segunda-feira, 25 de outubro de 2010

Público (2)

Essa semana eu queria variar outra vez de assunto, mas o assunto “público (espectadores/platéia)” ainda merece ser muito comentado. Algumas questões da semana passada foram só roçadas de leve, de outras coisas relacionadas ao tema nem sequer um pouco falamos, enfim, acaba que vou ficar mais um tempinho por aqui hoje também. Há muito que se dizer sobre esse assunto. Sobre isso das pessoas para quem fazemos as peças e o que essas pessoas pra quem fazemos as peças acham do que estamos fazendo. E se estamos mesmo nos dirigindo a quem pensamos que estamos nos dirigindo ou a quem. Afinal, sobre isso que, nesse tempo dos projetos incentivados e dos editais, virou o tal do “público alvo”?

Eu tenho ido com relativa freqüência ao teatro. E, de uns tempos pra cá, tenho notado que as salas andam mais ou menos cheias. Talvez eu esteja dando sorte e esteja indo às peças nos dias em que elas enchem de gente. Mas os artistas com quem converso não estão reclamando tanto da falta de público quanto a uns cinco, seis anos atrás. De uns três anos pra cá então, a impressão é que tem melhorado muito. Parece que as pessoas estão com um pouco mais de dinheiro para ir ao teatro. Ou o preço dos ingressos deve estar  mais baixo para elas, em relação a temporadas passadas. Com certeza, as duas coisas.

Também pode ter diminuído a oferta de peças e de sessões e isso concentra mais gentes nas sessões e peças que sobraram. Apesar de nos meus comentários aqui eu estar sempre chamando a atenção para a quantidade de projetos e de espetáculos em cartaz na cidade (e no país) não estou certo de que haja muito simples estabelecer a relação entre oferta e  demanda no teatro. Essa me parece uma equação bastante complexa. E é preciso um estudo criterioso para tentar saber como se dá essa relação exatamente.

A minha impressão (baseada nas poucas pesquisas sobre o público de teatro que conheço) é de que há “nichos” de público e de que o aumento da oferta de espetáculos em cartaz não se dá na mesma proporção para todos eles. Numa mesma época, podem faltar peças para alguns e pode faltar público para outros. Por exemplo, poderia estar havendo um aumento na produção de musicais, atraindo um público que antes não tinha onde assisti-los e uma diminuição na quantidade de espetáculos de vanguarda. que estaria concentrando em menos sessões as platéias que curtem esse tipo de peças. Nos dois exemplos, a impressão que se tem é a mesma: aumento de público. No entanto, não é exatamente o que está acontecendo.

No caso das peçasde vanguarda (atenção, são exemplos fictícios, não há base de dados para isso) a diminuição do número de espetáculos concentra o público e o fenômeno poderia ser facilmente percebido dividindo-se a quantidade de espectadores pelo número de sessões oferecidas por temporada. Já a relação entre aumento do número de musicais e as suas platéias é mais complicada.

Não sabemos se o público dos musicais a) vai a todo o tipo de espetáculos e, quando não há musicais em cartaz, assiste a outros tipos de peças; b) assiste apenas a musicais e, quando não há um deles em cartaz, não vai a teatro nenhum. Se a nossa resposta for a da letra “a”, significa que não há um aumento real no número de espectadores – haveria, na realidade, um deslocamento para os musicais das platéias de outros tipos de espetáculos que, ou estão deixando de assistir a outras peças e causando um refluxo em outros borderôs (má notícia para os produtores), ou estão acrescentando os musicais ao seu cardápio de peças, e gastando mais para ir ao teatro (boa notícia para os produtores). Já no caso de a resposta ser “b” pode significar que sim, existe um aumento real de público quando há musicais em cartaz (embora não seja fácil convencê-los a assistir também a outros tipos de espetáculos).

Mesmo trabalhando com hipóteses sem base científica como essas, acho que dá para se perceber o quando importante pode vir a ser um estudo sobre as platéias de teatro no Brasil hoje. E, se considerarmos o fato de que as verbas de produção são na maioria das vezes públicas, um estudo como esse também pode embasar as políticas de governos.

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Com ou sem o meu propalado aumento de público, uma queixa recorrente em qualquer discussão sobre o teatro hoje, diz respeito ao valor baixo dos ingressos praticados nas nossas bilheterias. Se o público está mais endinheirado ou não, o fato é que para os produtores e artistas o preço médio dos ingressos está perigosamente mais barato a cada nova temporada. As maiores causas deste fenômeno são duas e bem conhecidas de todos nós: o grande número de cortesias e, principalmente, o aumento percentual no número de meias-entradas.

As cortesias sempre foram um problema para os produtores de teatro. É conhecida a antiga frase atribuída a Cacilda Becker “não me peça de graça a única coisa que eu tenho para vender” (não é exatamente assim, mas o sentido é esse). No entanto, se o apelo da atriz terá dado algum resultado para os anos 50-60, meio século depois todos já nos esquecemos disto e o número de cortesias aumenta todos os dias.

Há sempre um número de amigos de pessoas ligadas aos espetáculos para os quais reservamos convites ao longo das temporadas das peças. Também permutamos cortesias com apoiadores em troca de materiais e serviços que barateiem os custos de produção. Há ainda as cortesias para a imprensa e outras que são consideradas importantes no processo de divulgação do espetáculo e da sua manutenção na mídia. Além disso, patrocinadores podem exigir cotas de ingressos gratuitos para seus funcionários/clientes como contrapartida para a sua renúncia fiscal. E, por fim, os governos estimulam a reserva de cortesias (e até de sessões gratuitas) para estudantes e outros, com o mesmo argumento de contrapartida pelo investimento do dinheiro dos impostos no teatro.

De qualquer modo, um produtor “linha dura” em uma peça de sucesso talvez consiga manter o seu percentual de convidados em aceitáveis (mesmo que insuportáveis) 10-12% do bruto. O que nenhuma produção consegue resolver, no entanto, é a subida avassaladora do número de meias-entradas nos últimos anos.

Não conheço pesquisas genéricas, mas tenho meus próprios borderôs e os de muitos amigos para ilustrar o “estrago” feito na economia do teatro com a política das meias-entradas. Pode-se afirmar com segurança que a quase totalidade dos ingressos vendidos pelos espetáculos de teatro hoje em dia, é vendida pela metade do preço que consta no cartaz. E não importa se a peça custa 10, 20 ou 200 reais. O esquema das meias-entradas derruba qualquer um. Todo mundo tem direito à meia-entrada. Não apenas os governos determinam umas tantas obrigatoriedades (que variam de municipio para município) como também empresas patrocinadoras, apoiadores pedem as suas próprias reservas de cotas.
Me lembro de uma sessão de um espetáculo recente, de muito sucesso, em que havia 160 meias-entradas vendidas para um universo de 161 espectadores pagantes. É uma loucura isso. As contas implodem. Porque não pagamos “meio” aluguel de equipamentos, nem os atores recebem “meio” salário, para contrabalançar.

Mas, não sejamos de todo ingratos e esquecidos. Num passado não muito distante, ampliar o número de meias-entradas e conceder o máximo possível de cortesias foi uma das estratégias usadas pelos produtores de peças para salvar da falência ou do esquecimento os seus espetáculos. Aqui um estudo mais acurado (também a se fazer) poderá mostrar como e porque o que aparecia como solução, anos depois, se transformou num estorvo. E pode apontar uma possível saída para o problema.

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Enfim, quantas pessoas vão ao teatro hoje em dia no Rio de Janeiro? E em São Paulo, Recife, Goiânia? O que vão ver? O que querem ver? O público se renovou, envelheceu? Houve um aumento ou uma queda relativa de público com o aumento de oferta de espetáculos e a redução no número de sessões? Vão todos assistir aos mesmos espetáculos? Vão sozinhos? Quanto gastam?

Nesse último fim de semana, havia 50 espetáculos de teatro adulto na cidade do Rio de Janeiro, se o jornal O Globo não comeu algum nos seus tijolinhos. Se, na sexta-feira, esses mesmos espetáculos receberam em média (quem o sabe?) 100/200 pessoas por sessão, temos que entre 5 a 10 mil cariocas (e turistas) saíram de casa naquele dia para assistir às nossas esplêndidas peças. Um percentual dessas pessoas (provavelmente os turistas) também aproveitou para assistir a outros espetáculos no sábado e no domingo. Mas a maioria só voltará ao teatro nessa semana que entra (os que vão ao teatro com maior freqüência, suponho) ou a partir da semana que vem, ou ainda na outra. Ou apenas no próximo mês (ou quando?).

Conhecer essa freqüência e as razões dessa freqüência (como também alguns outros hábitos dessas pessoas que ainda vão ao teatro, quando a tanto para se fazer em outros lugares) mudará a nossa percepção sobre quantos somos, que tipos de gostos dividimos, que assuntos nos interessam ou não e quanto estamos dispostos a pagar ou iremos ganhar, nós todos os que circulamos, com maior ou menor interesse, em torno desse desconhecido mercado artesanal. Mas, enquanto não se começa a contar...

Um comentário:

  1. são muito pertinentes, as questoes.
    de certa forma é chocante que na cena do rio de janeiro nao tenha isto mais quantificado! em salvador também nao temos nenhuma afericao de publico.

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