domingo, 7 de novembro de 2010

DIRETORES

Em algum lugar da história recente do teatro nacional, eu não sei exatamente aonde, alguém parece ter decidido que não tem muita importância esse negócio de diretor de teatro. Pode ser porque, com os patrocínios, foram aumentando muito o número dos projetos e das produções, pode ser porque o dinheiro e o tempo não deram mais pra pagar uns bons diretores para todos os eventos, pode ser porque não haja mesmo bons diretores em quantidade pra tudo quanto é peça, podem ser outras as razões – históricas, econômicas, culturais – mas o fato é que isso de ter que haver diretores de verdade para existirem peças foi sendo deixado de lado ultimamente.

Claro, o crédito ainda está lá em todos os cartazes – “direção de” – e sempre existe algum incauto a completar a frase, mas estou falando aqui do sujeito diretor-diretor, do que entende de fato do riscado (e não apenas do bordado) do métier. Recentemente, li um artigo on line de um crítico paulista reclamando muito dos velhos e bons diretores do teatro brasileiro que, segundo ele, tinham perdido a mão (quando não a razão) e andavam tropeçando nas próprias fórmulas, insistindo nos mesmos truques antigos, afogados em  repertórios ruins e outras mazelas. Como todo critico que se preze, bons e maus, este senhor paulista, naturalmente, estará errado. Mas, se alguém chega a por em dúvida a arte e a habilidade dos Papas, que dirá dos noviços que surgem e se sucedem a toda hora (e com a mesma pressa desaparecem) encabeçando as fichas técnicas dos novíssimos espetáculos brasileiros?

Verdade seja dita, é uma arte ingrata. Sabemos no geral muito pouco sobre as outras funções estampadas no cartaz dos teatros. Mas somos capazes de algumas boas ilações (e às vezes até acertamos) a respeito do que fazem ou deixam de fazer atores, autores, figurinistas, cenógrafos, coreógrafos, iluminadores e outros tantos profissionais cujos nomes encontramos listados ali. Com relação à função onde se lê “diretor” ou “direção”, no entanto, reina a mais absoluta ignorância.

Outro dia me veio à cabeça a questão de que porque eu não me torno um diretor de cinema ou de tevê. São profissões respeitadas, ganha-se bem e sabemos muito mais sobre elas, por causa da popularidade que o cinema e a televisão desfrutam entre nós, do que sabemos qualquer coisa a respeito do seu título assemelhado em teatro. Porém, justamente porque sei ou acho que sei alguma coisa a respeito de dirigir filmes e telenovelas foi que desisti do negócio. Para virar um diretor de televisão, o camarada fica anos trabalhando como assistente, câmera, ou sei lá quantas outras coisas este indivíduo deve saber, antes que o representante da emissora lhe confie esta função de dirigir. Com o diretor de cinema não é muito diferente. Nos dois casos é preciso entender de um sem número de questões técnicas e artísticas (e financeiras, por que não?) e é tão grande a responsabilidade do cargo que realmente não é pra qualquer um – mesmo o pior diretor do pior seriado da televisão brasileira saberá mais destes assuntos do que eu.

Para virar diretor de teatro, no entanto, parece não ser preciso coisa alguma além de querer atender pelo epíteto. É alguém para completar a ficha técnica. Alguém para um olhar de fora. Alguém para dizer isto está bom ou isto não funciona, ou saia deste lado e entre pelo lado de lá para não atrapalhar o colega. Ou não pisem nos móveis porque eles estragam. Os espetáculos se resolvem por um bom ator, ou por um bom autor, cenário, luz e figurino, ou, se por nada disso, pelo menos por uma platéia complacente e desavisada, uma crítica tacanha e uma mídia que não está nem um pouco interessada no produto que vende.

Deste modo, tanto os maus diretores quanto os bons (e há deles) são igualmente importantes ou desimportantes para o que se faz hoje em dia pelos palcos da cidade. O público se guia e se referencia pelo realismo que conhece desde criança do cinema e da tevê (aqui eles de novo). E os diretores que não são diretores, mas assinam diretores, também. O problema principal é que, ao contrário dos seus homônimos das telas, os diretores das peças – e os produtores que os colocam ali e os atores que fingem acreditarem neles e os críticos que os elogiam e todo o resto – não estão nem um pouco interessados, nem são cobrados a se interessar, por todo o aparato técnico e o sem número de questões éticas e estéticas que o teatro profissional contemporâneo suscita.

Naturalmente devem estar pensando: aqui não há equipamentos caros a estragar, nem horas de estúdio a serem pagas, nem o Ibope vem cortar o meu pescoço, nem tenho rolos de filme a perder, e, seja como for, as pessoas sairão divertidas ou entediadas daqui, mas tanto faz. Porque tudo o que as pessoas querem, quando vão ao teatro, é olhar para o ator famoso de perto, ou aplaudir o filho que virou artista, ou viajar numa peça malfeita, ou sei lá o que as pessoas querem ao assistir este espetáculo e de qualquer modo não tenho nada com isso. Porque não fui eu quem fiz esse mundo e não tenho porque me lixar com o erro dos outros.

De fato, parece que não há problema em que se dê a direção dos nossos espetáculos a qualquer um. Pelo menos os não iniciados não perturbam o nosso negócio nem nos enchem o saco. Semana que vem voltaremos ao assunto.

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