domingo, 25 de setembro de 2011

ATORES

Ainda não sei a média de estréias do ano aqui no Rio. O mês que registra menos estréias de peças adultas até agora é julho, com 15 estréias. Os outros têm 17, 20, 23... Como só conto as estréias dos espetáculos para adultos (o jornal não dá as estréias dos infantis) e como julho é um mês de férias e como nas férias devem estrear vários infantis, não creio que, no geral, fique este mês longe daqueles outros no tocante ao número de peças novas que entram em cartaz na nossa cidade. Imagino que aconteça alguma coisa parecida com dezembro, quando a maioria dos espetáculos adultos dá uma parada ou acaba. Imagino, não tenho certeza. Um dia as conjecturas desse blog vão virar uma pesquisa de verdade e bem feita. Então saberemos.

Para não lidar com muitos números imaginários, já que eu realmente não sei nada dos infantis, vou botar uma média de espetáculos por mês qualquer, contando só os adultos que estréiam. Digamos os mesmos 15 de julho. Vezes doze são 180 espetáculos/ano. Até agora, na listinha que tenho feito, contei uns 250 títulos diferentes de peças em cartaz na cidade. Estamos no final de setembro. Quer dizer que pelo menos a metade disso é de peças novas. Então, ao longo do ano inteiro, não é demais estimar uns 360 títulos diferentes de espetáculos de teatro adulto acontecendo durante todo este nosso 2011.

Na minha listinha de 250 títulos adultos (que tem uma grande lacuna entre fevereiro e março, putz!, vai ficar assim por enquanto) conto 38 monólogos e 40 peças para dois ou três atores no máximo. Quer dizer que 30 por cento das peças em cartaz na cidade não têm mais do que três atores nos seus elencos. Calculando que as outras 70 por cento empreguem 4 e somando tudo, dá que o teatro carioca utilizou, até o dia de hoje, uns 900 atores nas suas peças para adultos. E empregará, até o final do ano, uns 1300, aproximadamente, continuando nessa mesma proporção.

Embora não tenha um número mais preciso dos infantis (quantos estréiam, com quantos atores e outras) dá pra fazer uma aproximação. Se o jornal estiver certo, há praticamente 1 espetáculo infantil na cidade para cada 2 adultos. Então é possível que os espetáculos infantis empreguem um número igual à pelo menos a metade do número de atores profissionais do teatro adulto. Alguém pode ponderar quanto a existência de uma certa população de amadores e estudantes nos elencos infantis. É provável. Mas também os infantis montam menos monólogos e peças com pouca gente. E mesmo considerando outro fenômeno, que na minha época era comum entre os atores, não sei se hoje ainda é, ou seja, de atores que marcam presença num espetáculo para crianças à tarde e noutro para gente grande de noite, dá pra botar aí uns 600 atores ao longo do ano, empregados em peças infantis.

Somando tudo temos 1900 atores circulando no teatro carioca este ano. Querem dois mil? Tudo bem vamos botar uns dois mil.

Agora o outro lado.

Uma única escola de teatro da nossa cidade, O Tablado, registrou para as suas 800 vagas no ano passado um total de mais de 1800 inscritos. Um amigo me disse que o SATED-RJ estimava, há uns cinco anos atrás, em 11 mil a população ativa de atores no Rio com registro profissional. E a Rede Globo de Televisão mantém uma relação de atores que conta com mais de 20 mil profissionais cadastrados (mas não em ativa, trata-se de uma espécie de “banco de atores”). Outra: circula uma antiga estimativa que considera em 500 o número médio de atores em atividade remunerada por dia no Rio (isto é, se você pensar exclusivamente no dia de hoje, haveria no máximo 500 atores efetivamente trabalhando no teatro, tevê, cinema e o escambau a quatro).

Seja lá como for, embora os meus números não sejam exatos, a realidade estimada é bastante contundente: ser ator no Rio de Janeiro de hoje é um susto, uma peregrinação, um perrengue. Há gente demais para trabalho de menos.

E ainda nem consideramos o seguinte.

Imagine que as peças nessa cidade ficam no máximo dois meses em cartaz (essa é a média). Imagine que a maior parte das televisões abertas contrata por seis a oito meses e a cada não sei quantos anos. Imagine que um filme paga um mês de trabalho e olhe lá. Imagine as tevês a cabo e mídias alternativas não garantem três meses de trabalho. Você passa, portanto, ator, a maior parte do seu ano sem trabalhar. É fato. E a remuneração?

A maior parte dos atores brasileiros que consegue trabalho consegue este trabalho fazendo teatro. As emissoras de televisão também empregam bastante gente. Mas o teatro carioca usa uns 2 mil atores/ano e o teatro paulista usará entre 3 a 4 mil. E quantos atores trabalham nos outros estados brasileiros? Ainda que se esforçassem muito, e este não é o caso, as emissoras de tevê não empregariam tanta gente. O teatro é uma possibilidade de se produzir com menos dinheiro e os atores podem tentar se virar por aí. Mas o que se ganha é pouco. Mesmo no melhor dos cenários, isto é, num grande espetáculo com um patrocínio polpudo, se a peça sair de cartaz entre a trigésima segunda e a trigésima sexta sessão, como muito acontece, como viver o resto do ano? Pagar as contas, as prestações, o plano de saúde?

Parece haver uma tendência no Ministério da Cultura em considerar o teatro como um tipo de “evento”. Devido a que as peças não duram mesmo e que os patrocínios são dados como se fossem para uns shows e coisas do gênero, que duram pouco e (ao contrário dos shows) nem têm tanto público assim. Pode ser por isso que se pulveriza o (ainda escasso) patrocínio, para fazer cada vez mais peças com menos dinheiro possível. É um tipo de pensamento que transforma a conseqüência em causa, sem se perguntar por que tudo isso começou, como chegou a esse estado e se isto é, de fato, o natural da coisa. Pior ainda somos nós, atores e produtores, que consideramos boa a condição de produzir com trinta tostões (já que em todo caso, quando há patrocínio, “não é dinheiro nosso, é do governo”) vender a cinco merréis e mostrar a cara para nossos amigos e amigos dos nossos amigos que, de resto, nem ingresso pagam.

Alguém parece ter esquecido que as platéias de teatro se formam ao longo do tempo. Que uma peça precisa existir durante várias temporadas para consolidar seu público, sua importância, seu sentido enquanto empreendimento. As políticas de cultura precisam pensar nas enormes massas de atores desempregados, de onde vêm e o que as torna tão comuns no cenário urbano moderno.

Plantar teatro não é exatamente como pescar. Não dá para esperar o tempo da desova. Ou se há desova no Rio, é preciso deslocar a pescaria para outro lugar. Não é um esforço que dependa somente dos governos, é bem verdade. Os milhões de pescadores, entre empregados e desesperados, também podem, ou deveriam, contribuir com a nova política de arrecadação e distribuição do pescado. Para isso, um primeiro passo poderia ser a desmistificação da profissão de ator. Não é verdade que somos todos lindos e que ganhemos milhões. E nada garante que vamos ganhar amanhã.