I.
Essa semana o jornal da cidade que eu uso pra fazer meu somatório de espetáculos em cartaz “esqueceu” (não sei que outro nome teria isso) de relacionar as peças infantis em cartaz na sua coluna de serviços do seu Segundo Caderno. Ou trocou os infantis de lugar e não avisou. Amanhã devem chover cartas e emails à redação do jornal reclamando contra o “acidente”. Curioso que o mesmo jornal estampava, no mesmo Caderno, uma entrevista de página inteira com o atual Ministro da Cultura. Que rata! Será que o Ministro e a equipe do Ministro e os amigos e inimigos do Ministro, seus críticos, seus desafetos, seus admiradores, seus seguidores e puxa-sacos, será que esse pessoal todo notou? Ou este é um problema “menor” que só nós do teatro infantil é que reparamos? Tudo bem que esse domingo deu praia (e que praia!) no Rio de Janeiro. Mas não precisava matar o teatro infantil por isso. Há um artigo, se não me engano do Peter Brook, ou assemelhado, que fala das conseqüências de um hipotético fechamento dos teatros na França e que isso mal seria notado pela população. Está aí, no “esquecimento” do jornal da cidade, uma oportunidade pra conferir, pelo menos em parte, a catástrofe (para nós) sugerida pelo Peter.
Os infantis estavam lá... Meio escondidos, mas estavam. Eu que não vi. Mas a simples hipótese de que o úncio jornal da cidade que presta esse erre nisso é tão cruel que... (E erra.)
II.
Essa é a temporada de caça aos editais. Empresas e governos lançam os anzóis e nós é que ficamos pescando. Muita incompetência na hora de bolar os ditos e malditos. Alguém precisa reunir o pessoal do marketing das empresas e conversar com eles. Fica muito difícil entender o que eles querem quando encontramos escrito no edital de patrocínio cultural de uma determinada empresa que eles privilegiam projetos que favoreçam a “busca pela democratização e promoção do acesso à cultura pelo desenvolvimento sócio esportivo do Brasil” (o que significa? Peças sobre a Copa do Mundo e as Olimpíadas?). Também dou um doce para quem traduzir essa dica noutro edital de uma importante patrocinadora da cultura no país, que: “tem como objetivo, selecionar iniciativas culturais que estimulem a fluência comunicativa, a expressão, o acesso, o compartilhamento de informações e conhecimentos e o trabalho colaborativo como condições preciosas para o reconhecimento da influência das práticas culturais no processo de construção de identidades, convivência e desenvolvimento”. Não dá pra ser menos prolixo e mais objetivo? Quando ganha o marketeiro que elabora um edital desses? O dono da empresa entende? Ficam os pobres dos produtores correndo atrás de satisfazer os desejos das empresas patrocinadoras, mas com essa falta de clareza (citei apenas dois pra não ocupar muito espaço, mas são muitos os exemplos) não há tatu que agüente. A impressão é que estão se lixando e que apenas esperam que os projetos resultem bons para a imagem da empresa conforme a onda do momento. Aí vão lançando pelo meio dos editais as palavras e expressões da moda, mais ao menos ao acaso. E tudo vira “responsabilidade social”, “compromisso ambiental”, “inclusão”, “práticas sociais consequentes” e durma-se com um barulho desses.
III.
Sensacional a iniciativa de reunir Eugênio Barba e Aderbal Freire-Filho da maneira como o fez essa semana o Teatro Poeira, em Botafogo, no Rio de Janeiro (a idéia teria sido do Barba, mas o Poeira abraçou e realizou). Cerca de setenta ouvintes e assistentes, entre atores, diretores e autores cariocas, vamos ver o que o encontro repercute ao longo do tempo. E tomara que venham outros. Contribui imensamente para as discussões em torno dos caminhos do teatro no mundo.
Uma das (muitas) reflexões fundamentais é justamente essa que andamos falando aqui, qual seja, sobre o que seja essa difícil e desconhecida arte de “dirigir”. Dois mestres e duas poéticas distintas, dissecadas aos olhos de uma platéia comum, típico encontro pra fazer ou abrir a cabeça da moçada. O teatro não precisa (e nem consegue) ser um só. Mas pode e deve ser feito com um mínimo de conhecimento do assunto. Vamos ver o que rende...
IV.
A propósito de diretores uma dica: o realismo, quando surgiu no teatro, significou uma revolução sim, mas isso foi relativamente breve. Em seguida, um furacão chamado cinema e um tsunami chamado televisão apareceram e mudaram tudo. Esse axioma tem sido dito e repetido de várias formas e por muitos encenadores diferentes durante anos a fio. Mas as pessoas ouvem e não pensam no assunto. Sofrem os atores, coitados, tentando reproduzir no palco as suas vidinhas cotidianas. Sofrem os autores, que vêm suas peças, mesmo as melhores, reduzidas a um papo de comadres. Só os diretores (os ruins) gozam a glória desse teatro mal feito. Como diz um amigo meu: ainda bem que não são médicos, ou matavam seus doentes todos os dias (e não estão matando?).
V.
O carioca inventou o circuito-cidade. A peça estréia num teatro, geralmente produzida com pouca grana, mas também produzida sem a intenção de render dinheiro. Fica duas ou três semanas estacionada ali. Depois não pode mais porque entra outra novidade no lugar. A peça muda de teatro (às vezes até de bairro). Fica mais duas ou três semanas. Um terceiro teatro da cidade será seu destino final. Depois vai para a prateleira (exatamente o mesmo fenômeno do cinema nacional) aguardando festivais e convites esparsos, que podem não vir. Todos sabemos quais três ou quatro teatros compõem este circuito. A peça rende um público, mas pouco dinheiro. Como o patrocínio para produzir também não foi lá essas coisas, pergunta-se: e de que vivem esses moços?
VI.
Como são zilhões os artistas, e como ninguém vive das bilheterias (salvo dois ou três) pulveriza-se o patrocínio para atender ao maior número possível de famintos. É praticamente um bolsa-família do teatro (com a diferença que o bolsa-família leva as famílias para cima e que o bolsa-teatro leva os artistas para o fundo). Não é culpa dos governos que essa política se instaure e prevaleça. É problema dos próprios artistas de teatro que não se mobilizam para resolver ou dar um encaminhamento a essa questão. É bom para o sistema que atores sejam descompromissados com o andamento do seu negócio. Quanto mais os atores estiverem pensando em seus próprios umbigos e menos nas suas questões comuns, melhor. O sistema estimula a competição a qualquer custo e o pensamento auto-centrado. Seria muito perigoso para o sistema que essas pessoas fossem esclarecidas e conscientes de seu lugar nesse mundo. Parece que não temos nenhum inimigo comum. Então, nos cumprimentamos com chutes e cotoveladas.
Legal esses comentários Gil. Vou dividir uma reflexão que esse último exercício de "caça aos editais" fez surgir.
ResponderExcluirParticipei desta última edição do FATE. Nesse ano abri uma própria produtora e cheio de vontade inscrevi um projeto no edital. Tudo isso é muito trabalho, escolher o projeto, defendê-lo na apresentação, justificativas e objetivos, construir um orçamento... ufa - dá trabalho. Mas tudo bem, não espero que as coisas caiam do céu, vamos lá, arregasar as mangas e suar a camisa - trabalhar, esse não é o problema. No entanto é preciso discutir também algumas questões a respeito dos editais que estipulam um valor fixo definido. Exemplo - o FATE com prêmios para R$250.000,00, para R$ 100.000,00 e para R$50.000,00.
Não acreditei que a minha firma por ser nova, sem assinaturas de projetos anteriores, pudesse concorrer ao prêmio de R$250.000,00. Talvez um problema de estima meu. Talvez. Então fui atrás no de R$100.000,00.
Antes de mais nada, vale dizer que não estou invalidando o edital e sim colocando uma visão crítica sobre o aspecto dos valores.
Vejam só, o orçamento é a questão central. Listei na planilha cedida pelo próprio edital valores básicos para um profissional de teatro poder viver nesse período de dedicação. isto é, viver sua vida material que todos nós sabemos (aluguel, condomínio, supermercado, transporte, plano de saúde - os que têm - etc.) e realizando o seu trabalho criativo dento de um espetáculo. Penso que o valor de R$5.000,00 por mês é um dinheiro mínimamente dígno para as pessoas viverem. Quem sabe até, após o desconto de nota dê pra sobrar uns R$1.000,00 no fim de um mês (só para aqueles que não tem filho(s)). Podem até discordar, mas considero justo.
Pois é, num espetáculo com 2 (dois) atores e os profissionais (todos) ganhando R$5.000,00, fora outros gastos, o meu projeto chegou a R$184.000,00. E olha que ainda não havia sido colocado o valor de mídia.
Bem, se com dois atores não podemos oferecer um valor ideal, o que acontecerá por exemplo com um projeto que monte A Casa de Bernarda Alba (7 atrizes) - aliás está em cartaz uma montagem com direção do Cláudio Mendes, ou o Mambembe (com uma cabeçada de atores).
Encurtando, consegui chegar na faixa de R$130.000,00 pagando aos profissionais um valor máximo de R$3.000,00. Conclusão - terão que emitir nota e sobreviver nesse período de tempo com um valor aproximado de R$2.500,00.
A pergunta que fica é; como?
É preciso aproximar as pessoas que pensam os editais da realidade de fazê-lo. Pois se formos selecionados somente por este edital, trabalharemos sem pagar as contas. Complicado, não acham?
Eu sei que tudo é uma questão de perspectiva, afinal R$2.500,00 é bem mais do que um salário mínimo. Mas não vamos nivelar por aí, não é?
Agora se R$100.000,00 foi insuficiente, o que será possível com o valor de R$50.000,00. É um sucateamento o que vivemos. Isso pode gerar um diversos espetáculos capengas e de qualidade duvidosa. Mas Viva a prefeitura que investe na cultura da cidade!!!!! Enfim... como você mesmo cita gil, se fecharem os teatros quem irá notar?
Abraço,
Sávio
Um outro assunto, está havendo uma iniciativa de alguns atores do Rio de Janeiro de lutar por um cahê-teste de R$ 30,00. Apesar de ser voltado mais para quem faz teste publicitários acho importante a adesão da classe. Existe um endereço para apoiar o abaixo assinado.
ResponderExcluirhttp://www.peticaopublica.com.br/?pi=P2010N3359
Atores e atrizes uni-vos! São Paulo, cidade maior, já o fez há tempos. É possível.