Continuo aqui, pacientemente, fazendo meu levantamento semanal das peças em cartaz, das estréias, das despedidas dos teatros da cidade. Na falta de um estatístico mais confiável, vou eu mesmo contando e somando e dividindo. Sem as peças do meio de semana, porque não compro o jornal da cidade todo dia. Nos outros dias da semana eu leio outro jornal, mais barato e onde sai muita coisa de futebol.
Os números desse fim de semana voltaram aos números da segunda quinzena de agosto, quando comecei a fazer a lista. Estamos outra vez na casa dos 80 espetáculos (infantis + adultos). Justamente em novembro, quando tradicionalmente as peças começam a perder público para as festas de fim de ano. Só os infantis diminuíram, talvez as crianças já não estejam mais à mão nessa época. Os adultos, porém, subiram absurdamente.
Já disse aqui que, na falta de pesquisas e estudos de verdade, não sei nem tenho como saber se este número é bom ou ruim. Talvez seja pouco que uma cidade com tantos milhões de pessoas não tenha nem cem peças em cartaz no final de semana. Talvez seja muito. Quem sabe? Estarão essas peças todas lotando? Estarão esses espetáculos todos se sustentando com a bilheteria? Quantos desses espetáculos vendem mais de 50% por cento da lotação dos teatros? E quanto os que vendem menos do que isso arrecadam? E vivem do quê?
A questão que me chama atenção agora, para essa crônica (as outras questões também são boas, temos falado delas de vez em quando, retomaremos o assunto depois) a questão, dizia, que me chama atenção para essa crônica é outra.
Um dia desses, ao comentar sobre isso de teatro, um amigo de longa data e longuíssima carreira chamou a atenção para o fato de quase não conhecer nenhum nome dos que saem nos tijolinhos das peças listadas no jornal da cidade. Ora, em teatro se conhece todo mundo. Somos uma espécie de confraria. Fazemos filhos uns com os outros, cuidamos das crianças dos amigos (e muitas delas acabam entrando para o ramo, feito os pais e os colegas de seus pais). Então, como pode ser que um confrade do teatro carioca não saiba quem sejam as pessoas que estão em cartaz pelo Rio?
É o assunto da crônica. Em duas ou três palavras – às vezes me estendo muito nos meus assuntos e não há necessidade.
Passando os olhos pelos tijolinhos eu também, verifiquei, eu também, que há mesmo uma quantidade enorme de artistas no Rio de Janeiro estrelando as peças do jornal e dos quais (eu também) nunca ouvi falar. Ora, mesmo não tendo a carreira e os anos do meu amigo, tenho já um bom tempo nessa nossa profissão. Ainda peguei um ou outro dos antigos produtores que tiravam dinheiro do bolso pra montar peças. Ainda peguei o Prêmio Molière. Vi nascer a Lei Sarney, que virou Rouanet. Se isso não é ser velho (sempre pode ser que não) é perto de ser. E igualmente me espanta não saber quem é essa gente toda que está em cartaz.
São muitos novos. Não digo novos de idade, há deles para todas as gerações, mas novos no exercício do ofício. Surgem de todos os cantos. O Rio de Janeiro é um imã cercado de praias por todos os lados. Entram na profissão aos borbotões, é um tsunami de gente fazendo teatro. E profissionais – sempre. A febre do teatro, todos sabemos quem provocou no Brasil. Chama-se televisão. A televisão precisa basicamente de atores, muitos atores. E atrás desse enxame de atores aparecem diretores, cenógrafos, produtores...
Se um produtor de elenco da televisão precisar de um ator anão amanhã de manhã para a novela das seis, ou de uma mulher alta e magérrima para a novela das oito, ele precisa que esse ator exista e, de preferência, que esteja desempregado e tenha registro profissional. O registro profissional é relativamente simples. Há cursos que profissionalizam atores em seis meses ou menos. E, para os que não têm paciência com os cursos, existe a solução definitiva do Registro Provisório. Já os desemprego o teatro se encarrega de produzir.
Sendo basicamente um caminho de passagem para a televisão, onde nos tornaremos estrelas e seremos ricos, bonitos e famosos, o teatro vira a casa da Mãe Joana. Precisamos estar trabalhando nele para que nos vejam e nos levem para a televisão, mas precisamos que nos deixem entrar e sair quando formos chamados. Precisamos que as peças não durem. Precisamos da noite de estréia e duas semanas a mais. Depois: rua.
Eu estava no início do ano parado em algum aeroporto no meio de uma excursão do Púcaro Búlgaro. Avião atrasadíssimo, peguei uma dessas revistas que se lê em viagens pra matar o tempo. Com cara de séria (mas todas têm). O avião atrasou tanto que fui parar na sessão de Cartas dos Leitores e tinha lá um rapaz perguntando como fazia para virar ator e ficar famoso. O editor, que sabia tudo sobre todos os assuntos, não titubeou ao responder sobre este.
Primeiro ele mandava o rapaz entrar para uma academia e modelar o corpo. Depois sugeria que se mudasse para o Rio de Janeiro (o leitor não morava no Rio), de preferência nos arredores do Projac. E por fim praticamente aconselhava o camarada a ficar plantado na porta esperando passar algum diretor, ator, alguém que pudesse colocá-lo pra dentro. Nenhuma palavra sobre escola, interpretação, profissionalismo, nada de nada disso. Era um editor sério, já se vê.
Bom, pelo menos também não mandava o rapaz ir fazer teatro enquanto isso. Nem precisa. Porque outros muitos já mandam.
Esse assunto de atores rende. Voltaremos a ele da próxima vez.
Adorei o texto, Gill!
ResponderExcluirAliás, "te" leio sempre.
Bj,
Carmen Frenzel
Não sabia que vc tinha um blog, Gil. Adorei saber e ler esse ótimo texto. No começo me deu um desamparo, depois ri. Na vida existem situações tão medíocres que se vc não ri, só fica chateado, triste, irritado. Gosto da minha tribo e é nisso que eu acredito. Nem conversamos depois da peça... bjos.
ResponderExcluirGil
ResponderExcluircomo sempre, divertido e questionador...quanto às contas, o Polônio te pegou. Agora vamo fazer uma peça sobre isso, a condição dos atores? Uma comédia, obiviamente, escrita cuspida e escarrada por você, a autoridade do assunto. MARCELO FLORES