sábado, 11 de dezembro de 2010

MUDANÇAS DA LEI ROUANET e outro assunto

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Não estou tão por dentro como gostaria estar da Nova Lei de Fomento do Governo Federal (ainda será chamada de Nova Lei Rouanet depois de sancionada?). Mas vou estudar, vou estudar. Tenho aqui algumas dúvidas e comentários, talvez alguém também me ajude. Entendi a idéia de estabelecer faixas de patrocínio. Mas não sei se entendi tirarem a possibilidade da faixa de 100%. Imagino uns casos.

Uma hipotética atriz, muito famosa e com muitos bons contatos entre as empresas patrocinadoras de cultura, apresenta ao MinC um projeto para um monólogo que custa 1 milhão e meio de reais. Pela Lei atual, o máximo que o parecerista do MinC pode fazer, constatando que o projeto esteja (e estará) acima dos padrões aceitáveis para monólogos de atrizes famosas e bem relacionadas, o máximo que ele fará será cortar os itens que lhe pareçam superorçados. Digamos que ele corte 500 mil (números redondos, múltiplos de 5 e 10, facilitam as contas na cabeça das pessoas). O mais que o parecerista pode fazer pela regra atual é liberar o restante milhão para captação com isenção total para o patrocinador interessado. Desperdício de dinheiro público, seguramente.

O que muda na nova regra? Pela nova regra o parecerista (ou seu equivalente) não apenas poderá cortar os 500 mil do monólogo da atriz perdulária, como também autorizar para captação uma faixa inferior ao valor do projeto como ficou orçado (por exemplo a faixa mais baixa: 40%). A atriz sai do processo com uma autorização para captar 400 mil reais para montar o seu monólogo de 1 milhão e meio, e se vira pra conseguir o resto com os setores de marketing que conhece das empresas que gostam de patrocinar atrizes famosas (se de fato ela precisar do resto, mas algum jeito dará). O governo deixou de desperdiçar uma grana com este projeto absurdo. Ótimo. Até aí tudo bem.

Mas (e sempre há um “mas”) se ao invés de uma famosa atriz bem relacionada, fosse uma atriz desconhecida e sem nenhum conhecido nas empresas que patrocinam, com um monólogo na base dos 150 mil? Bom, pelas regras atuais o parecerista também o máximo que pode fazer é, verificando alguma incorreção ou imperfeição nos valores propostos, cortar as gorduras do pobre orçamento. Cortou 50 mil (para ficar na proporção com o da primeira atriz hipotética) e aprovou os outros 100 para captação integral. A atriz sai com a publicação do Diário Oficial debaixo do braço e vai à luta. Conseguirá os 100? Não sabemos. Como é desconhecida e não conhece ninguém (e supondo támbém que o projeto não siga o modelo de apresentação dos projetos em captação) o mais provável é que desista e que entre num edital dos que existem hoje e realize o projeto com o dinheiro que lhe derem. No entanto, e se aparece uma empresa disposta a bancar o valor total com isenção? Maravilha, ela pega os 100 e monta, com a graça de Deus. Mas...
Pelas novas regras não será mais assim. Pelas novas regras, mesmo que concorde com os 100 mil do orçamento (depois de cortada as gorduras) o parecerista do MinC (ou seu equivalente) só poderá aprovar até o teto de 80% do valor do projeto para desconto do patrocinador. Nossa atriz desconhecida produzirá com 80 mil mesmo que encontre alguém disposto a pagar os 100. Os 20? Vai para o brejo com os outros 50 que já tinham sido cortados lá atrás. Qual é a lógica? A lógica é que, de qualquer modo, é melhor do que produzir com a metade do que não produzir. É uma lógica, sem dúvida. Burra, mas é.

Por falar nisso, a nova Lei também deverá ampliar o dinheiro dos editais. Ou o número deles. Ou as duas coisas, pelo que eu entendi. Porque, se o dinheiro para aplicação direta do governo em projetos culturais vai aumentar (é o que garantem), o processo de concessão do benefício certamente continuará sendo o dos editais (alguém está interessado em rever a política de editais?). Bom, então para terminar, voltemos às nossas atrizes de antes, no mundo hipotético dos novos prováveis editais.

As perguntas finais (de hoje) são: a atriz famosa e seu projeto de milhão poderá recorrer aos novos prováveis editais para compor parte de seu projeto fabuloso? E, se puder (e quem dirá que não e por quê?) quanto poderá ela somar, com verba direta dos editais, aos 400 obtidos indiretamente? E a atriz desconhecida? Também poderá engordar o seu cofrinho desconhecido com a grana dos editais? E vão continuar concorrendo juntas no mundo dos novos editais quando no mundo das empresas e do marketing estão tão absurdamente separadas?



2.



Chegou ao meu conhecimento (eu também virei repórter e não revelo a fonte nem que me matem) que empresários paulistas do setor de teatro (São Paulo é tão diferente do resto do Brasil que possui empresários paulistas do setor de teatro) estão se rebelando contra os patrocínios obtidos através da Lei Rouanet (a atual). Segundo a fonte, os empresários produtores de peças estão dispostos a não receber mais patrocínio pela Lei Federal. Parece que um dos motivos mais fortes para o estranho motim (imagino um artista de Rio Branco lendo sobre isso) é a corrupção no setor de marketing ou coisa que o valha das empresas. Se minha fonte for confiável e se a notícia procede é realmente um escândalo. Sempre se falou (mas até agora ninguém provou, que eu saiba) que rola propina no mundo da intermediação dos patrocínios culturais. Mas que a coisa chegue a esse ponto é sinal de que o barco realmente saiu do controle. A corrupção é uma doença. Mas só quando vira endemia é que nos damos por fartos dela.

Pelo menos serve para que não nos esqueçamos de que corrupção não é sinônimo de poder público. Brasileiro botou na cabeça que só político é que recebe propina. Não é verdade. Estamos cheios de escândalos no setor privado também. É que, como sempre aparece um figurão de algum governo pra pegar um troco, ficamos com essa impressão na cabeça. Corrupção é uma cultura. Ou quebramos a corrente, ou faremos parte dessa cultura mais cedo ou mais tarde. Que os empresários revoltados não fiquem só na fase do beicinho e do “vamos trocar de mal”. Que denunciem e provem. Há muito dinheiro indo para o lugar errado na saúde, na educação, no esporte, na cultura, na alegria e na tristeza. Mudar a lei ajuda. Mas combater o meliante também faz parte de policiar.

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