domingo, 31 de outubro de 2010

Ilações e números

De uns anos pra cá comecei a me interessar pelos números dos borderôs das minhas peças e, também, por outros números relacionados ao teatro ou à produção de teatro. Hoje, me arrependo de não ter começado antes com essa minha mania. Poderia saber mais coisas sobre o teatro de hoje se soubesse com mais exatidão como ele era feito há vinte anos atrás. Guardo memórias, é claro. Mas os números, nem que fossem apenas os meus e os dos meus amigos mais próximos, me fazem falta.


Porque faz falta saber com um pouco mais de exatidão de onde viemos e como chegamos ao estado de coisas que vivemos hoje. Podemos estar repetindo experiências inúteis. Também podemos não ter enxergado, em algum lugar do passado recente, algum caminho (se é que existiu) mais adequado a seguir do que este que trilhamos hoje.

Em pouco menos de 20 anos deixamos a era dos produtores para viver a realidade da subvenção pública. De um punhado de agentes endividados, agora somos muitos e reclamamos do governo.

Como se deu essa mudança de sistema? Quais as suas causas e o que isto aponta para o futuro do teatro no Brasil? Pesquisar a história recente do teatro pode ser importante para compreender o que se passa hoje com o nosso mecanismo de produção. Mas, se em nosso país, mal sabemos da história antiga e que já está nos livros...

Tenho seguido a produção de teatro no Rio pelos tijolinhos do jornal de domingo. É um expediente amador e impreciso, mas projeta um cenário um pouco mais real do que pura e simplesmente elucubrar.

Nas últimas 11 semanas estrearam em média (entre sexta e domingo) cerca de 5 espetáculos de teatro profissional adulto nessa cidade. Para um ano de 10 meses (vou ignorar no meu cientificismo amador o fim do ano e o carnaval) com meses de 4 semanas cada um (danem-se igualmente os meses de 5 semanas) estimo que estreamos pelo menos 200 espetáculos em 2010. Usando essas mesmas 11 semanas como referência e sabendo que a média desses espetáculos por final de semana está em torno de 40 (na verdade 43) peças em cartaz, temos que a temporada carioca se renovou 5 vezes ao longo deste mesmo ano. Ou seja, cada peça ficou em cartaz até 4 semanas no máximo, isto é, durante no máximo 2 meses (números médios, é claro, deve haver algum sucesso de anos em cartaz – qual?).

Não sei se a matemática ou a arte da estatística me autorizam a fazer o tipo de projeção que eu fiz. Também não sou capaz de afirmar que 200 novos espetáculos por ano seja um número alto ou baixo demais para uma cidade do tamanho do Rio de Janeiro (e como será este fenômeno em São Paulo? E Curitiba?). Mas penso que, se não é a verdade que as peças ficam 2 meses em cartaz, a verdade deve ser alguma coisa perto desta mentira. Mentira que nos leva a novas ilações e questões. Pois vamos lá.

Que espetáculo mantém o seu nível de investimento público (porque vivemos de dinheiro público) nas oito semanas de vida que lhes damos? Talvez um peça que cobre um ingresso de 100 ou 200 reais. Mas esta peça não existe. Ora, se os governos investem a fundo perdido no teatro (justa medida, é o papel dos governos, não se discute) que ações estamos adotando para esticar a vida útil dos nossos espetáculos e garantir a sobrevivência de seus artistas e técnicos ao longo dos meses do ano quando não estaremos em cartaz? Ora, sempre poderemos trabalhar em outras peças ao longo do período, com tal rotatividade de espetáculos. Será? É isto o que acontece atualmente? Trocamos de peça como quem troca de camisa – está fácil assim? E quantos espetáculos, dessas 200 estréias, contam com mais de 5 atores no seu elenco? Ora, sempre poderemos ir trabalhar na televisão – já que somos muitos, estamos desempregados e ganhamos pouco e a televisão pode suportar uma parte dessa mão-de-obra. Mas aí estaremos resolvendo um problema da televisão. E o nosso, quem resolverá?

Isso para não falar do público, do repertório, da crítica... Na semana passada tratei aqui de um espectador hipotético que tentasse assistir a todos os espetáculos em cartaz no Rio de Janeiro. Muito bem, agora sabemos (ou achamos que sabemos) que esse hipotético cidadão, adulto e que só vai ao teatro entre quinta e domingo, tem 200 peças novas para assistir ao longo de uma temporada. A 10 pratas o ingresso (ele paga meia!) nosso amigo precisa desembolsar 2 mil reais para ver todas elas. Se tiver o dinheiro (o abençoado cidadão – de classe média!) também precisará ser dois. Com 5 estréias por semana, ele vai ter que assistir a pelo menos duas peças num mesmo dia e num mesmo horário para cumprir a missão que lhe dei. O que leva a crer que, se há público para todas essas peças, é porque não há mesmo apenas um público para o teatro carioca, mas vários. O que também sugere que nenhum crítico é capaz de assistir a todas as peças que precisa criticar durante o ano.

Agora chega um pouco de números. Na semana que vem falaremos de outra coisa. Mas em tempo – os editais pululam. E o MinC acabou de lançar um que injeta 10 milhões e 800 mil para produções de teatro, dança e circo. Há faixas de 100, 150 e 200 mil reais para contemplar 82 produções por todo o país.

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