparecem) encabeçando as fichas técnicas dos novíssimos espetáculos brasileiros?
Verdade seja dita, é uma arte ingrata. Sabemos no geral muito pouco sobre as outras funções estampadas no cartaz dos teatros. Mas somos capazes de algumas boas ilações (e às vezes até acertamos) a respeito do que fazem ou deixam de fazer atores, autores, figurinistas, cenógrafos, coreógrafos, iluminadores e outros tantos profissionais cujos nomes encontramos listados ali. Com relação à função onde se lê “diretor” ou “direção”, no entanto, reina a mais absoluta ignorância.
Outro dia me veio à cabeça a questão de que porque eu não me torno um diretor de cinema ou de tevê. São profissões respeitadas, ganha-se bem e sabemos muito mais sobre elas, por causa da popularidade que o cinema e a televisão desfrutam entre nós, do que sabemos qualquer coisa a respeito do seu título assemelhado em teatro. Porém, justamente porque sei ou acho que sei alguma coisa a respeito de dirigir filmes e telenovelas foi que desisti do negócio. Para virar um diretor de televisão, o camarada fica anos trabalhando como assistente, câmera, ou sei lá quantas outras coisas este indivíduo deve saber, antes que o representante da emissora lhe confie esta função de dirigir. Com o diretor de cinema não é muito diferente. Nos dois casos é preciso entender de um sem número de questões técnicas e artísticas (e financeiras, por que não?) e é tão grande a responsabilidade do cargo que realmente não é pra qualquer um – mesmo o pior diretor do pior seriado da televisão brasileira saberá mais destes assuntos do que eu.
Para virar diretor de teatro, no entanto, parece não ser preciso coisa alguma além de querer atender pelo epíteto. É alguém para completar a ficha técnica. Alguém para um olhar de fora. Alguém para dizer isto está bom ou isto não funciona, ou saia deste lado e entre pelo lado de lá para não atrapalhar o colega. Ou não pisem nos móveis porque eles estragam. Os espetáculos se resolvem por um bom ator, ou por um bom autor, cenário, luz e figurino, ou, se por nada disso, pelo menos por uma platéia complacente e desavisada, uma crítica tacanha e uma mídia que não está nem um pouco interessada no produto que vende.
Deste modo, tanto os maus diretores quanto os bons (e há deles) são igualmente importantes ou desimportantes para o que se faz hoje em dia pelos palcos da cidade. O público se guia e se referencia pelo realismo que conhece desde criança do cinema e da tevê (aqui eles de novo). E os diretores que não são diretores, mas assinam diretores, também. O problema principal é que, ao contrário dos seus homônimos das telas, os diretores das peças – e os produtores que os colocam ali e os atores que fingem acreditarem neles e os críticos que os elogiam e todo o resto – não estão nem um pouco interessados, nem são cobrados a se interessar, por todo o aparato técnico e o sem número de questões éticas e estéticas que o teatro profissional contemporâneo suscita.
Naturalmente devem estar pensando: aqui não há equipamentos caros a estragar, nem horas de estúdio a serem pagas, nem o Ibope vem cortar o meu pescoço, nem tenho rolos de filme a perder, e, seja como for, as pessoas sairão divertidas ou entediadas daqui, mas tanto faz. Porque tudo o que as pessoas querem, quando vão ao teatro, é olhar para o ator famoso de perto, ou aplaudir o filho que virou artista, ou viajar numa peça malfeita, ou sei lá o que as pessoas querem ao assistir este espetáculo e de qualquer modo não tenho nada com isso. Porque não fui eu quem fiz esse mundo e não tenho porque me lixar com o erro dos outros.
De fato, parece que não há problema em que se dê a direção dos nossos espetáculos a qualquer um. Pelo menos os não iniciados não perturbam o nosso negócio nem nos enchem o saco. Semana que vem voltaremos ao assunto.
domingo, 31 de outubro de 2010
Ilações e números
De uns anos pra cá comecei a me interessar pelos números dos borderôs das minhas peças e, também, por outros números relacionados ao teatro ou à produção de teatro. Hoje, me arrependo de não ter começado antes com essa minha mania. Poderia saber mais coisas sobre o teatro de hoje se soubesse com mais exatidão como ele era feito há vinte anos atrás. Guardo memórias, é claro. Mas os números, nem que fossem apenas os meus e os dos meus amigos mais próximos, me fazem falta.
Porque faz falta saber com um pouco mais de exatidão de onde viemos e como chegamos ao estado de coisas que vivemos hoje. Podemos estar repetindo experiências inúteis. Também podemos não ter enxergado, em algum lugar do passado recente, algum caminho (se é que existiu) mais adequado a seguir do que este que trilhamos hoje.
Em pouco menos de 20 anos deixamos a era dos produtores para viver a realidade da subvenção pública. De um punhado de agentes endividados, agora somos muitos e reclamamos do governo.
Como se deu essa mudança de sistema? Quais as suas causas e o que isto aponta para o futuro do teatro no Brasil? Pesquisar a história recente do teatro pode ser importante para compreender o que se passa hoje com o nosso mecanismo de produção. Mas, se em nosso país, mal sabemos da história antiga e que já está nos livros...
Tenho seguido a produção de teatro no Rio pelos tijolinhos do jornal de domingo. É um expediente amador e impreciso, mas projeta um cenário um pouco mais real do que pura e simplesmente elucubrar.
Nas últimas 11 semanas estrearam em média (entre sexta e domingo) cerca de 5 espetáculos de teatro profissional adulto nessa cidade. Para um ano de 10 meses (vou ignorar no meu cientificismo amador o fim do ano e o carnaval) com meses de 4 semanas cada um (danem-se igualmente os meses de 5 semanas) estimo que estreamos pelo menos 200 espetáculos em 2010. Usando essas mesmas 11 semanas como referência e sabendo que a média desses espetáculos por final de semana está em torno de 40 (na verdade 43) peças em cartaz, temos que a temporada carioca se renovou 5 vezes ao longo deste mesmo ano. Ou seja, cada peça ficou em cartaz até 4 semanas no máximo, isto é, durante no máximo 2 meses (números médios, é claro, deve haver algum sucesso de anos em cartaz – qual?).
Não sei se a matemática ou a arte da estatística me autorizam a fazer o tipo de projeção que eu fiz. Também não sou capaz de afirmar que 200 novos espetáculos por ano seja um número alto ou baixo demais para uma cidade do tamanho do Rio de Janeiro (e como será este fenômeno em São Paulo? E Curitiba?). Mas penso que, se não é a verdade que as peças ficam 2 meses em cartaz, a verdade deve ser alguma coisa perto desta mentira. Mentira que nos leva a novas ilações e questões. Pois vamos lá.
Que espetáculo mantém o seu nível de investimento público (porque vivemos de dinheiro público) nas oito semanas de vida que lhes damos? Talvez um peça que cobre um ingresso de 100 ou 200 reais. Mas esta peça não existe. Ora, se os governos investem a fundo perdido no teatro (justa medida, é o papel dos governos, não se discute) que ações estamos adotando para esticar a vida útil dos nossos espetáculos e garantir a sobrevivência de seus artistas e técnicos ao longo dos meses do ano quando não estaremos em cartaz? Ora, sempre poderemos trabalhar em outras peças ao longo do período, com tal rotatividade de espetáculos. Será? É isto o que acontece atualmente? Trocamos de peça como quem troca de camisa – está fácil assim? E quantos espetáculos, dessas 200 estréias, contam com mais de 5 atores no seu elenco? Ora, sempre poderemos ir trabalhar na televisão – já que somos muitos, estamos desempregados e ganhamos pouco e a televisão pode suportar uma parte dessa mão-de-obra. Mas aí estaremos resolvendo um problema da televisão. E o nosso, quem resolverá?
Isso para não falar do público, do repertório, da crítica... Na semana passada tratei aqui de um espectador hipotético que tentasse assistir a todos os espetáculos em cartaz no Rio de Janeiro. Muito bem, agora sabemos (ou achamos que sabemos) que esse hipotético cidadão, adulto e que só vai ao teatro entre quinta e domingo, tem 200 peças novas para assistir ao longo de uma temporada. A 10 pratas o ingresso (ele paga meia!) nosso amigo precisa desembolsar 2 mil reais para ver todas elas. Se tiver o dinheiro (o abençoado cidadão – de classe média!) também precisará ser dois. Com 5 estréias por semana, ele vai ter que assistir a pelo menos duas peças num mesmo dia e num mesmo horário para cumprir a missão que lhe dei. O que leva a crer que, se há público para todas essas peças, é porque não há mesmo apenas um público para o teatro carioca, mas vários. O que também sugere que nenhum crítico é capaz de assistir a todas as peças que precisa criticar durante o ano.
Agora chega um pouco de números. Na semana que vem falaremos de outra coisa. Mas em tempo – os editais pululam. E o MinC acabou de lançar um que injeta 10 milhões e 800 mil para produções de teatro, dança e circo. Há faixas de 100, 150 e 200 mil reais para contemplar 82 produções por todo o país.
Porque faz falta saber com um pouco mais de exatidão de onde viemos e como chegamos ao estado de coisas que vivemos hoje. Podemos estar repetindo experiências inúteis. Também podemos não ter enxergado, em algum lugar do passado recente, algum caminho (se é que existiu) mais adequado a seguir do que este que trilhamos hoje.
Em pouco menos de 20 anos deixamos a era dos produtores para viver a realidade da subvenção pública. De um punhado de agentes endividados, agora somos muitos e reclamamos do governo.
Como se deu essa mudança de sistema? Quais as suas causas e o que isto aponta para o futuro do teatro no Brasil? Pesquisar a história recente do teatro pode ser importante para compreender o que se passa hoje com o nosso mecanismo de produção. Mas, se em nosso país, mal sabemos da história antiga e que já está nos livros...
Tenho seguido a produção de teatro no Rio pelos tijolinhos do jornal de domingo. É um expediente amador e impreciso, mas projeta um cenário um pouco mais real do que pura e simplesmente elucubrar.
Nas últimas 11 semanas estrearam em média (entre sexta e domingo) cerca de 5 espetáculos de teatro profissional adulto nessa cidade. Para um ano de 10 meses (vou ignorar no meu cientificismo amador o fim do ano e o carnaval) com meses de 4 semanas cada um (danem-se igualmente os meses de 5 semanas) estimo que estreamos pelo menos 200 espetáculos em 2010. Usando essas mesmas 11 semanas como referência e sabendo que a média desses espetáculos por final de semana está em torno de 40 (na verdade 43) peças em cartaz, temos que a temporada carioca se renovou 5 vezes ao longo deste mesmo ano. Ou seja, cada peça ficou em cartaz até 4 semanas no máximo, isto é, durante no máximo 2 meses (números médios, é claro, deve haver algum sucesso de anos em cartaz – qual?).
Não sei se a matemática ou a arte da estatística me autorizam a fazer o tipo de projeção que eu fiz. Também não sou capaz de afirmar que 200 novos espetáculos por ano seja um número alto ou baixo demais para uma cidade do tamanho do Rio de Janeiro (e como será este fenômeno em São Paulo? E Curitiba?). Mas penso que, se não é a verdade que as peças ficam 2 meses em cartaz, a verdade deve ser alguma coisa perto desta mentira. Mentira que nos leva a novas ilações e questões. Pois vamos lá.
Que espetáculo mantém o seu nível de investimento público (porque vivemos de dinheiro público) nas oito semanas de vida que lhes damos? Talvez um peça que cobre um ingresso de 100 ou 200 reais. Mas esta peça não existe. Ora, se os governos investem a fundo perdido no teatro (justa medida, é o papel dos governos, não se discute) que ações estamos adotando para esticar a vida útil dos nossos espetáculos e garantir a sobrevivência de seus artistas e técnicos ao longo dos meses do ano quando não estaremos em cartaz? Ora, sempre poderemos trabalhar em outras peças ao longo do período, com tal rotatividade de espetáculos. Será? É isto o que acontece atualmente? Trocamos de peça como quem troca de camisa – está fácil assim? E quantos espetáculos, dessas 200 estréias, contam com mais de 5 atores no seu elenco? Ora, sempre poderemos ir trabalhar na televisão – já que somos muitos, estamos desempregados e ganhamos pouco e a televisão pode suportar uma parte dessa mão-de-obra. Mas aí estaremos resolvendo um problema da televisão. E o nosso, quem resolverá?
Isso para não falar do público, do repertório, da crítica... Na semana passada tratei aqui de um espectador hipotético que tentasse assistir a todos os espetáculos em cartaz no Rio de Janeiro. Muito bem, agora sabemos (ou achamos que sabemos) que esse hipotético cidadão, adulto e que só vai ao teatro entre quinta e domingo, tem 200 peças novas para assistir ao longo de uma temporada. A 10 pratas o ingresso (ele paga meia!) nosso amigo precisa desembolsar 2 mil reais para ver todas elas. Se tiver o dinheiro (o abençoado cidadão – de classe média!) também precisará ser dois. Com 5 estréias por semana, ele vai ter que assistir a pelo menos duas peças num mesmo dia e num mesmo horário para cumprir a missão que lhe dei. O que leva a crer que, se há público para todas essas peças, é porque não há mesmo apenas um público para o teatro carioca, mas vários. O que também sugere que nenhum crítico é capaz de assistir a todas as peças que precisa criticar durante o ano.
Agora chega um pouco de números. Na semana que vem falaremos de outra coisa. Mas em tempo – os editais pululam. E o MinC acabou de lançar um que injeta 10 milhões e 800 mil para produções de teatro, dança e circo. Há faixas de 100, 150 e 200 mil reais para contemplar 82 produções por todo o país.
segunda-feira, 25 de outubro de 2010
Público (2)
Essa semana eu queria variar outra vez de assunto, mas o assunto “público (espectadores/platéia)” ainda merece ser muito comentado. Algumas questões da semana passada foram só roçadas de leve, de outras coisas relacionadas ao tema nem sequer um pouco falamos, enfim, acaba que vou ficar mais um tempinho por aqui hoje também. Há muito que se dizer sobre esse assunto. Sobre isso das pessoas para quem fazemos as peças e o que essas pessoas pra quem fazemos as peças acham do que estamos fazendo. E se estamos mesmo nos dirigindo a quem pensamos que estamos nos dirigindo ou a quem. Afinal, sobre isso que, nesse tempo dos projetos incentivados e dos editais, virou o tal do “público alvo”?
Eu tenho ido com relativa freqüência ao teatro. E, de uns tempos pra cá, tenho notado que as salas andam mais ou menos cheias. Talvez eu esteja dando sorte e esteja indo às peças nos dias em que elas enchem de gente. Mas os artistas com quem converso não estão reclamando tanto da falta de público quanto a uns cinco, seis anos atrás. De uns três anos pra cá então, a impressão é que tem melhorado muito. Parece que as pessoas estão com um pouco mais de dinheiro para ir ao teatro. Ou o preço dos ingressos deve estar mais baixo para elas, em relação a temporadas passadas. Com certeza, as duas coisas.
Também pode ter diminuído a oferta de peças e de sessões e isso concentra mais gentes nas sessões e peças que sobraram. Apesar de nos meus comentários aqui eu estar sempre chamando a atenção para a quantidade de projetos e de espetáculos em cartaz na cidade (e no país) não estou certo de que haja muito simples estabelecer a relação entre oferta e demanda no teatro. Essa me parece uma equação bastante complexa. E é preciso um estudo criterioso para tentar saber como se dá essa relação exatamente.
A minha impressão (baseada nas poucas pesquisas sobre o público de teatro que conheço) é de que há “nichos” de público e de que o aumento da oferta de espetáculos em cartaz não se dá na mesma proporção para todos eles. Numa mesma época, podem faltar peças para alguns e pode faltar público para outros. Por exemplo, poderia estar havendo um aumento na produção de musicais, atraindo um público que antes não tinha onde assisti-los e uma diminuição na quantidade de espetáculos de vanguarda. que estaria concentrando em menos sessões as platéias que curtem esse tipo de peças. Nos dois exemplos, a impressão que se tem é a mesma: aumento de público. No entanto, não é exatamente o que está acontecendo.
No caso das peçasde vanguarda (atenção, são exemplos fictícios, não há base de dados para isso) a diminuição do número de espetáculos concentra o público e o fenômeno poderia ser facilmente percebido dividindo-se a quantidade de espectadores pelo número de sessões oferecidas por temporada. Já a relação entre aumento do número de musicais e as suas platéias é mais complicada.
Não sabemos se o público dos musicais a) vai a todo o tipo de espetáculos e, quando não há musicais em cartaz, assiste a outros tipos de peças; b) assiste apenas a musicais e, quando não há um deles em cartaz, não vai a teatro nenhum. Se a nossa resposta for a da letra “a”, significa que não há um aumento real no número de espectadores – haveria, na realidade, um deslocamento para os musicais das platéias de outros tipos de espetáculos que, ou estão deixando de assistir a outras peças e causando um refluxo em outros borderôs (má notícia para os produtores), ou estão acrescentando os musicais ao seu cardápio de peças, e gastando mais para ir ao teatro (boa notícia para os produtores). Já no caso de a resposta ser “b” pode significar que sim, existe um aumento real de público quando há musicais em cartaz (embora não seja fácil convencê-los a assistir também a outros tipos de espetáculos).
Mesmo trabalhando com hipóteses sem base científica como essas, acho que dá para se perceber o quando importante pode vir a ser um estudo sobre as platéias de teatro no Brasil hoje. E, se considerarmos o fato de que as verbas de produção são na maioria das vezes públicas, um estudo como esse também pode embasar as políticas de governos.
***
Com ou sem o meu propalado aumento de público, uma queixa recorrente em qualquer discussão sobre o teatro hoje, diz respeito ao valor baixo dos ingressos praticados nas nossas bilheterias. Se o público está mais endinheirado ou não, o fato é que para os produtores e artistas o preço médio dos ingressos está perigosamente mais barato a cada nova temporada. As maiores causas deste fenômeno são duas e bem conhecidas de todos nós: o grande número de cortesias e, principalmente, o aumento percentual no número de meias-entradas.
As cortesias sempre foram um problema para os produtores de teatro. É conhecida a antiga frase atribuída a Cacilda Becker “não me peça de graça a única coisa que eu tenho para vender” (não é exatamente assim, mas o sentido é esse). No entanto, se o apelo da atriz terá dado algum resultado para os anos 50-60, meio século depois todos já nos esquecemos disto e o número de cortesias aumenta todos os dias.
Há sempre um número de amigos de pessoas ligadas aos espetáculos para os quais reservamos convites ao longo das temporadas das peças. Também permutamos cortesias com apoiadores em troca de materiais e serviços que barateiem os custos de produção. Há ainda as cortesias para a imprensa e outras que são consideradas importantes no processo de divulgação do espetáculo e da sua manutenção na mídia. Além disso, patrocinadores podem exigir cotas de ingressos gratuitos para seus funcionários/clientes como contrapartida para a sua renúncia fiscal. E, por fim, os governos estimulam a reserva de cortesias (e até de sessões gratuitas) para estudantes e outros, com o mesmo argumento de contrapartida pelo investimento do dinheiro dos impostos no teatro.
De qualquer modo, um produtor “linha dura” em uma peça de sucesso talvez consiga manter o seu percentual de convidados em aceitáveis (mesmo que insuportáveis) 10-12% do bruto. O que nenhuma produção consegue resolver, no entanto, é a subida avassaladora do número de meias-entradas nos últimos anos.
Não conheço pesquisas genéricas, mas tenho meus próprios borderôs e os de muitos amigos para ilustrar o “estrago” feito na economia do teatro com a política das meias-entradas. Pode-se afirmar com segurança que a quase totalidade dos ingressos vendidos pelos espetáculos de teatro hoje em dia, é vendida pela metade do preço que consta no cartaz. E não importa se a peça custa 10, 20 ou 200 reais. O esquema das meias-entradas derruba qualquer um. Todo mundo tem direito à meia-entrada. Não apenas os governos determinam umas tantas obrigatoriedades (que variam de municipio para município) como também empresas patrocinadoras, apoiadores pedem as suas próprias reservas de cotas.
Me lembro de uma sessão de um espetáculo recente, de muito sucesso, em que havia 160 meias-entradas vendidas para um universo de 161 espectadores pagantes. É uma loucura isso. As contas implodem. Porque não pagamos “meio” aluguel de equipamentos, nem os atores recebem “meio” salário, para contrabalançar.
Mas, não sejamos de todo ingratos e esquecidos. Num passado não muito distante, ampliar o número de meias-entradas e conceder o máximo possível de cortesias foi uma das estratégias usadas pelos produtores de peças para salvar da falência ou do esquecimento os seus espetáculos. Aqui um estudo mais acurado (também a se fazer) poderá mostrar como e porque o que aparecia como solução, anos depois, se transformou num estorvo. E pode apontar uma possível saída para o problema.
***
Enfim, quantas pessoas vão ao teatro hoje em dia no Rio de Janeiro? E em São Paulo, Recife, Goiânia? O que vão ver? O que querem ver? O público se renovou, envelheceu? Houve um aumento ou uma queda relativa de público com o aumento de oferta de espetáculos e a redução no número de sessões? Vão todos assistir aos mesmos espetáculos? Vão sozinhos? Quanto gastam?
Nesse último fim de semana, havia 50 espetáculos de teatro adulto na cidade do Rio de Janeiro, se o jornal O Globo não comeu algum nos seus tijolinhos. Se, na sexta-feira, esses mesmos espetáculos receberam em média (quem o sabe?) 100/200 pessoas por sessão, temos que entre 5 a 10 mil cariocas (e turistas) saíram de casa naquele dia para assistir às nossas esplêndidas peças. Um percentual dessas pessoas (provavelmente os turistas) também aproveitou para assistir a outros espetáculos no sábado e no domingo. Mas a maioria só voltará ao teatro nessa semana que entra (os que vão ao teatro com maior freqüência, suponho) ou a partir da semana que vem, ou ainda na outra. Ou apenas no próximo mês (ou quando?).
Conhecer essa freqüência e as razões dessa freqüência (como também alguns outros hábitos dessas pessoas que ainda vão ao teatro, quando a tanto para se fazer em outros lugares) mudará a nossa percepção sobre quantos somos, que tipos de gostos dividimos, que assuntos nos interessam ou não e quanto estamos dispostos a pagar ou iremos ganhar, nós todos os que circulamos, com maior ou menor interesse, em torno desse desconhecido mercado artesanal. Mas, enquanto não se começa a contar...
Eu tenho ido com relativa freqüência ao teatro. E, de uns tempos pra cá, tenho notado que as salas andam mais ou menos cheias. Talvez eu esteja dando sorte e esteja indo às peças nos dias em que elas enchem de gente. Mas os artistas com quem converso não estão reclamando tanto da falta de público quanto a uns cinco, seis anos atrás. De uns três anos pra cá então, a impressão é que tem melhorado muito. Parece que as pessoas estão com um pouco mais de dinheiro para ir ao teatro. Ou o preço dos ingressos deve estar mais baixo para elas, em relação a temporadas passadas. Com certeza, as duas coisas.
Também pode ter diminuído a oferta de peças e de sessões e isso concentra mais gentes nas sessões e peças que sobraram. Apesar de nos meus comentários aqui eu estar sempre chamando a atenção para a quantidade de projetos e de espetáculos em cartaz na cidade (e no país) não estou certo de que haja muito simples estabelecer a relação entre oferta e demanda no teatro. Essa me parece uma equação bastante complexa. E é preciso um estudo criterioso para tentar saber como se dá essa relação exatamente.
A minha impressão (baseada nas poucas pesquisas sobre o público de teatro que conheço) é de que há “nichos” de público e de que o aumento da oferta de espetáculos em cartaz não se dá na mesma proporção para todos eles. Numa mesma época, podem faltar peças para alguns e pode faltar público para outros. Por exemplo, poderia estar havendo um aumento na produção de musicais, atraindo um público que antes não tinha onde assisti-los e uma diminuição na quantidade de espetáculos de vanguarda. que estaria concentrando em menos sessões as platéias que curtem esse tipo de peças. Nos dois exemplos, a impressão que se tem é a mesma: aumento de público. No entanto, não é exatamente o que está acontecendo.
No caso das peçasde vanguarda (atenção, são exemplos fictícios, não há base de dados para isso) a diminuição do número de espetáculos concentra o público e o fenômeno poderia ser facilmente percebido dividindo-se a quantidade de espectadores pelo número de sessões oferecidas por temporada. Já a relação entre aumento do número de musicais e as suas platéias é mais complicada.
Não sabemos se o público dos musicais a) vai a todo o tipo de espetáculos e, quando não há musicais em cartaz, assiste a outros tipos de peças; b) assiste apenas a musicais e, quando não há um deles em cartaz, não vai a teatro nenhum. Se a nossa resposta for a da letra “a”, significa que não há um aumento real no número de espectadores – haveria, na realidade, um deslocamento para os musicais das platéias de outros tipos de espetáculos que, ou estão deixando de assistir a outras peças e causando um refluxo em outros borderôs (má notícia para os produtores), ou estão acrescentando os musicais ao seu cardápio de peças, e gastando mais para ir ao teatro (boa notícia para os produtores). Já no caso de a resposta ser “b” pode significar que sim, existe um aumento real de público quando há musicais em cartaz (embora não seja fácil convencê-los a assistir também a outros tipos de espetáculos).
Mesmo trabalhando com hipóteses sem base científica como essas, acho que dá para se perceber o quando importante pode vir a ser um estudo sobre as platéias de teatro no Brasil hoje. E, se considerarmos o fato de que as verbas de produção são na maioria das vezes públicas, um estudo como esse também pode embasar as políticas de governos.
***
Com ou sem o meu propalado aumento de público, uma queixa recorrente em qualquer discussão sobre o teatro hoje, diz respeito ao valor baixo dos ingressos praticados nas nossas bilheterias. Se o público está mais endinheirado ou não, o fato é que para os produtores e artistas o preço médio dos ingressos está perigosamente mais barato a cada nova temporada. As maiores causas deste fenômeno são duas e bem conhecidas de todos nós: o grande número de cortesias e, principalmente, o aumento percentual no número de meias-entradas.
As cortesias sempre foram um problema para os produtores de teatro. É conhecida a antiga frase atribuída a Cacilda Becker “não me peça de graça a única coisa que eu tenho para vender” (não é exatamente assim, mas o sentido é esse). No entanto, se o apelo da atriz terá dado algum resultado para os anos 50-60, meio século depois todos já nos esquecemos disto e o número de cortesias aumenta todos os dias.
Há sempre um número de amigos de pessoas ligadas aos espetáculos para os quais reservamos convites ao longo das temporadas das peças. Também permutamos cortesias com apoiadores em troca de materiais e serviços que barateiem os custos de produção. Há ainda as cortesias para a imprensa e outras que são consideradas importantes no processo de divulgação do espetáculo e da sua manutenção na mídia. Além disso, patrocinadores podem exigir cotas de ingressos gratuitos para seus funcionários/clientes como contrapartida para a sua renúncia fiscal. E, por fim, os governos estimulam a reserva de cortesias (e até de sessões gratuitas) para estudantes e outros, com o mesmo argumento de contrapartida pelo investimento do dinheiro dos impostos no teatro.
De qualquer modo, um produtor “linha dura” em uma peça de sucesso talvez consiga manter o seu percentual de convidados em aceitáveis (mesmo que insuportáveis) 10-12% do bruto. O que nenhuma produção consegue resolver, no entanto, é a subida avassaladora do número de meias-entradas nos últimos anos.
Não conheço pesquisas genéricas, mas tenho meus próprios borderôs e os de muitos amigos para ilustrar o “estrago” feito na economia do teatro com a política das meias-entradas. Pode-se afirmar com segurança que a quase totalidade dos ingressos vendidos pelos espetáculos de teatro hoje em dia, é vendida pela metade do preço que consta no cartaz. E não importa se a peça custa 10, 20 ou 200 reais. O esquema das meias-entradas derruba qualquer um. Todo mundo tem direito à meia-entrada. Não apenas os governos determinam umas tantas obrigatoriedades (que variam de municipio para município) como também empresas patrocinadoras, apoiadores pedem as suas próprias reservas de cotas.
Me lembro de uma sessão de um espetáculo recente, de muito sucesso, em que havia 160 meias-entradas vendidas para um universo de 161 espectadores pagantes. É uma loucura isso. As contas implodem. Porque não pagamos “meio” aluguel de equipamentos, nem os atores recebem “meio” salário, para contrabalançar.
Mas, não sejamos de todo ingratos e esquecidos. Num passado não muito distante, ampliar o número de meias-entradas e conceder o máximo possível de cortesias foi uma das estratégias usadas pelos produtores de peças para salvar da falência ou do esquecimento os seus espetáculos. Aqui um estudo mais acurado (também a se fazer) poderá mostrar como e porque o que aparecia como solução, anos depois, se transformou num estorvo. E pode apontar uma possível saída para o problema.
***
Enfim, quantas pessoas vão ao teatro hoje em dia no Rio de Janeiro? E em São Paulo, Recife, Goiânia? O que vão ver? O que querem ver? O público se renovou, envelheceu? Houve um aumento ou uma queda relativa de público com o aumento de oferta de espetáculos e a redução no número de sessões? Vão todos assistir aos mesmos espetáculos? Vão sozinhos? Quanto gastam?
Nesse último fim de semana, havia 50 espetáculos de teatro adulto na cidade do Rio de Janeiro, se o jornal O Globo não comeu algum nos seus tijolinhos. Se, na sexta-feira, esses mesmos espetáculos receberam em média (quem o sabe?) 100/200 pessoas por sessão, temos que entre 5 a 10 mil cariocas (e turistas) saíram de casa naquele dia para assistir às nossas esplêndidas peças. Um percentual dessas pessoas (provavelmente os turistas) também aproveitou para assistir a outros espetáculos no sábado e no domingo. Mas a maioria só voltará ao teatro nessa semana que entra (os que vão ao teatro com maior freqüência, suponho) ou a partir da semana que vem, ou ainda na outra. Ou apenas no próximo mês (ou quando?).
Conhecer essa freqüência e as razões dessa freqüência (como também alguns outros hábitos dessas pessoas que ainda vão ao teatro, quando a tanto para se fazer em outros lugares) mudará a nossa percepção sobre quantos somos, que tipos de gostos dividimos, que assuntos nos interessam ou não e quanto estamos dispostos a pagar ou iremos ganhar, nós todos os que circulamos, com maior ou menor interesse, em torno desse desconhecido mercado artesanal. Mas, enquanto não se começa a contar...
segunda-feira, 18 de outubro de 2010
Público
Estou aqui fuçando a segunda edição do Cultura em Números-2010, um relatório do MinC com dados atualizados sobre a produção e o consumo de cultura no país. É um extenso trabalho, compilando e sistematizando dados de diversas fontes de pesquisa, e que faz, na medida do possível, um mapeamento da cultura brasileira, em termos de quem a produz e consome. Útil para o próprio governo e, espera-se, também para os agentes produtores de cultura.
Há lacunas ainda não preenchidas neste estudo, seja pela não incorporação de dados de pesquisas mais recentes, como eles mesmos nos advertem na introdução, seja pela falta de algumas pesquisas específicas para certos setores do tecido cultural brasileiro. Mas trata-se, sem dúvida, de um esforço louvável.
Dos dados ausentes no relatório, quero me deter à falta de números e tabulações a respeito do público freqüentador de teatro no Brasil. Há dados sobre consumidores de cinema, TV, jornal, rádio, freqüentadores de shows, jogadores de baralho, enfim, há um pouco de tudo no estudo. Mas sobre a parte dos consumidores de cultura que costumam ir ou vão de vez em quando assistir a peças de teatro não há referência específica.
Não estamos sozinhos, é verdade. Também não estão mencionados os freqüentadores de espetáculos de dança. Nem as platéias circenses ou as de rodeios. Bom, mas como já se disse aqui, há ainda lacunas a preencher.
Pego o exemplo da falta de dados sobre o público freqüentador de teatro como mote para algumas considerações. Até porque, neste mesmo estudo no MinC, na parte referente à produção (que está um pouco mais completa) as Artes Cênicas aparecem em primeiro lugar, abocanhando 20% dos investimentos públicos para no decênio 96-2006. À frente até do cinema! Embora também se advirta ali que os dados para o Audiovisual estão incompletos, porque são armazenados pela ANCINE a partir de 2003.
***
Se pudermos inferir que o teatro recebe a maior parte dos recursos destinados às Artes Cênicas e se considerarmos que a produção desta arte no Brasil, hoje, é praticamente toda financiada com dinheiro público, a pergunta “Quem Consome e Como Consome Esta Produção?” deveria estar não apenas no horizonte de preocupações dos agentes produtores dos espetáculos, como também dos gestores culturais. Sem falar dos operadores de marketing das empresas patrocinadoras (que afinal decidem a aplicação no teatro da maior parte da grana dos governos).
E para quem será que estamos todos produzindo peças? Quando comecei a me relacionar com o teatro profissional (e lá se vão vinte e tantos anos) ouvia falar de um cálculo, não sei de quem, que estimava em duzentas mil o número de pessoas que frequentavam regularmente a salas de teatro. Um número vago que eu nunca soube se representava o público de teatro no país, ou apenas em uma dada região (Rio de Janeiro e/ou São Paulo, por exemplo). E um número que não diz nada, ainda mais quando olho pra ele agora, a essa distância de pelo menos duas décadas.
No Rio de Janeiro, no último mês de setembro, havia pelo menos 70 espetáculos de teatro profissional, para crianças e adultos, em cartaz na cidade. Não é um número muito exato porque quem o contou fui eu, pelos tijolinhos do jornal de domingo. No mês de agosto essa média, que eu também calculei (mas não tenho os números todos), parecia superar as 80 peças. Em outubro ainda não sei, porque o mês está na primeira quinzena e eu também ainda não acabei de contar.
Calculando que eu esteja razoavelmente certo e calculando umas 200 pessoas presentes por sessão e calculando apenas uma sessão para cada um desses 70 espetáculos, nesse único dia hipotético, 14 mil espectadores estão ou estiveram presentes às salas de teatro aqui no Rio. É uma conta fácil de fazer. E também não é preciso ser muito bom em matemática para calcular que, multiplicado pela quantidade de sessões possíveis em um mês, este número de freqüentadores irá facilmente superar os 200 mil dos meus 20 anos atrás.
Mas ainda é tudo muito vago. Quem são essas pessoas? A maioria é de mulheres ou de homens? Qual a idade deles (ou delas)? Todos assistem às mesmas peças, pagam os mesmos preços de ingressos, vão ao shopping e vão ao centro da cidade? Preferem artistas famosos, peças de vanguarda, assistem também à TV, vão por recomendação dos amigos, lêem as críticas aos espetáculos, são alfabetizados, vão sozinhos ou acompanhados? E quanto tempo um único sujeito levaria para assistir a todas as peças de teatro nesta nossa cidade? E se ele fosse só às que lhe interessam? E quanto gastaria nessa brincadeira?
Curioso como pouco sabemos sobre as nossas platéias de teatro. Ouvimos umas pessoas reclamando dos preços dos ingressos, ou somos nós mesmos que reclamamos das meias-entradas, das cortesias e tudo o mais, usamos expressões como “público de sábado” ou “público de estréia”, mas, além disso, o que mais sabemos nós a respeito dos hábitos de consumo, da condição social, dos interesses e desinteresses de quem nos assiste?
Atualmente temos sido cobrados, em nossos inúmeros projetos de espetáculos e nos editais de patrocínio de que participamos, a explicitar o “público alvo” das peças que pretendemos montar. Essa é uma expressão tirada do marketing ou da publicidade e, apesar de seu uso ter se tornado comum também para nós, artistas e produtores de teatro, duvido que saibamos fazer uma ligação mais ou menos precisa entre esta “formalidade” dos projetos e aquelas dezenas ou centenas de pessoas que, quase todas as noites e durante umas tantas temporadas, aplaudem ou rejeitam as nossas representações ao vivo.
Há quem reclame que o teatro esteja distante do mundo. Que o cinema e especialmente a TV estão muito mais sintonizados com suas platéias do que o teatro. Muito bem, pode ser. No entanto, nunca este mundo esteve tão responsável pela produção de teatro como hoje, quando, não apenas no Brasil, mas quase em todo o lugar, a manutenção dessa atividade é uma responsabilidade do estado, que a preserva ou cria mecanismos para a sua preservação, em condições similares às que estão colocadas para a preservação dos quadros e das estátuas nos museus.
Então, é justo e mais que justo é necessário, que se procure saber ao certo que platéias são essas e de que modo são atendidas. E se estão satisfeitas ou não, e se são os mesmos ou outros, esses que hoje assistem teatro e aqueles, por exemplo, do tempo dos antigos produtores, que bancavam espetáculos com o dinheiro do próprio bolso (houve esse tempo e já estava no fim quando eu ouvia falar da tal platéia de 200 mil).
Há lacunas ainda não preenchidas neste estudo, seja pela não incorporação de dados de pesquisas mais recentes, como eles mesmos nos advertem na introdução, seja pela falta de algumas pesquisas específicas para certos setores do tecido cultural brasileiro. Mas trata-se, sem dúvida, de um esforço louvável.
Dos dados ausentes no relatório, quero me deter à falta de números e tabulações a respeito do público freqüentador de teatro no Brasil. Há dados sobre consumidores de cinema, TV, jornal, rádio, freqüentadores de shows, jogadores de baralho, enfim, há um pouco de tudo no estudo. Mas sobre a parte dos consumidores de cultura que costumam ir ou vão de vez em quando assistir a peças de teatro não há referência específica.
Não estamos sozinhos, é verdade. Também não estão mencionados os freqüentadores de espetáculos de dança. Nem as platéias circenses ou as de rodeios. Bom, mas como já se disse aqui, há ainda lacunas a preencher.
Pego o exemplo da falta de dados sobre o público freqüentador de teatro como mote para algumas considerações. Até porque, neste mesmo estudo no MinC, na parte referente à produção (que está um pouco mais completa) as Artes Cênicas aparecem em primeiro lugar, abocanhando 20% dos investimentos públicos para no decênio 96-2006. À frente até do cinema! Embora também se advirta ali que os dados para o Audiovisual estão incompletos, porque são armazenados pela ANCINE a partir de 2003.
***
Se pudermos inferir que o teatro recebe a maior parte dos recursos destinados às Artes Cênicas e se considerarmos que a produção desta arte no Brasil, hoje, é praticamente toda financiada com dinheiro público, a pergunta “Quem Consome e Como Consome Esta Produção?” deveria estar não apenas no horizonte de preocupações dos agentes produtores dos espetáculos, como também dos gestores culturais. Sem falar dos operadores de marketing das empresas patrocinadoras (que afinal decidem a aplicação no teatro da maior parte da grana dos governos).
E para quem será que estamos todos produzindo peças? Quando comecei a me relacionar com o teatro profissional (e lá se vão vinte e tantos anos) ouvia falar de um cálculo, não sei de quem, que estimava em duzentas mil o número de pessoas que frequentavam regularmente a salas de teatro. Um número vago que eu nunca soube se representava o público de teatro no país, ou apenas em uma dada região (Rio de Janeiro e/ou São Paulo, por exemplo). E um número que não diz nada, ainda mais quando olho pra ele agora, a essa distância de pelo menos duas décadas.
No Rio de Janeiro, no último mês de setembro, havia pelo menos 70 espetáculos de teatro profissional, para crianças e adultos, em cartaz na cidade. Não é um número muito exato porque quem o contou fui eu, pelos tijolinhos do jornal de domingo. No mês de agosto essa média, que eu também calculei (mas não tenho os números todos), parecia superar as 80 peças. Em outubro ainda não sei, porque o mês está na primeira quinzena e eu também ainda não acabei de contar.
Calculando que eu esteja razoavelmente certo e calculando umas 200 pessoas presentes por sessão e calculando apenas uma sessão para cada um desses 70 espetáculos, nesse único dia hipotético, 14 mil espectadores estão ou estiveram presentes às salas de teatro aqui no Rio. É uma conta fácil de fazer. E também não é preciso ser muito bom em matemática para calcular que, multiplicado pela quantidade de sessões possíveis em um mês, este número de freqüentadores irá facilmente superar os 200 mil dos meus 20 anos atrás.
Mas ainda é tudo muito vago. Quem são essas pessoas? A maioria é de mulheres ou de homens? Qual a idade deles (ou delas)? Todos assistem às mesmas peças, pagam os mesmos preços de ingressos, vão ao shopping e vão ao centro da cidade? Preferem artistas famosos, peças de vanguarda, assistem também à TV, vão por recomendação dos amigos, lêem as críticas aos espetáculos, são alfabetizados, vão sozinhos ou acompanhados? E quanto tempo um único sujeito levaria para assistir a todas as peças de teatro nesta nossa cidade? E se ele fosse só às que lhe interessam? E quanto gastaria nessa brincadeira?
Curioso como pouco sabemos sobre as nossas platéias de teatro. Ouvimos umas pessoas reclamando dos preços dos ingressos, ou somos nós mesmos que reclamamos das meias-entradas, das cortesias e tudo o mais, usamos expressões como “público de sábado” ou “público de estréia”, mas, além disso, o que mais sabemos nós a respeito dos hábitos de consumo, da condição social, dos interesses e desinteresses de quem nos assiste?
Atualmente temos sido cobrados, em nossos inúmeros projetos de espetáculos e nos editais de patrocínio de que participamos, a explicitar o “público alvo” das peças que pretendemos montar. Essa é uma expressão tirada do marketing ou da publicidade e, apesar de seu uso ter se tornado comum também para nós, artistas e produtores de teatro, duvido que saibamos fazer uma ligação mais ou menos precisa entre esta “formalidade” dos projetos e aquelas dezenas ou centenas de pessoas que, quase todas as noites e durante umas tantas temporadas, aplaudem ou rejeitam as nossas representações ao vivo.
Há quem reclame que o teatro esteja distante do mundo. Que o cinema e especialmente a TV estão muito mais sintonizados com suas platéias do que o teatro. Muito bem, pode ser. No entanto, nunca este mundo esteve tão responsável pela produção de teatro como hoje, quando, não apenas no Brasil, mas quase em todo o lugar, a manutenção dessa atividade é uma responsabilidade do estado, que a preserva ou cria mecanismos para a sua preservação, em condições similares às que estão colocadas para a preservação dos quadros e das estátuas nos museus.
Então, é justo e mais que justo é necessário, que se procure saber ao certo que platéias são essas e de que modo são atendidas. E se estão satisfeitas ou não, e se são os mesmos ou outros, esses que hoje assistem teatro e aqueles, por exemplo, do tempo dos antigos produtores, que bancavam espetáculos com o dinheiro do próprio bolso (houve esse tempo e já estava no fim quando eu ouvia falar da tal platéia de 200 mil).
terça-feira, 12 de outubro de 2010
Comentário do Aderbal
Gil, suas reflexões são ótimas. Traduzem com perfeição o que de fato acontece. É preciso partir pra ação. E a hora é ótima. A primeira e principal ação é votar. Esses problemas se acumulam desde que a Lei foi criada, com suas incorreções causando cada vez mais distorções.
O ministério atual foi o primeiro a dizer que a lei precisava ser corrigida. Ainda não acertou inteiramente nas correções, mas tem mostrado o maior interesse em discutir e agir. Criou uma estrutura e uma equipe que opera em várias frentes da tão diversificada "cultura" e representou um avanço enorme em relação ao modo de ação das administrações anteriores, meras gerenciadoras de organismos caducos e balcões de atendimentos no varejo.
Eram tantos os problemas, tantos os erros acumulados, tanto o abandono, que mesmo com esse avanço enorme ainda não deu pra chegar ao fim do caminho. Mas é evidente uma marcha, uma caminhada, e meios (operacionais, sobretudo) para continuar indo em frente. O que é melhor agora? Votar pela continuação dessa caminhada, que já fez o principal, saindo da selva onde estavamos perdidos, e ver uma estrada que podemos percorrer juntos e alcançar dia a dia novas conquistas? Ou voltar atrás, já sabendo que tudo o que diz o Serra sobre cultura é que vai transformar em projeto nacional suas Viradas Culturais paulistas, isto é, outra vez eventos, cultura como biscoito Globo no sinal (farol, para os paulistas). Tô fora.
Hoje em que é moda falar mal de político (taxistas e jornalistas puxando o coro), não vamos nos enganar achando que esse debate é mais puro, "não estou aqui pra discutir política", "essas eleições são uma merda, são todos iguais". A solução começa no voto. O jornal O Globo, retrato da imprensa, que no dia da eleição estampa na primeira página uma manchete sensacionalista contra o governo que avançou assim na cultura e em todas as áreas (a matéria quer culpá-lo pela situação geral de abandono anterior a todas as suas ações), não vai ajudar a esclarecer nada. Onde eu puder, vou repetir que voto na Dilma, e que esse é meu primeiro passo para continuar trabalhando para melhorar a nossa praia - a praia da cultura - e o nosso mar brasileiro.
Aderbal
----- Original
O ministério atual foi o primeiro a dizer que a lei precisava ser corrigida. Ainda não acertou inteiramente nas correções, mas tem mostrado o maior interesse em discutir e agir. Criou uma estrutura e uma equipe que opera em várias frentes da tão diversificada "cultura" e representou um avanço enorme em relação ao modo de ação das administrações anteriores, meras gerenciadoras de organismos caducos e balcões de atendimentos no varejo.
Eram tantos os problemas, tantos os erros acumulados, tanto o abandono, que mesmo com esse avanço enorme ainda não deu pra chegar ao fim do caminho. Mas é evidente uma marcha, uma caminhada, e meios (operacionais, sobretudo) para continuar indo em frente. O que é melhor agora? Votar pela continuação dessa caminhada, que já fez o principal, saindo da selva onde estavamos perdidos, e ver uma estrada que podemos percorrer juntos e alcançar dia a dia novas conquistas? Ou voltar atrás, já sabendo que tudo o que diz o Serra sobre cultura é que vai transformar em projeto nacional suas Viradas Culturais paulistas, isto é, outra vez eventos, cultura como biscoito Globo no sinal (farol, para os paulistas). Tô fora.
Hoje em que é moda falar mal de político (taxistas e jornalistas puxando o coro), não vamos nos enganar achando que esse debate é mais puro, "não estou aqui pra discutir política", "essas eleições são uma merda, são todos iguais". A solução começa no voto. O jornal O Globo, retrato da imprensa, que no dia da eleição estampa na primeira página uma manchete sensacionalista contra o governo que avançou assim na cultura e em todas as áreas (a matéria quer culpá-lo pela situação geral de abandono anterior a todas as suas ações), não vai ajudar a esclarecer nada. Onde eu puder, vou repetir que voto na Dilma, e que esse é meu primeiro passo para continuar trabalhando para melhorar a nossa praia - a praia da cultura - e o nosso mar brasileiro.
Aderbal
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domingo, 3 de outubro de 2010
Projetos
A fila de projetos de teatro na Lei Rouanet é enorme.
Mesmo com a informatização do processo, os projetos demoram mais de 60 dias entre a apresentação ao MinC e o momento em que são enviados para a publicação no Diário Oficial. É a publicação no DO que autoriza começar o processo de captação.
A maioria esmagadora dos projetos que chegam a ser publicados no DO não consegue patrocínio. E a minoria das peças aprovadas pela Rouanet e que chega a ser efetivamente patrocinada, é produzida no eixo Rio-São Paulo.
Quase todas as peças que chegam a ser patrocinadas por uma empresa, utilizando a Lei Rouanet, têm pelo menos um artista famoso no seu elenco ou ficha técnica. Isso se dá porque se dá porque as empresas, que escolhem para quem destinar o seu patrocínio, levam em conta a repercussão do projeto que levará sua marca. A repercussão do projeto se mede pelo tamanho da fama dos artistas envolvidos.
No entanto, engana-se quem acha que esta filosofia atrapalha apenas a grande massa dos artistas brasileiros que não aparecem na televisão e que, portanto, estão longe de se tornarem uma celebridade. Na verdade, há dezenas ou centenas de projetos de atores famosos na fila das empresas que patrocinam o teatro. E uma grande parte deles também não vai receber um tostão de patrocínio.
Nada a ver com a qualidade desses projetos. Como disse, as empresas não estão interessadas (nem estão capacitadas para isso) em julgar o mérito deste ou daquele projeto de teatro. O que vale é a sua consagração. Vivemos em meio à indústria indiscriminada da fama. Qualquer um pode ficar (e há quem fique) muitíssimo famoso de uma hora para outra. E todos sabemos que esse fenômeno não tem nada a ver com o talento ou a importância do trabalho desenvolvido por essa ou aquela pessoa. Desse modo, um ator com quarenta anos de carreira no teatro e inúmeras novelas e filmes, pode ser ofuscado pela estrela da moda tanto quanto um novato recém-saído da CAL.
O fato é que as empresas não estão interessadas nos nossos currículos, mas no nosso presente como estrelas da moda. Então, se a estrela da moda estiver metida em um projeto porcaria ou num projeto bom, isso não é da conta do patrocinador. Ele utilizará das prerrogativas legais para jogar o suado dinheirinho público neste projeto porque este projeto é que projetará sua marca como convém. Dane-se a peça. Dane-se igualmente o público que irá (ou não irá) assistir à peça. A repercussão de um anúncio na tevê, nas colunas dos jornais, nos outdoors e em outros meios de difusão e propaganda, alcançará mais gente do que a capacidade de qualquer teatro em receber espectadores.
***
Tanto quanto das estrelas da moda, somos todos igualmente vítimas, nessa questão entre a Lei a Rouanet e o teatro, dos arranjos por baixo do pano, que beneficiam projetos onde rolam caixinhas e favorecimentos. E isto é o que há de pior.
As estrelas da moda, pelo menos, ficam expostas pela própria mídia que as favorece e seus projetos podem ser medidos e julgados por toda a gente. Já os projetos onde rolam caixinhas e favorecimentos de todo tipo, contra esses pouco se pode fazer. Sabe-se de peças que estréiam para ficar um mês ou dois e logo em seguida seus produtores as tiram de cartaz, para produzir outras que terão o mesmo fim e assim sucessivamente durante várias temporadas. Ora, esses produtores sempre poderão alegar que não houve público que justificasse a sua permanência em cartaz, como de fato acontece também aos bem intencionados. Mas separar alhos de bugalhos não está entre as funções dos pareceristas do MinC. E de quem estará?
Mesmo com a informatização do processo, os projetos demoram mais de 60 dias entre a apresentação ao MinC e o momento em que são enviados para a publicação no Diário Oficial. É a publicação no DO que autoriza começar o processo de captação.
A maioria esmagadora dos projetos que chegam a ser publicados no DO não consegue patrocínio. E a minoria das peças aprovadas pela Rouanet e que chega a ser efetivamente patrocinada, é produzida no eixo Rio-São Paulo.
Quase todas as peças que chegam a ser patrocinadas por uma empresa, utilizando a Lei Rouanet, têm pelo menos um artista famoso no seu elenco ou ficha técnica. Isso se dá porque se dá porque as empresas, que escolhem para quem destinar o seu patrocínio, levam em conta a repercussão do projeto que levará sua marca. A repercussão do projeto se mede pelo tamanho da fama dos artistas envolvidos.
No entanto, engana-se quem acha que esta filosofia atrapalha apenas a grande massa dos artistas brasileiros que não aparecem na televisão e que, portanto, estão longe de se tornarem uma celebridade. Na verdade, há dezenas ou centenas de projetos de atores famosos na fila das empresas que patrocinam o teatro. E uma grande parte deles também não vai receber um tostão de patrocínio.
Nada a ver com a qualidade desses projetos. Como disse, as empresas não estão interessadas (nem estão capacitadas para isso) em julgar o mérito deste ou daquele projeto de teatro. O que vale é a sua consagração. Vivemos em meio à indústria indiscriminada da fama. Qualquer um pode ficar (e há quem fique) muitíssimo famoso de uma hora para outra. E todos sabemos que esse fenômeno não tem nada a ver com o talento ou a importância do trabalho desenvolvido por essa ou aquela pessoa. Desse modo, um ator com quarenta anos de carreira no teatro e inúmeras novelas e filmes, pode ser ofuscado pela estrela da moda tanto quanto um novato recém-saído da CAL.
O fato é que as empresas não estão interessadas nos nossos currículos, mas no nosso presente como estrelas da moda. Então, se a estrela da moda estiver metida em um projeto porcaria ou num projeto bom, isso não é da conta do patrocinador. Ele utilizará das prerrogativas legais para jogar o suado dinheirinho público neste projeto porque este projeto é que projetará sua marca como convém. Dane-se a peça. Dane-se igualmente o público que irá (ou não irá) assistir à peça. A repercussão de um anúncio na tevê, nas colunas dos jornais, nos outdoors e em outros meios de difusão e propaganda, alcançará mais gente do que a capacidade de qualquer teatro em receber espectadores.
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Tanto quanto das estrelas da moda, somos todos igualmente vítimas, nessa questão entre a Lei a Rouanet e o teatro, dos arranjos por baixo do pano, que beneficiam projetos onde rolam caixinhas e favorecimentos. E isto é o que há de pior.
As estrelas da moda, pelo menos, ficam expostas pela própria mídia que as favorece e seus projetos podem ser medidos e julgados por toda a gente. Já os projetos onde rolam caixinhas e favorecimentos de todo tipo, contra esses pouco se pode fazer. Sabe-se de peças que estréiam para ficar um mês ou dois e logo em seguida seus produtores as tiram de cartaz, para produzir outras que terão o mesmo fim e assim sucessivamente durante várias temporadas. Ora, esses produtores sempre poderão alegar que não houve público que justificasse a sua permanência em cartaz, como de fato acontece também aos bem intencionados. Mas separar alhos de bugalhos não está entre as funções dos pareceristas do MinC. E de quem estará?
domingo, 26 de setembro de 2010
Editais
Umas poucas palavras especificamente sobre a questão dos editais de patrocínio. Se o governo (falo genericamente e incluo o federal, os estaduais e os municipais neste bolo) não descarregar um caminhão de dinheiro, e dos grandes, a situação de quem depende dos editais para conseguir realizar os seus espetáculos só tende a piorar. Os editais foram inventados ou instituídos ou incrementados, sob o pretexto de democratizar a aplicação dos recursos públicos. A maior parte do dinheiro dos patrocínios para o teatro sai através da aplicação direta das Leis de Incentivo. Sabe-se que uma meia dúzia de agentes de empresas, captadores de recursos profissionais, produtores bem relacionados e seus prepostos, concentram a maior parte desse dinheiro. Os editais seriam uma forma de dar uma maior transparência ao processo de concessão dos patrocínios e estabelecer regras que colocassem os interessados em maior igualdade de condições.
Pura ilusão. Porque há mais projetos do que dinheiro para realizá-los. Como a verba dos editais (em geral) é muito menor do que o que se consegue diretamente utilizando as Leis de Incentivo, e como são muito poucos os projetos contemplados (recentemente o MinC selecionou para montagem pelo Myriam Muniz apenas 4 projetos do Rio de Janeiro e 5 em São Paulo) e como além disso, a maioria dos projetos que concorrem a esses editais não têm a menor chance de obter patrocínio diretamente com a utilização das Leis de Incentivo (em especial a Rouanet), o montante de interessados não para de crescer. São muitos projetos novos a cada ano. E, além deles, os projetos que não conseguiram aprovação no ano passado, ou nos outros anteriores, continuam lá esperando a sua vez, e continuarão ainda por muito tempo.
Parece que os técnicos que elaboram os editais acreditam que os projetos que participam desse tipo de concorrência pública são realizados por artistas mais baratos que aqueles que concorrem à Rouanet. O que é outra ilusão. As fichas técnicas dos projetos podem ser as mesmas, em quaisquer dos casos. Apenas, aqui se promete pagar menos, se fará um cenário que custe menos, se colocará menos anúncios no jornal, porque justamente nos oferecem menos recursos para trabalhar. Nada, além disso. Por outro lado, também não faz sentido que um grupo de teatro em Aracaju e outro em São Paulo concorram ao mesmo valor de patrocínio para projetos parecidos. A verba de que o projeto de São Paulo necessita talvez pague dois projetos iguais em Aracaju.
Os editais também não garantem a suposta transparência no processo de aprovação dos projetos de teatro. As comissões que julgam os espetáculos a serem montados são quase sempre mantidas em segredo dos concorrentes. E por quê? Se os critérios de seleção são divulgados, se os projetos pertencem a artistas conhecidos (ou desconhecidos, mas que serão julgados em “igualdade de condições”) por que então os jurados não podem declarar publicamente o seu voto ou veto a esta ou aquela proposta? Não é preferível ter questionada a opinião deste ou daquele membro do júri ou a sua própria indicação como “notável” (este é o nome que lhes dá) do que ver todo o processo de seleção sob suspeita, como algumas vezes acontece?
E, por último (mas não por fim, retomaremos o assunto mais tarde) nas regras dos editais é onde mais se encontram cláusulas exigindo o menor preço possível de ingressos (com a maior quantidade possível de meias-entradas) e toda a espécie de ações de produção a que se convencionou chamar “contrapartidas sociais”. Que incluem espetáculos gratuitos, distribuição de ingressos, e, até mesmo (passei por isso recentemente) a doação de parte da bilheteria ou de sua totalidade para instituições de caridade. Aqui se vê bem presente a ilusão ou o preconceito que faz considerar as produções e artistas que se candidatam aos editais como “menores” que os outros e, portanto, mais baratos. Aqui também está bem clara a idéia generalizada de que o teatro se restringe à produção do espetáculo e sua exibição em uma pequena temporada. Pode ser também que os técnicos considerem a concessão do patrocínio um favor que se faz aos artistas.
Experimentem fazer essa conta. Coloquem cinqüenta mil reais em uma produção de teatro que ensaie sua peça durante dois meses. Depois, tentem manter viva essa mesma produção em um teatro de duzentos ou trezentos lugares a um preço médio de oito, nove reais, sem mais nenhum centavo de patrocínio. Quantas sessões essa peça terá que fazer por mês para manter o seu nível de produção? É um exercício de lógica, mas bem poderá ser real. Aqueles que tiverem uma resposta a essa questão e que sobreviverem apesar dela, esses merecem aprovação nos editais.
Pura ilusão. Porque há mais projetos do que dinheiro para realizá-los. Como a verba dos editais (em geral) é muito menor do que o que se consegue diretamente utilizando as Leis de Incentivo, e como são muito poucos os projetos contemplados (recentemente o MinC selecionou para montagem pelo Myriam Muniz apenas 4 projetos do Rio de Janeiro e 5 em São Paulo) e como além disso, a maioria dos projetos que concorrem a esses editais não têm a menor chance de obter patrocínio diretamente com a utilização das Leis de Incentivo (em especial a Rouanet), o montante de interessados não para de crescer. São muitos projetos novos a cada ano. E, além deles, os projetos que não conseguiram aprovação no ano passado, ou nos outros anteriores, continuam lá esperando a sua vez, e continuarão ainda por muito tempo.
Parece que os técnicos que elaboram os editais acreditam que os projetos que participam desse tipo de concorrência pública são realizados por artistas mais baratos que aqueles que concorrem à Rouanet. O que é outra ilusão. As fichas técnicas dos projetos podem ser as mesmas, em quaisquer dos casos. Apenas, aqui se promete pagar menos, se fará um cenário que custe menos, se colocará menos anúncios no jornal, porque justamente nos oferecem menos recursos para trabalhar. Nada, além disso. Por outro lado, também não faz sentido que um grupo de teatro em Aracaju e outro em São Paulo concorram ao mesmo valor de patrocínio para projetos parecidos. A verba de que o projeto de São Paulo necessita talvez pague dois projetos iguais em Aracaju.
Os editais também não garantem a suposta transparência no processo de aprovação dos projetos de teatro. As comissões que julgam os espetáculos a serem montados são quase sempre mantidas em segredo dos concorrentes. E por quê? Se os critérios de seleção são divulgados, se os projetos pertencem a artistas conhecidos (ou desconhecidos, mas que serão julgados em “igualdade de condições”) por que então os jurados não podem declarar publicamente o seu voto ou veto a esta ou aquela proposta? Não é preferível ter questionada a opinião deste ou daquele membro do júri ou a sua própria indicação como “notável” (este é o nome que lhes dá) do que ver todo o processo de seleção sob suspeita, como algumas vezes acontece?
E, por último (mas não por fim, retomaremos o assunto mais tarde) nas regras dos editais é onde mais se encontram cláusulas exigindo o menor preço possível de ingressos (com a maior quantidade possível de meias-entradas) e toda a espécie de ações de produção a que se convencionou chamar “contrapartidas sociais”. Que incluem espetáculos gratuitos, distribuição de ingressos, e, até mesmo (passei por isso recentemente) a doação de parte da bilheteria ou de sua totalidade para instituições de caridade. Aqui se vê bem presente a ilusão ou o preconceito que faz considerar as produções e artistas que se candidatam aos editais como “menores” que os outros e, portanto, mais baratos. Aqui também está bem clara a idéia generalizada de que o teatro se restringe à produção do espetáculo e sua exibição em uma pequena temporada. Pode ser também que os técnicos considerem a concessão do patrocínio um favor que se faz aos artistas.
Experimentem fazer essa conta. Coloquem cinqüenta mil reais em uma produção de teatro que ensaie sua peça durante dois meses. Depois, tentem manter viva essa mesma produção em um teatro de duzentos ou trezentos lugares a um preço médio de oito, nove reais, sem mais nenhum centavo de patrocínio. Quantas sessões essa peça terá que fazer por mês para manter o seu nível de produção? É um exercício de lógica, mas bem poderá ser real. Aqueles que tiverem uma resposta a essa questão e que sobreviverem apesar dela, esses merecem aprovação nos editais.
segunda-feira, 20 de setembro de 2010
Leis e patrocínio
Quase todo o dinheiro que produz teatro hoje, no Brasil, vem das Leis de Incentivo Fiscal. A Lei Rouanet, do governo federal, é a principal delas, mas existem muitas assemelhadas estaduais e municipais por aí. Todos sabemos como funcionam. Os governos disponibilizam parte da grana devida de impostos de empresas interessadas que, em troca, aparecem nos materiais de divulgação dos espetáculos como patrocinadoras do evento.
São as empresas que decidem que espetáculos devem patrocinar e por quanto. Em geral os governos se limitam a balizar o processo burocrático e a controlar a forma, o tamanho e o local para a exibição de suas logomarcas.
A Lei Rouanet descarrega a maior parte dos recursos federais em espetáculos produzidos no Rio de Janeiro e em São Paulo. Como está a cargo das empresas a decisão sobre o que e a quem patrocinar, e como o interesse da maioria delas é pela divulgação das suas marcas e produtos, elas priorizam espetáculos e eventos com maior potencial de mídia. Desse modo, a maior parte do dinheiro público vai para produzir peças capitaneadas por estrelas da televisão.
Para minimizar os efeitos dessa concentração de renda, algumas empresas e o MinC criaram editais, para os quais podem concorrer espetáculos feitos por artistas comuns e em regiões do país fora do eixo principal de produção. Mas, como o montante distribuído através dos editais é muito inferior aos recursos obtidos diretamente pelos produtores a que me refeiro acima e como esses mesmos produtores também se candidatam aos editais, o governo cogita fazer mudanças na própria Lei. Para o governo, é preciso flexibilizar a Rouanet (e as outras Leis de Incentivo seguiriam este mesmo caminho) como forma de combater a "ganância" de meia dúzia de produtores de teatro no Brasil.
Com a Lei Rouanet, os editais e as demais Leis de Incentivo Fiscal, o teatro brasileiro passou a receber verbas de produção numa quantidade sem precedentes na sua história. Atraídas pela dedução de impostos, as empresas tradicionais de apoio ao teatro puderam multiplicar o volume dos seus recursos de patrocínio e muitas outras empresas acabaram sendo atraídas para este mercado. Esse aporte de verba e sua subsequente concentração provocou um paulatino encarecimento nos orçamentos dos espetáculos. Todo mundo quer tirar sua lasca na grana que aparentemente abunda (obs: o dinheiro ainda é pouco, a impressão de abundância é uma ilusão derivada da concentração de renda). Produtores e agenciadores, artistas, prepostos das empresas (que em muitos casos cobram "comissões" pelo patrocínio), técnicos, fornecedores, agentes de mídia, etc., todos contribuímos para o encarecimento das montagens. Mesmo com a economina estabilizada e a inflação sob controle como na Europa, os orçamentos das peças de teatro no Brasil não cansam de aumentar.
Aqui alguns atores e técnicos poderão se queixar de que continuam ganhando pouco pelo seu trabalho. Meu conselho: consultem os Diários Oficiais onde estão publicadas as aspirações a patrocínio dos seus empregadores. Os orçamentos médios já saíram da casa dos 350 para os 450 mil. Há monólogos com pretenções a patrocínio acima do meio milhão de reais.
O fenômeno curioso é que os governos, que liberam as verbas de produção, querem, como contrapartida (e de modo justo, a meu ver) limitar o preço dos ingressos como forma de ampliar o acesso aos espetáculos para pessoas das mais diversas camadas sociais. Já que o dinheiro é público, que venha o público. Assim, vemos abundar (agora sem ilusão) ações de estímulo ao barateamento dos ingressos, com a crescente ampliação do benefício das meias-entradas e a criação das chamadas "Contrapartidas Sociais". O resultado? A conta não fecha.
A manutenção em cartaz de um espetáculo ao preço dos nossos novos espetáculos públicos (mantendo os ganhos do período de produção para os principais nomes da ficha técnica) e com o valor médio do ingresso cobrado atualmente é tudo, menos possível. A primeira saída, engordar os orçamentos com um adicional para o tempo em cartaz, aumenta a conta do governo até um nível que, pelo menos por enquanto, não pode ser alcançado. A outra saída é o monstro com o qual temos que aprender a lidar: é produzir espetáculos para temporadas cada vez mais curtas, enterrá-los, e correr atrás de um novo patrocínio de produção. Assim é que se explica que, numa cidade como o Rio de Janeiro, a cada três ou quatro meses, vejamos substituidas praticamente TODAS as quase 90 peças de teatro em cartaz por semana (incluindo as infantis e infanto-juvenis). Por aí também fica mais fácil entender porque os elencos dessas mesmas peças estão cada vez menores.
O fenômeno perpassa toda a produção. Atinge famosos, não famosos, ricos e pobres, semi-amadores e profissionais (cada um dentro dos seus limites de orçamento). E só faz aumentar a concentração de renda, porque quem tem acesso à fonte tem cada vez mais sede (e aqui o governo entende essa luta pela sobrevivência como "ganância" - mas onde não há política, vale a lei do mais forte).
A meu ver, o esforço principal que precisa ser feito diz respeito a ampliar a possibilidade de vida útil dos espetáculos patrocinados. É muito trabalho, muito ensaio e muito esforço para conseguir abrir a lojinha, seja como dono, seja como ajudante de caixa. Lojinha que ianuguramos com a maior festa e em seguida fechamos como se não tivesse existido. Para inaugurar uma outra na esquina ali da frente (agora quem é o gerente e quem é o empregado?) e que sabemos que também vai falir na semana que vem. Que outro maluco faz isso?
São as empresas que decidem que espetáculos devem patrocinar e por quanto. Em geral os governos se limitam a balizar o processo burocrático e a controlar a forma, o tamanho e o local para a exibição de suas logomarcas.
A Lei Rouanet descarrega a maior parte dos recursos federais em espetáculos produzidos no Rio de Janeiro e em São Paulo. Como está a cargo das empresas a decisão sobre o que e a quem patrocinar, e como o interesse da maioria delas é pela divulgação das suas marcas e produtos, elas priorizam espetáculos e eventos com maior potencial de mídia. Desse modo, a maior parte do dinheiro público vai para produzir peças capitaneadas por estrelas da televisão.
Para minimizar os efeitos dessa concentração de renda, algumas empresas e o MinC criaram editais, para os quais podem concorrer espetáculos feitos por artistas comuns e em regiões do país fora do eixo principal de produção. Mas, como o montante distribuído através dos editais é muito inferior aos recursos obtidos diretamente pelos produtores a que me refeiro acima e como esses mesmos produtores também se candidatam aos editais, o governo cogita fazer mudanças na própria Lei. Para o governo, é preciso flexibilizar a Rouanet (e as outras Leis de Incentivo seguiriam este mesmo caminho) como forma de combater a "ganância" de meia dúzia de produtores de teatro no Brasil.
Com a Lei Rouanet, os editais e as demais Leis de Incentivo Fiscal, o teatro brasileiro passou a receber verbas de produção numa quantidade sem precedentes na sua história. Atraídas pela dedução de impostos, as empresas tradicionais de apoio ao teatro puderam multiplicar o volume dos seus recursos de patrocínio e muitas outras empresas acabaram sendo atraídas para este mercado. Esse aporte de verba e sua subsequente concentração provocou um paulatino encarecimento nos orçamentos dos espetáculos. Todo mundo quer tirar sua lasca na grana que aparentemente abunda (obs: o dinheiro ainda é pouco, a impressão de abundância é uma ilusão derivada da concentração de renda). Produtores e agenciadores, artistas, prepostos das empresas (que em muitos casos cobram "comissões" pelo patrocínio), técnicos, fornecedores, agentes de mídia, etc., todos contribuímos para o encarecimento das montagens. Mesmo com a economina estabilizada e a inflação sob controle como na Europa, os orçamentos das peças de teatro no Brasil não cansam de aumentar.
Aqui alguns atores e técnicos poderão se queixar de que continuam ganhando pouco pelo seu trabalho. Meu conselho: consultem os Diários Oficiais onde estão publicadas as aspirações a patrocínio dos seus empregadores. Os orçamentos médios já saíram da casa dos 350 para os 450 mil. Há monólogos com pretenções a patrocínio acima do meio milhão de reais.
O fenômeno curioso é que os governos, que liberam as verbas de produção, querem, como contrapartida (e de modo justo, a meu ver) limitar o preço dos ingressos como forma de ampliar o acesso aos espetáculos para pessoas das mais diversas camadas sociais. Já que o dinheiro é público, que venha o público. Assim, vemos abundar (agora sem ilusão) ações de estímulo ao barateamento dos ingressos, com a crescente ampliação do benefício das meias-entradas e a criação das chamadas "Contrapartidas Sociais". O resultado? A conta não fecha.
A manutenção em cartaz de um espetáculo ao preço dos nossos novos espetáculos públicos (mantendo os ganhos do período de produção para os principais nomes da ficha técnica) e com o valor médio do ingresso cobrado atualmente é tudo, menos possível. A primeira saída, engordar os orçamentos com um adicional para o tempo em cartaz, aumenta a conta do governo até um nível que, pelo menos por enquanto, não pode ser alcançado. A outra saída é o monstro com o qual temos que aprender a lidar: é produzir espetáculos para temporadas cada vez mais curtas, enterrá-los, e correr atrás de um novo patrocínio de produção. Assim é que se explica que, numa cidade como o Rio de Janeiro, a cada três ou quatro meses, vejamos substituidas praticamente TODAS as quase 90 peças de teatro em cartaz por semana (incluindo as infantis e infanto-juvenis). Por aí também fica mais fácil entender porque os elencos dessas mesmas peças estão cada vez menores.
O fenômeno perpassa toda a produção. Atinge famosos, não famosos, ricos e pobres, semi-amadores e profissionais (cada um dentro dos seus limites de orçamento). E só faz aumentar a concentração de renda, porque quem tem acesso à fonte tem cada vez mais sede (e aqui o governo entende essa luta pela sobrevivência como "ganância" - mas onde não há política, vale a lei do mais forte).
A meu ver, o esforço principal que precisa ser feito diz respeito a ampliar a possibilidade de vida útil dos espetáculos patrocinados. É muito trabalho, muito ensaio e muito esforço para conseguir abrir a lojinha, seja como dono, seja como ajudante de caixa. Lojinha que ianuguramos com a maior festa e em seguida fechamos como se não tivesse existido. Para inaugurar uma outra na esquina ali da frente (agora quem é o gerente e quem é o empregado?) e que sabemos que também vai falir na semana que vem. Que outro maluco faz isso?
segunda-feira, 13 de setembro de 2010
Foi-se o Jornal do Brasil.
Ainda tem um Jornal do Brasil on Line, está certo. Mas o JB que a gente comprava na banca (quer dizer, a gente não, eu já não comprava há tempos, mas alguns amigos meus ainda sim) este se foi. Ficamos com uma cidade de 12 milhões de habitantes e 1 único jornal de opinião.
Quando cheguei ao Rio, eu tinha 18 para 19 anos e o Jornal do Brasil mandava na inteligência carioca. Não tinha pra ninguém. E isso durou até os anos 80, começo dos 90, por aí.
O Macksen Luiz era O crítico de teatro da cidade. Era o que hoje a Bárbara é. Não tanto, porque a Bárbara é Globo e nada nem ninguém nem coisa alguma, nesse ou noutro Universo, pode o que pode a Globo. Mas antigamente, ele e o jornal dele faziam e aconteciam.
Era ruim, ou pelo menos eu achava ruim a crítica de teatro do Macksen. Ou nem ruim, nem boa, mas incompreensível. Com 18, 19 anos, acostumado pelos bons professores de Além Paraíba a ler e escrever cré com lé, eu nunca entendi porque aquele sujeito que não conseguia construir um parágrafo ou pelo menos uma frase que fizesse sentido, pudesse ser considerado O crítico do teatro carioca. Hoje entendo um pouco o fenômeno.
Em parte, entendendo o teatro se entende como se dá trela aos críticos do teatro. E, em parte, também entendendo a imprensa, a força da imprensa, o poder da imprensa. Ele era O crítico, principalmente porque escrevia para O jornal. Como hoje a Bárbara, como eu amanhã, como qualquer um de nós que trabalhar para quem manda. A serviço de quem manda, mandamos também, fazemos e acontecemos também.
Eis que um dia o Macksen chegou e foi por um tempo Editor do Caderno B (o caderno de Cultura do Jornal do Brasil) e eis que, depois de depois, o jornal dele acabou.
Para controlar a imprensa, e os males que a imprensa descontrolada pode causar (qualquer poder ilimitado é mau) só mesmo a própria imprensa. Nós, os governos, a OAB, Deus, ninguém pode com a imprensa. O combalido Jornal do Brasil era, pelo menos, uma simbólica piece de resistence que agora afundou. Ficou o outro, singrando absoluto pelo meio do Rio. Que desastre fechar assim o Brasil, ainda que pequeno, frágil e doente. Agora, os que não gostarem da Globo, escrevem cartas pra quem?
Ainda tem um Jornal do Brasil on Line, está certo. Mas o JB que a gente comprava na banca (quer dizer, a gente não, eu já não comprava há tempos, mas alguns amigos meus ainda sim) este se foi. Ficamos com uma cidade de 12 milhões de habitantes e 1 único jornal de opinião.
Quando cheguei ao Rio, eu tinha 18 para 19 anos e o Jornal do Brasil mandava na inteligência carioca. Não tinha pra ninguém. E isso durou até os anos 80, começo dos 90, por aí.
O Macksen Luiz era O crítico de teatro da cidade. Era o que hoje a Bárbara é. Não tanto, porque a Bárbara é Globo e nada nem ninguém nem coisa alguma, nesse ou noutro Universo, pode o que pode a Globo. Mas antigamente, ele e o jornal dele faziam e aconteciam.
Era ruim, ou pelo menos eu achava ruim a crítica de teatro do Macksen. Ou nem ruim, nem boa, mas incompreensível. Com 18, 19 anos, acostumado pelos bons professores de Além Paraíba a ler e escrever cré com lé, eu nunca entendi porque aquele sujeito que não conseguia construir um parágrafo ou pelo menos uma frase que fizesse sentido, pudesse ser considerado O crítico do teatro carioca. Hoje entendo um pouco o fenômeno.
Em parte, entendendo o teatro se entende como se dá trela aos críticos do teatro. E, em parte, também entendendo a imprensa, a força da imprensa, o poder da imprensa. Ele era O crítico, principalmente porque escrevia para O jornal. Como hoje a Bárbara, como eu amanhã, como qualquer um de nós que trabalhar para quem manda. A serviço de quem manda, mandamos também, fazemos e acontecemos também.
Eis que um dia o Macksen chegou e foi por um tempo Editor do Caderno B (o caderno de Cultura do Jornal do Brasil) e eis que, depois de depois, o jornal dele acabou.
Para controlar a imprensa, e os males que a imprensa descontrolada pode causar (qualquer poder ilimitado é mau) só mesmo a própria imprensa. Nós, os governos, a OAB, Deus, ninguém pode com a imprensa. O combalido Jornal do Brasil era, pelo menos, uma simbólica piece de resistence que agora afundou. Ficou o outro, singrando absoluto pelo meio do Rio. Que desastre fechar assim o Brasil, ainda que pequeno, frágil e doente. Agora, os que não gostarem da Globo, escrevem cartas pra quem?
quinta-feira, 29 de julho de 2010
Primeria Postagem
Muito bem, com o tempo vamos nos conhecendo e começando a conversar. São vários assuntos, mas o foco principal será Teatro (e congêneres) e cidadania. Aguradem...
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