quinta-feira, 23 de junho de 2011

A QUESTÃO DA QUALIDADE

Respondendo à segunda questão, de M.S. do Rio de Janeiro, que pergunta sobre a qualidade dos espetáculos, se perdemos as referências, que ele mesmo não sabe mais quando um ator é bom ou não é bom...


Acabei demorando mais do que pensava a continuar com esses últimos assuntos. Normal. Estive (e ainda estou) às voltas com a nova temporada de LINDA, no Teatro dos Quatro, tentando colocar gente lá pra assistir às terças e quartas, às 19 horas. Não é uma tarefa nada fácil. NINGUÉM mais vai ao teatro às terças-feiras, quer dizer, como parte do hábito de ir ao teatro. É quase impossível. Às quartas ainda tem um e outro, mas mesmo assim... Não faz muito tempo as pessoas viam peças de terça a domingo no Rio de Janeiro. Claro, era tudo muito diferente, parece. Tinha menos peças, os atores ganhavam menos, os produtores pegavam dinheiro emprestado em banco pra produzir e pagar depois... Mas, de trinta, vinte e cinco anos pra cá as terças caíram. E depois caíram as quartas também (em São Paulo já quase não se faz teatro às sextas, quero dizer, uma temporada de sexta a domingo em São Paulo é difícil de se encontrar). Mais tarde, com o número de espetáculos aumentando, outras peças acabaram ocupando esses antigos horários – que viraram os horários alternativos. Mais ou menos assim que se sucedeu, me corrijam os que sabem mais.

Então este hábito de ir ao teatro no meio ou no começo da semana se perdeu e hoje é uma lenha um pequeno produtor convencer algumas pessoas a ver seu espetáculo numa terça ou numa quarta num teatro da zona sul carioca. Claro, se eu fosse um artista famoso seria um pouco menos difícil. Mas mesmo assim. Um artista famoso não praticaria o meu preço, não se conformaria com apenas dois dias também. A favor do artista famoso na terça e na quarta apenas que a mídia lhe renderia um pouco mais de atenção. Todos os cadernos de cultura, rádios, tevês, etc. estão com seus olhos voltados para a cidade do fim de semana, enquanto a cidade da quarta, das terças e das segundas, fica por aí, ao léu. Agora, se os produtores em geral, mesmo os grandes, já reclamam do pouco espaço para o teatro nos meios de comunicação em relação às suas temporadas de fins de semana, imagina nós outros, ali, entre outros tantos alternativos das terças cariocas.

E a terça não é má, sabiam? É mais fácil chegar e sair de um teatro na terça do que na sexta, por exemplo. Aliás, na sexta está ficando impossível. Os produtores, programadores culturais, o secretário de cultura, ministros e outros, deveriam repensar a estratégia de distribuição da população das grandes cidades pelos pontos de cultura e diversão às sextas-feiras. Poderiam estimular a freqüência intra-bairro, o uso do transporte coletivo, rever os horários dos eventos, etc. Porque, já a partir do final da tarde e até não sei que horas da noite, a cidade simplesmente dá um nó e ninguém vai a lugar nenhum. E não é só na zona sul não, é em qualquer região, qualquer região. Confiram os borderôs. Há anos que as sextas-feiras são ruins para o teatro carioca. Já há peças por aí fazendo temporadas à paulista, de sexta à domingo. Eu sugiro que incluam a quinta e pulem a sexta. Ganhariam mais.

Mas era pra responder à pergunta do colega acima, comecei a falar da minha peça, enveredei por essa história de dias e horários e não parei mais. Ok, vou lhe dar alguma atenção no espaço de tempo que me resta (preciso voltar ao telefone e às Redes Sociais para tentar convencer umas tantas pessoas, na marra, a assistir o meu singelo espetáculo na Gávea).

A pergunta do meu amigo sobre a qualidade é porque temos chamado a atenção aqui para um possível aumento descontrolado no número de espetáculos na cidade, que poderia estar diminuindo o cuidado com a qualidade do que está sendo produzido. Meu caro L.S., não há como garantir uma relação de simples causa e efeito entre as duas coisas. Há temporadas boas e más, em termos de qualidade, alternando-se ao longo do tempo em todos os lugares do mundo. Um ano vamos bem, surge um movimento, um artista importante, uma peça nova, uma interpretação brilhante. Outro ano vamos seguindo a viagem sem nem olhar pela janela porque a paisagem não é nada atraente. As coisas são assim e não parece que, a não ser que surja uma outra renascença, deverá ser muito diferente no futuro. E isso não parece estar diretamente relacionado ao número de peças de teatro que se faz por aí. Claro, deve ter havido um aumento no número de espetáculos de oportunidade. Sem dúvida a indústria do patrocínio fomentou o surgimento de uma classe de espetáculos feitos com o único propósito de garantir uns salários e umas tantas comissões aqui e ali. Mas também é possível que muitos artistas envolvidos nesse tipo de empreitada houvessem por bem lhes garantir um mínimo de qualidade e substância artística. A meu ver o problema com o aumento na produção de peças é parecido com o aumento da população sem que se cuide, ao mesmo tempo, da infra-estrutura necessária para abrigar, alimentar e prover as novas populações de um mínimo de condições de subsistência. Este é que é o ponto.

Se as peças são boas ou não, é um pouco menos importante. Há, nos Guias Offs de teatro no Rio e São Paulo uma interessante introdução alertando que o espectador poderá, eventualmente, errar na escolha das peças que vai assistir (supondo que ele assista a mias de uma, claro). Mas está certo esse sujeito, isto faz parte da coisa. Como às vezes pagamos para ver um grande espetáculo de futebol e assistimos a uma pelada e nada mais. Porque mesmo os melhores espetáculos da cidade têm seus dias ruins, quando o ator principal não acerta uma única nota ou a bailarina tropeça na segunda cena. E, por outro lado, peças ruins também podem nos apresentar a um ator brilhante que ainda não conhecíamos ou nos revelar outros valores quaisquer. Além daquela velha discussão do que é bom para um não ser para outro e por aí vai.

O problema é não podermos ver todas essas peças e compará-las. O problema é elas não sobreviverem o suficiente para que as vejamos e para que possamos confrontar nossas opiniões sobre todas ou pelo menos sobre a maioria. Que não existam estradas que nos levem até elas, médicos que as prescrevam a nós com segurança, televisões e rádios e jornais e revistas que as divulguem, críticos que as critiquem, e, pessoas, muitas pessoas, que as assistam conosco todos os dias, de segunda a segunda, ou até que fiquemos cansados.

Quanto à qualidade dos atores, não se preocupe, eu também não sei.