Umas poucas palavras especificamente sobre a questão dos editais de patrocínio. Se o governo (falo genericamente e incluo o federal, os estaduais e os municipais neste bolo) não descarregar um caminhão de dinheiro, e dos grandes, a situação de quem depende dos editais para conseguir realizar os seus espetáculos só tende a piorar. Os editais foram inventados ou instituídos ou incrementados, sob o pretexto de democratizar a aplicação dos recursos públicos. A maior parte do dinheiro dos patrocínios para o teatro sai através da aplicação direta das Leis de Incentivo. Sabe-se que uma meia dúzia de agentes de empresas, captadores de recursos profissionais, produtores bem relacionados e seus prepostos, concentram a maior parte desse dinheiro. Os editais seriam uma forma de dar uma maior transparência ao processo de concessão dos patrocínios e estabelecer regras que colocassem os interessados em maior igualdade de condições.
Pura ilusão. Porque há mais projetos do que dinheiro para realizá-los. Como a verba dos editais (em geral) é muito menor do que o que se consegue diretamente utilizando as Leis de Incentivo, e como são muito poucos os projetos contemplados (recentemente o MinC selecionou para montagem pelo Myriam Muniz apenas 4 projetos do Rio de Janeiro e 5 em São Paulo) e como além disso, a maioria dos projetos que concorrem a esses editais não têm a menor chance de obter patrocínio diretamente com a utilização das Leis de Incentivo (em especial a Rouanet), o montante de interessados não para de crescer. São muitos projetos novos a cada ano. E, além deles, os projetos que não conseguiram aprovação no ano passado, ou nos outros anteriores, continuam lá esperando a sua vez, e continuarão ainda por muito tempo.
Parece que os técnicos que elaboram os editais acreditam que os projetos que participam desse tipo de concorrência pública são realizados por artistas mais baratos que aqueles que concorrem à Rouanet. O que é outra ilusão. As fichas técnicas dos projetos podem ser as mesmas, em quaisquer dos casos. Apenas, aqui se promete pagar menos, se fará um cenário que custe menos, se colocará menos anúncios no jornal, porque justamente nos oferecem menos recursos para trabalhar. Nada, além disso. Por outro lado, também não faz sentido que um grupo de teatro em Aracaju e outro em São Paulo concorram ao mesmo valor de patrocínio para projetos parecidos. A verba de que o projeto de São Paulo necessita talvez pague dois projetos iguais em Aracaju.
Os editais também não garantem a suposta transparência no processo de aprovação dos projetos de teatro. As comissões que julgam os espetáculos a serem montados são quase sempre mantidas em segredo dos concorrentes. E por quê? Se os critérios de seleção são divulgados, se os projetos pertencem a artistas conhecidos (ou desconhecidos, mas que serão julgados em “igualdade de condições”) por que então os jurados não podem declarar publicamente o seu voto ou veto a esta ou aquela proposta? Não é preferível ter questionada a opinião deste ou daquele membro do júri ou a sua própria indicação como “notável” (este é o nome que lhes dá) do que ver todo o processo de seleção sob suspeita, como algumas vezes acontece?
E, por último (mas não por fim, retomaremos o assunto mais tarde) nas regras dos editais é onde mais se encontram cláusulas exigindo o menor preço possível de ingressos (com a maior quantidade possível de meias-entradas) e toda a espécie de ações de produção a que se convencionou chamar “contrapartidas sociais”. Que incluem espetáculos gratuitos, distribuição de ingressos, e, até mesmo (passei por isso recentemente) a doação de parte da bilheteria ou de sua totalidade para instituições de caridade. Aqui se vê bem presente a ilusão ou o preconceito que faz considerar as produções e artistas que se candidatam aos editais como “menores” que os outros e, portanto, mais baratos. Aqui também está bem clara a idéia generalizada de que o teatro se restringe à produção do espetáculo e sua exibição em uma pequena temporada. Pode ser também que os técnicos considerem a concessão do patrocínio um favor que se faz aos artistas.
Experimentem fazer essa conta. Coloquem cinqüenta mil reais em uma produção de teatro que ensaie sua peça durante dois meses. Depois, tentem manter viva essa mesma produção em um teatro de duzentos ou trezentos lugares a um preço médio de oito, nove reais, sem mais nenhum centavo de patrocínio. Quantas sessões essa peça terá que fazer por mês para manter o seu nível de produção? É um exercício de lógica, mas bem poderá ser real. Aqueles que tiverem uma resposta a essa questão e que sobreviverem apesar dela, esses merecem aprovação nos editais.
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