terça-feira, 28 de julho de 2015

EDITAIS, SEMPRE OS EDITAIS

Mais um edital que se vai, agora o de Fomento da Prefeitura do Rio e o mesmo choro e ranger de dentes dos que não foram contemplados (inclusive eu) - "Carta marcada!! Isso tudo é carta marcada!!" Ou então - "Por que são sempre os mesmos que ganham?" Ou - "Quem é essa pessoa que ganhou isso aqui e o que ela já fez?" (...)
É complicado, bem complicado. As afirmações raivosas diante dos resultados só simplificam o problema. O problema é bem maior. Já disse aqui e repito que não gosto dos editais. A política dos editais não é exatamente uma política, é uma forma que o governo, e a seguir as empresas, acharam para justificar a distribuição da verba pública, dando ao processo uma forma "transparente" e "democrática". Que de resto não tem nada de um aspecto nem de outro. Não é "transparente" porque as comissões que julgam na maioria das vezes ficam escondidas até depois dos resultados e o processo de seleção não é público (e como seria público o processo de ler e julgar milhares de projetos todos os anos?) e por aí vai. Nem "democrática" porque a discussão dos critérios de seleção não foi feita com a comunidade artística como um todo e muito menos é avaliado e reavaliado periodicamente por essa mesma comunidade. Para citar só uns poucos problemas dos editais. Que fazem deles um grande e emaranhado e complexo negócio que poucos especialistas podem decifrar. Justamente os que "ganham todos os anos" ou todos os demais que "ganham sem merecer". Com critérios pouco claros, grana reduzida (esse ano a Prefeitura do Rio tirou uns bons milhões do bolo pra piorar), diante de uma avalanche cada vez maior de projetos (ainda mais em tempos bicudos, quando o teatro se torna a tábula rasa de salvação dos artistas), fica difícil não discordar dos resultados quando se perde, ou se imiscuir das discussões, quando se ganha. Enquanto os critérios de seleção não forem discutidos antes da elaboração dos editais e enquanto o julgamento dos projetos não for tornado público, tudo nebuloso continuará sendo e solução não há. Se é que há salvação para os editais. Uma fórmula de todo modo velha, que servia a um tempo com menos projetos que hoje e apenas para a ocupação de uns tantos teatros públicos, tomada de empréstimo para a distribuição dos recursos de patrocínio. Que joga na mesma disputa todo mundo, os que brigam por muito e os que bastava um pouco para não morrerem de fome. Política de verdade se poderia fazer orientando as verbas de acordo com os nichos de produção tais como são, enfrentando as idiossincrasias e todas as dificuldades de se lidar com a produção de teatro (essa incógnita permanente) e com a classe dos atores e produtores (esse imbróglio que nem Deus se atreve). Mas isso seria pisar em calos, provocar muita celeuma, abrir a caixa preta dos governos e das verdadeiras intensões das empresas quando escolhem apoiar este ou aquele,  esse ônus ninguém quer pagar. Nem os que têm, nem os que pretendem se utilizar da grana. Estes então, que somos nós, muito nos custa pensar e discutir nossa própria história e destino. Que nos é mais confortável bradar o "sempre os mesmos! sempre os mesmos!", fazendo figa para que amanhã esses mesmos sejamos nós.

terça-feira, 10 de fevereiro de 2015

Tempo para o Ministro e o Presidente

Então. Uma pausa nas minhas digressões para uns cometários rápidos.
Uma entrevista com o Ministro da Cultura no Globo, sábado passado. A certa altura o Ministro diz ali o que todos sabemos sobre a concentração de dinheiro da Lei Rouanet no eixo Rio-São Paulo. Que 80% da grana fica aqui. Ora, falta nesse tipo de declaração deixar claro o seguinte (não sei se o Ministro não se deu conta disso ou se é uma questão de edição do texto da reportagem). Falta dizer que desses 80% que ficam e são gastos ou pelo menos capitados aqui, entre a ponte Rio-Niterói e o Terminal do Tietê, outros 80% vão para a mão de três ou quatro produtores. Mas é claro que o Ministro sabe disso, sabe, já saiu isso num relatório mais ou menos recente do próprio MinC. Por isso desconfio que possa ser um problema de edição no texto da entrevista, ou lapso de quem é entrevistado, ou de quem perguntou. Seja como for, é preciso ser dita verdade completa e repetida. A meia-verdade é uma quase mentira. Podiam inclusive divulgar o nome dos poucos produtores que levam a maior parte do dinheiro da Lei Rouanet e para que produções eles o levam, esses dados são públicos, estão no Diário Oficial, um pouco de tempo e paciência e se consegue isso. Seria bom, são empresas de produção cultural onde se pode ou se deveria estar procurando emprego, se você é ator, por exemplo. 
Do jeito que a questão está colocada é injusto com os pequenos e médios produtores paulistas e cariocas. Estes estão numa pindaíba tão grande quanto qualquer produtor do Piauí. A diferença está que os governos municipais e estaduais de Rio e São Paulo despejam mais dinheiro na cultura que o de Teresina. Então, pequenos e médios projetos acabam saindo aqui e lá não. Mesmo assim uma parcela muito pequena. O Ministro mesmo, na mesma entrevista, lembra que a maioria dos projetos que recebem o certificado do MinC não saem do papel. Pra isso ele quer mudar a Lei, para que fique 20% do dinheiro dos projetos capitados nas grandes praças para o Fundo Nacional de Cultura, para serem utilizados nos projetos  que as grandes empresas não patrocinam - ou não nos projetos que as grandes empresas não patrocinam, mas naqueles que o MInistério houver por bem apoiar. Se o assunto não fosse sério eu faria uma piada. A piada que eu faria seria dizer que o Ministro quer fazer política cultural com 20% do dinheiro dos grandes musicais do sudeste maravilha. 

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Também vi a entrevista do novo Presidente da FUNARTE no GGN. Além do fato, preocupante, dele dizer que não entende nada de teatro e que essa "é uma área muito dependente das subvenções" (não as retire, presidente, de nós, por favor) tem também a mesma ladainha do repórter que pergunta sobre a concentração de renda no Rio de São Paulo e ele que responde com o discurso da "democratização dos recursos". Mesma coisa. Faltou dizer (mas ele não sabe, então digo eu) que a concentração perversa não está na mão dos produtores cariocas e paulistas, como um todo, a maioria anda de pires vazio que nem os colegas do sul, do nordeste e do norte. A concentração perversa é na mão de alguns caras. Dizer que existem mais empresas patrocinadoras aqui do que em outras regiões não resolve. O problema é se fazer a pergunta: por que todas essas empresas patrocinadoras escolhem tanto as mesmas parceiras pra patrocinar? Já que o Presidente está procurando ajuda para entender o mecanismo de produção do teatro, pode começar procurando pessoas que respondam, com imparcialidade, método e seriedade a esta simples pergunta. Lembrando, senhor Presidente, que estamos aqui lidando com uma grana que não é aquela que os produtores de teatro (e isso todos, os concentradores e os outros) gostariam de ter à disposição. Então, enquanto não se aumenta o bolo, os critérios na divisão do bolo existente é que estão em questão. Se meia dúzia ficam com a maior parte, o que sobra para os outros é o pouco do pouco, vivam eles no Rio, em São Paulo, em Caxias do Sul ou seja lá onde for. Ah, mas não podemos ficar na mão das preferências das grandes empresas. Mas nunca educaram os diretores de marketing, que eu saiba. Que teatro pra eles é o que faz o galã da novela das oito enquanto não está na próxima novela das oito. Uma coisa assim. A passagem da época das produções a fundo próprio para as produções incentivadas não teve uma preparação e uma educação dos diretores de marketing das grandes empresas. Se o Presidente da FUNARTE, que assume um cargo dessa importância, admite que não entende picas de teatro, o que entende o diretor de marketing da Votorantim? (Desculpe-me senhor diretor de marketing da Votorantim, talvez o senhor entenda mais de teatro do que eu e sabe que é piada esse negócio do galã de novela, etc, apenas precisei de um exemplo, um nome de empresa e me ocorreu a sua, o que não é mal de todo, do ponto de vista estrito do marketing, admitamos).

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Enquanto isso, mal compreendido ou incompreendido, o teatro continua se produzindo, aqui no maravilhoso sudeste no maravilhoso e ensolarado Rio de Janeiro. Duzentas estreias por ano. Estreias, peças novas, não estou falando de reestreias e continuidades (aliás, o que é mesmo continuidade em teatro?). Quantas peças não estreiam todo ano na São Paulo sem água? São Paulo é um mundão, imagina. Nesse mês de janeiro tivemos uma semana aqui carioca 92 peças em cartaz, segundo a minha fonte não totalmente confiável da Revista Programa do Globo (não totalmente confiável porque é uma fonte só, que sai apenas às sextas-feiras, que não trás todas as peças da semana - há peças, senhor Presidente, que se apresentam fora dos finais de semana - e que eventualmente omite uma produção ou outra, especialmente as infantis). 92 é um número das melhores semanas de março dos melhores anos, nos últimos 5 anos. Mas no geral a produção não parece ter aumentado nem diminuído significativamente no Rio nesses últimos 5 anos. Pergunto para o Ministro, para o Presidente, para os Secretários todos de Cultura no período: o montante investido - aumentou significativamente no período? Ou diminuiu? Quem aumentou mais, o Governo Federal, o Estadual ou o Municipal? A resposta a essa pergunta, se o número de peças continuou o mesmo (SE continuou, o que precisa ser verificado por um pesquisador mais profissional do que eu) revelará mais sobre a concentração de renda também (porque são os mesmos grandes produtores culturais que pegam os maior capital há anos; e não é só o teatro e a Ancine sabe disso também).

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Para terminar. Parece que estou defendendo que os grandes produtores não comam tanto. Não, não. Podem comer, se há apetite e se não passam mal depois e se há gente para consumir os seus grandes espetáculos, que comam. Mas que venham outros e que também tenham o seu lugar à mesa. Vamos abrir esta mesa. E botar mais umas cadeirinhas aqui e ali. Há um povo (de norte a sul da nação) recolhendo só as migalhas, só as migalhas. 
Nós temos duas saídas: aumentar o bolo e os alijados do processo terem a sua vez e voz na produção do teatro nacional (e é o que todos tentamos, juntos, há anos, e não conseguimos). Mas aí segurando a onda dos grandes produtores para que não entrem com a mesma sanha nos outros 80% dos novos 100%, não com o mesmo apetite de agora (ou o remédio não cura ninguém). A outra solução é explicar ao novo Presidente como funciona o teatro, dizer ao Ministro que não é assim que a banda toca, e resolver junto com eles e entre a gente, conversando, confiscando e redistribuindo as fatias. Tirando de fato uma parte dos ricos (da nossa região) para dar aos pobres (mas aos pobres de todas as regiões, inclusive a nossa).