domingo, 26 de setembro de 2010

Editais

Umas poucas palavras especificamente sobre a questão dos editais de patrocínio. Se o governo (falo genericamente e incluo o federal, os estaduais e os municipais neste bolo) não descarregar um caminhão de dinheiro, e dos grandes, a situação de quem depende dos editais para conseguir realizar os seus espetáculos só tende a piorar. Os editais foram inventados ou instituídos ou incrementados, sob o pretexto de democratizar a aplicação dos recursos públicos. A maior parte do dinheiro dos patrocínios para o teatro sai através da aplicação direta das Leis de Incentivo. Sabe-se que uma meia dúzia de agentes de empresas, captadores de recursos profissionais, produtores bem relacionados e seus prepostos, concentram a maior parte desse dinheiro. Os editais seriam uma forma de dar uma maior transparência ao processo de concessão dos patrocínios e estabelecer regras que colocassem os interessados em maior igualdade de condições.


Pura ilusão. Porque há mais projetos do que dinheiro para realizá-los. Como a verba dos editais (em geral) é muito menor do que o que se consegue diretamente utilizando as Leis de Incentivo, e como são muito poucos os projetos contemplados (recentemente o MinC selecionou para montagem pelo Myriam Muniz apenas 4 projetos do Rio de Janeiro e 5 em São Paulo) e como além disso, a maioria dos projetos que concorrem a esses editais não têm a menor chance de obter patrocínio diretamente com a utilização das Leis de Incentivo (em especial a Rouanet), o montante de interessados não para de crescer. São muitos projetos novos a cada ano. E, além deles, os projetos que não conseguiram aprovação no ano passado, ou nos outros anteriores, continuam lá esperando a sua vez, e continuarão ainda por muito tempo.

Parece que os técnicos que elaboram os editais acreditam que os projetos que participam desse tipo de concorrência pública são realizados por artistas mais baratos que aqueles que concorrem à Rouanet. O que é outra ilusão. As fichas técnicas dos projetos podem ser as mesmas, em quaisquer dos casos. Apenas, aqui se promete pagar menos, se fará um cenário que custe menos, se colocará menos anúncios no jornal, porque justamente nos oferecem menos recursos para trabalhar. Nada, além disso. Por outro lado, também não faz sentido que um grupo de teatro em Aracaju e outro em São Paulo concorram ao mesmo valor de patrocínio para projetos parecidos. A verba de que o projeto de São Paulo necessita talvez pague dois projetos iguais em Aracaju.

Os editais também não garantem a suposta transparência no processo de aprovação dos projetos de teatro. As comissões que julgam os espetáculos a serem montados são quase sempre mantidas em segredo dos concorrentes. E por quê? Se os critérios de seleção são divulgados, se os projetos pertencem a artistas conhecidos (ou desconhecidos, mas que serão julgados em “igualdade de condições”) por que então os jurados não podem declarar publicamente o seu voto ou veto a esta ou aquela proposta? Não é preferível ter questionada a opinião deste ou daquele membro do júri ou a sua própria indicação como “notável” (este é o nome que lhes dá) do que ver todo o processo de seleção sob suspeita, como algumas vezes acontece?

E, por último (mas não por fim, retomaremos o assunto mais tarde) nas regras dos editais é onde mais se encontram cláusulas exigindo o menor preço possível de ingressos (com a maior quantidade possível de meias-entradas) e toda a espécie de ações de produção a que se convencionou chamar “contrapartidas sociais”. Que incluem espetáculos gratuitos, distribuição de ingressos, e, até mesmo (passei por isso recentemente) a doação de parte da bilheteria ou de sua totalidade para instituições de caridade. Aqui se vê bem presente a ilusão ou o preconceito que faz considerar as produções e artistas que se candidatam aos editais como “menores” que os outros e, portanto, mais baratos. Aqui também está bem clara a idéia generalizada de que o teatro se restringe à produção do espetáculo e sua exibição em uma pequena temporada. Pode ser também que os técnicos considerem a concessão do patrocínio um favor que se faz aos artistas.

Experimentem fazer essa conta. Coloquem cinqüenta mil reais em uma produção de teatro que ensaie sua peça durante dois meses. Depois, tentem manter viva essa mesma produção em um teatro de duzentos ou trezentos lugares a um preço médio de oito, nove reais, sem mais nenhum centavo de patrocínio. Quantas sessões essa peça terá que fazer por mês para manter o seu nível de produção? É um exercício de lógica, mas bem poderá ser real. Aqueles que tiverem uma resposta a essa questão e que sobreviverem apesar dela, esses merecem aprovação nos editais.

segunda-feira, 20 de setembro de 2010

Leis e patrocínio

Quase todo o dinheiro que produz teatro hoje, no Brasil, vem das Leis de Incentivo Fiscal. A Lei Rouanet, do governo federal, é a principal delas, mas existem muitas assemelhadas estaduais e municipais por aí. Todos sabemos como funcionam. Os governos disponibilizam parte da grana devida de impostos de empresas interessadas que, em troca, aparecem nos materiais de divulgação dos espetáculos como patrocinadoras do evento.
São as empresas que decidem que espetáculos devem patrocinar e por quanto. Em geral os governos se limitam a balizar o processo burocrático e a controlar  a forma, o tamanho e o local para a exibição de suas logomarcas.
A Lei Rouanet descarrega a maior parte dos recursos federais em espetáculos produzidos no Rio de Janeiro e em São Paulo. Como está a cargo das empresas a decisão sobre o que e a quem patrocinar, e como o interesse da maioria delas é pela divulgação das suas marcas e produtos, elas priorizam espetáculos e eventos com maior potencial de mídia. Desse modo, a maior parte do dinheiro público vai para produzir peças capitaneadas por estrelas da televisão.
Para minimizar os efeitos dessa concentração de renda, algumas empresas e o MinC criaram editais, para os quais podem concorrer espetáculos feitos por artistas comuns e em regiões do país fora do eixo principal de produção. Mas, como o montante distribuído através dos editais é muito inferior aos recursos obtidos diretamente pelos produtores a que me refeiro acima e como esses mesmos produtores também se candidatam aos editais, o governo cogita fazer mudanças na própria Lei. Para o governo, é preciso flexibilizar a Rouanet (e as outras Leis de Incentivo seguiriam este mesmo caminho) como forma de combater a "ganância" de meia dúzia de produtores de teatro no Brasil.
Com a Lei Rouanet, os editais e as demais Leis de Incentivo Fiscal, o teatro brasileiro passou a receber verbas de produção numa quantidade sem precedentes na sua história. Atraídas pela dedução de impostos, as empresas tradicionais de apoio ao teatro puderam multiplicar o volume dos seus recursos de patrocínio e muitas outras empresas acabaram sendo atraídas para este mercado. Esse aporte de verba e sua subsequente concentração provocou um paulatino encarecimento nos orçamentos dos espetáculos. Todo mundo quer tirar sua lasca na grana que aparentemente abunda (obs: o dinheiro ainda é pouco, a impressão de abundância é uma ilusão derivada da concentração de renda). Produtores e agenciadores, artistas, prepostos das empresas (que em muitos casos cobram "comissões" pelo patrocínio), técnicos, fornecedores, agentes de mídia, etc., todos contribuímos para o encarecimento das montagens. Mesmo com a economina estabilizada e a inflação sob controle como na Europa, os orçamentos das peças de teatro no Brasil não cansam de aumentar.
Aqui alguns atores e técnicos poderão se queixar de que continuam ganhando pouco pelo seu trabalho. Meu conselho: consultem os Diários Oficiais onde estão publicadas as aspirações a patrocínio dos seus empregadores. Os orçamentos médios já saíram da casa dos 350 para os 450 mil. Há monólogos com pretenções a patrocínio acima do meio milhão de reais.
O fenômeno curioso é que os governos, que liberam as verbas de produção, querem, como contrapartida (e de modo justo, a meu ver) limitar o preço dos ingressos como forma de ampliar o acesso aos espetáculos para pessoas das mais diversas camadas sociais. Já que o dinheiro é público, que venha o público. Assim, vemos abundar (agora sem ilusão) ações de estímulo ao barateamento dos ingressos, com a crescente ampliação do benefício das meias-entradas e a criação das chamadas "Contrapartidas Sociais". O resultado? A conta não fecha.
A manutenção em cartaz de um espetáculo ao preço dos nossos novos espetáculos públicos (mantendo os ganhos do período de produção para os principais nomes da ficha técnica) e com o valor médio do ingresso cobrado atualmente é tudo, menos possível. A primeira saída, engordar os orçamentos com um adicional para o tempo em cartaz, aumenta a conta do governo até um nível que, pelo menos por enquanto, não pode ser alcançado. A outra saída é o monstro com o qual temos que aprender a lidar: é produzir espetáculos para temporadas cada vez mais curtas, enterrá-los, e correr atrás de um novo patrocínio de produção. Assim é que se explica que, numa cidade como o Rio de Janeiro, a cada três ou quatro meses, vejamos substituidas praticamente TODAS as quase 90 peças de teatro em cartaz por semana (incluindo as infantis e infanto-juvenis). Por aí também fica mais fácil entender porque os elencos dessas mesmas peças estão cada vez menores.
O fenômeno perpassa toda a produção. Atinge famosos, não famosos, ricos e pobres, semi-amadores e profissionais (cada um dentro dos seus limites de orçamento). E só faz aumentar a concentração de renda, porque quem tem acesso à fonte tem cada vez mais sede (e aqui o governo entende essa luta pela sobrevivência como "ganância" - mas onde não há política, vale a lei do mais forte).
A meu ver, o esforço principal que precisa ser feito diz respeito a ampliar a possibilidade de vida útil dos espetáculos patrocinados. É muito trabalho, muito ensaio e muito esforço para conseguir abrir a lojinha, seja como dono, seja como ajudante de caixa. Lojinha que ianuguramos com a maior festa e em seguida fechamos como se não tivesse existido. Para inaugurar uma outra na esquina ali da frente (agora quem é o gerente e quem é o empregado?) e que sabemos que também vai falir na semana que vem. Que outro maluco faz isso?

segunda-feira, 13 de setembro de 2010

Foi-se o Jornal do Brasil.
Ainda tem um Jornal do Brasil on Line, está certo. Mas o JB que a gente comprava na banca (quer dizer, a gente não, eu já não comprava há tempos, mas alguns amigos meus ainda sim) este se foi. Ficamos com uma cidade de 12 milhões de habitantes e 1 único jornal de opinião.
Quando cheguei ao Rio, eu tinha 18 para 19 anos e o Jornal do Brasil mandava na inteligência carioca. Não tinha pra ninguém. E isso durou até os anos 80, começo dos 90, por aí.
O Macksen Luiz era O crítico de teatro da cidade. Era o que hoje a Bárbara é. Não tanto, porque a Bárbara é Globo e nada nem ninguém nem coisa alguma, nesse ou noutro Universo, pode o que pode a Globo. Mas antigamente, ele e o jornal dele faziam e aconteciam.
Era ruim, ou pelo menos eu achava ruim a crítica de teatro do Macksen. Ou nem ruim, nem boa, mas incompreensível. Com 18, 19 anos, acostumado pelos bons professores de Além Paraíba a ler e escrever cré com lé, eu nunca entendi porque aquele sujeito que não conseguia construir um parágrafo ou pelo menos uma frase que fizesse sentido, pudesse ser considerado O crítico do teatro carioca. Hoje entendo um pouco o fenômeno.
Em parte, entendendo o teatro se entende como se dá trela aos críticos do teatro. E, em parte, também entendendo a imprensa, a força da imprensa, o poder da imprensa. Ele era O crítico, principalmente porque escrevia para O jornal. Como hoje a Bárbara, como eu amanhã, como qualquer um de nós que trabalhar para quem manda. A serviço de quem manda, mandamos também, fazemos e acontecemos também.
Eis que um dia o Macksen chegou e foi por um tempo Editor do Caderno B (o caderno de Cultura do Jornal do Brasil) e eis que, depois de depois, o jornal dele acabou.
Para controlar a imprensa, e os males que a imprensa descontrolada pode causar (qualquer poder ilimitado é mau) só mesmo a própria imprensa. Nós, os governos, a OAB, Deus, ninguém pode com a imprensa. O combalido Jornal do Brasil era, pelo menos, uma simbólica piece de resistence que agora afundou. Ficou o outro, singrando absoluto pelo meio do Rio. Que desastre fechar assim o Brasil, ainda que pequeno, frágil e doente. Agora, os que não gostarem da Globo, escrevem cartas pra quem?