Quase todo o dinheiro que produz teatro hoje, no Brasil, vem das Leis de Incentivo Fiscal. A Lei Rouanet, do governo federal, é a principal delas, mas existem muitas assemelhadas estaduais e municipais por aí. Todos sabemos como funcionam. Os governos disponibilizam parte da grana devida de impostos de empresas interessadas que, em troca, aparecem nos materiais de divulgação dos espetáculos como patrocinadoras do evento.
São as empresas que decidem que espetáculos devem patrocinar e por quanto. Em geral os governos se limitam a balizar o processo burocrático e a controlar a forma, o tamanho e o local para a exibição de suas logomarcas.
A Lei Rouanet descarrega a maior parte dos recursos federais em espetáculos produzidos no Rio de Janeiro e em São Paulo. Como está a cargo das empresas a decisão sobre o que e a quem patrocinar, e como o interesse da maioria delas é pela divulgação das suas marcas e produtos, elas priorizam espetáculos e eventos com maior potencial de mídia. Desse modo, a maior parte do dinheiro público vai para produzir peças capitaneadas por estrelas da televisão.
Para minimizar os efeitos dessa concentração de renda, algumas empresas e o MinC criaram editais, para os quais podem concorrer espetáculos feitos por artistas comuns e em regiões do país fora do eixo principal de produção. Mas, como o montante distribuído através dos editais é muito inferior aos recursos obtidos diretamente pelos produtores a que me refeiro acima e como esses mesmos produtores também se candidatam aos editais, o governo cogita fazer mudanças na própria Lei. Para o governo, é preciso flexibilizar a Rouanet (e as outras Leis de Incentivo seguiriam este mesmo caminho) como forma de combater a "ganância" de meia dúzia de produtores de teatro no Brasil.
Com a Lei Rouanet, os editais e as demais Leis de Incentivo Fiscal, o teatro brasileiro passou a receber verbas de produção numa quantidade sem precedentes na sua história. Atraídas pela dedução de impostos, as empresas tradicionais de apoio ao teatro puderam multiplicar o volume dos seus recursos de patrocínio e muitas outras empresas acabaram sendo atraídas para este mercado. Esse aporte de verba e sua subsequente concentração provocou um paulatino encarecimento nos orçamentos dos espetáculos. Todo mundo quer tirar sua lasca na grana que aparentemente abunda (obs: o dinheiro ainda é pouco, a impressão de abundância é uma ilusão derivada da concentração de renda). Produtores e agenciadores, artistas, prepostos das empresas (que em muitos casos cobram "comissões" pelo patrocínio), técnicos, fornecedores, agentes de mídia, etc., todos contribuímos para o encarecimento das montagens. Mesmo com a economina estabilizada e a inflação sob controle como na Europa, os orçamentos das peças de teatro no Brasil não cansam de aumentar.
Aqui alguns atores e técnicos poderão se queixar de que continuam ganhando pouco pelo seu trabalho. Meu conselho: consultem os Diários Oficiais onde estão publicadas as aspirações a patrocínio dos seus empregadores. Os orçamentos médios já saíram da casa dos 350 para os 450 mil. Há monólogos com pretenções a patrocínio acima do meio milhão de reais.
O fenômeno curioso é que os governos, que liberam as verbas de produção, querem, como contrapartida (e de modo justo, a meu ver) limitar o preço dos ingressos como forma de ampliar o acesso aos espetáculos para pessoas das mais diversas camadas sociais. Já que o dinheiro é público, que venha o público. Assim, vemos abundar (agora sem ilusão) ações de estímulo ao barateamento dos ingressos, com a crescente ampliação do benefício das meias-entradas e a criação das chamadas "Contrapartidas Sociais". O resultado? A conta não fecha.
A manutenção em cartaz de um espetáculo ao preço dos nossos novos espetáculos públicos (mantendo os ganhos do período de produção para os principais nomes da ficha técnica) e com o valor médio do ingresso cobrado atualmente é tudo, menos possível. A primeira saída, engordar os orçamentos com um adicional para o tempo em cartaz, aumenta a conta do governo até um nível que, pelo menos por enquanto, não pode ser alcançado. A outra saída é o monstro com o qual temos que aprender a lidar: é produzir espetáculos para temporadas cada vez mais curtas, enterrá-los, e correr atrás de um novo patrocínio de produção. Assim é que se explica que, numa cidade como o Rio de Janeiro, a cada três ou quatro meses, vejamos substituidas praticamente TODAS as quase 90 peças de teatro em cartaz por semana (incluindo as infantis e infanto-juvenis). Por aí também fica mais fácil entender porque os elencos dessas mesmas peças estão cada vez menores.
O fenômeno perpassa toda a produção. Atinge famosos, não famosos, ricos e pobres, semi-amadores e profissionais (cada um dentro dos seus limites de orçamento). E só faz aumentar a concentração de renda, porque quem tem acesso à fonte tem cada vez mais sede (e aqui o governo entende essa luta pela sobrevivência como "ganância" - mas onde não há política, vale a lei do mais forte).
A meu ver, o esforço principal que precisa ser feito diz respeito a ampliar a possibilidade de vida útil dos espetáculos patrocinados. É muito trabalho, muito ensaio e muito esforço para conseguir abrir a lojinha, seja como dono, seja como ajudante de caixa. Lojinha que ianuguramos com a maior festa e em seguida fechamos como se não tivesse existido. Para inaugurar uma outra na esquina ali da frente (agora quem é o gerente e quem é o empregado?) e que sabemos que também vai falir na semana que vem. Que outro maluco faz isso?
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