segunda-feira, 18 de outubro de 2010

Público

Estou aqui fuçando a segunda edição do Cultura em Números-2010, um relatório do MinC com dados atualizados sobre a produção e o consumo de cultura no país. É um extenso trabalho, compilando e sistematizando dados de diversas fontes de pesquisa, e que faz, na medida do possível, um mapeamento da cultura brasileira, em termos de quem a produz e consome. Útil para o próprio governo e, espera-se, também para os agentes produtores de cultura.


Há lacunas ainda não preenchidas neste estudo, seja pela não incorporação de dados de pesquisas mais recentes, como eles mesmos nos advertem na introdução, seja pela falta de algumas pesquisas específicas para certos setores do tecido cultural brasileiro. Mas trata-se, sem dúvida, de um esforço louvável.

Dos dados ausentes no relatório, quero me deter à falta de números e tabulações a respeito do público freqüentador de teatro no Brasil. Há dados sobre consumidores de cinema, TV, jornal, rádio, freqüentadores de shows, jogadores de baralho, enfim, há um pouco de tudo no estudo. Mas sobre a parte dos consumidores de cultura que costumam ir ou vão de vez em quando assistir a peças de teatro não há referência específica.

Não estamos sozinhos, é verdade. Também não estão mencionados os freqüentadores de espetáculos de dança. Nem as platéias circenses ou as de rodeios. Bom, mas como já se disse aqui, há ainda lacunas a preencher.

Pego o exemplo da falta de dados sobre o público freqüentador de teatro como mote para algumas considerações. Até porque, neste mesmo estudo no MinC, na parte referente à produção (que está um pouco mais completa) as Artes Cênicas aparecem em primeiro lugar, abocanhando 20% dos investimentos públicos para no decênio 96-2006. À frente até do cinema! Embora também se advirta ali que os dados para o Audiovisual estão incompletos, porque são armazenados pela ANCINE a partir de 2003.



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Se pudermos inferir que o teatro recebe a maior parte dos recursos destinados às Artes Cênicas e se considerarmos que a produção desta arte no Brasil, hoje, é praticamente toda financiada com dinheiro público, a pergunta “Quem Consome e Como Consome Esta Produção?” deveria estar não apenas no horizonte de preocupações dos agentes produtores dos espetáculos, como também dos gestores culturais. Sem falar dos operadores de marketing das empresas patrocinadoras (que afinal decidem a aplicação no teatro da maior parte da grana dos governos).

E para quem será que estamos todos produzindo peças? Quando comecei a me relacionar com o teatro profissional (e lá se vão vinte e tantos anos) ouvia falar de um cálculo, não sei de quem, que estimava em duzentas mil o número de pessoas que frequentavam regularmente a salas de teatro. Um número vago que eu nunca soube se representava o público de teatro no país, ou apenas em uma dada região (Rio de Janeiro e/ou São Paulo, por exemplo). E um número que não diz nada, ainda mais quando olho pra ele agora, a essa distância de pelo menos duas décadas.

No Rio de Janeiro, no último mês de setembro, havia pelo menos 70 espetáculos de teatro profissional, para crianças e adultos, em cartaz na cidade. Não é um número muito exato porque quem o contou fui eu, pelos tijolinhos do jornal de domingo. No mês de agosto essa média, que eu também calculei (mas não tenho os números todos), parecia superar as 80 peças. Em outubro ainda não sei, porque o mês está na primeira quinzena e eu também ainda não acabei de contar.

Calculando que eu esteja razoavelmente certo e calculando umas 200 pessoas presentes por sessão e calculando apenas uma sessão para cada um desses 70 espetáculos, nesse único dia hipotético, 14 mil espectadores estão ou estiveram presentes às salas de teatro aqui no Rio. É uma conta fácil de fazer. E também não é preciso ser muito bom em matemática para calcular que, multiplicado pela quantidade de sessões possíveis em um mês, este número de freqüentadores irá facilmente superar os 200 mil dos meus 20 anos atrás.

Mas ainda é tudo muito vago. Quem são essas pessoas? A maioria é de mulheres ou de homens? Qual a idade deles (ou delas)? Todos assistem às mesmas peças, pagam os mesmos preços de ingressos, vão ao shopping e vão ao centro da cidade? Preferem artistas famosos, peças de vanguarda, assistem também à TV, vão por recomendação dos amigos, lêem as críticas aos espetáculos, são alfabetizados, vão sozinhos ou acompanhados? E quanto tempo um único sujeito levaria para assistir a todas as peças de teatro nesta nossa cidade? E se ele fosse só às que lhe interessam? E quanto gastaria nessa brincadeira?

Curioso como pouco sabemos sobre as nossas platéias de teatro. Ouvimos umas pessoas reclamando dos preços dos ingressos, ou somos nós mesmos que reclamamos das meias-entradas, das cortesias e tudo o mais, usamos expressões como “público de sábado” ou “público de estréia”, mas, além disso, o que mais sabemos nós a respeito dos hábitos de consumo, da condição social, dos interesses e desinteresses de quem nos assiste?

Atualmente temos sido cobrados, em nossos inúmeros projetos de espetáculos e nos editais de patrocínio de que participamos, a explicitar o “público alvo” das peças que pretendemos montar. Essa é uma expressão tirada do marketing ou da publicidade e, apesar de seu uso ter se tornado comum também para nós, artistas e produtores de teatro, duvido que saibamos fazer uma ligação mais ou menos precisa entre esta “formalidade” dos projetos e aquelas dezenas ou centenas de pessoas que, quase todas as noites e durante umas tantas temporadas, aplaudem ou rejeitam as nossas representações ao vivo.

Há quem reclame que o teatro esteja distante do mundo. Que o cinema e especialmente a TV estão muito mais sintonizados com suas platéias do que o teatro. Muito bem, pode ser. No entanto, nunca este mundo esteve tão responsável pela produção de teatro como hoje, quando, não apenas no Brasil, mas quase em todo o lugar, a manutenção dessa atividade é uma responsabilidade do estado, que a preserva ou cria mecanismos para a sua preservação, em condições similares às que estão colocadas para a preservação dos quadros e das estátuas nos museus.

Então, é justo e mais que justo é necessário, que se procure saber ao certo que platéias são essas e de que modo são atendidas. E se estão satisfeitas ou não, e se são os mesmos ou outros, esses que hoje assistem teatro e aqueles, por exemplo, do tempo dos antigos produtores, que bancavam espetáculos com o dinheiro do próprio bolso (houve esse tempo e já estava no fim quando eu ouvia falar da tal platéia de 200 mil).

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