domingo, 31 de outubro de 2010

Ilações e números

De uns anos pra cá comecei a me interessar pelos números dos borderôs das minhas peças e, também, por outros números relacionados ao teatro ou à produção de teatro. Hoje, me arrependo de não ter começado antes com essa minha mania. Poderia saber mais coisas sobre o teatro de hoje se soubesse com mais exatidão como ele era feito há vinte anos atrás. Guardo memórias, é claro. Mas os números, nem que fossem apenas os meus e os dos meus amigos mais próximos, me fazem falta.


Porque faz falta saber com um pouco mais de exatidão de onde viemos e como chegamos ao estado de coisas que vivemos hoje. Podemos estar repetindo experiências inúteis. Também podemos não ter enxergado, em algum lugar do passado recente, algum caminho (se é que existiu) mais adequado a seguir do que este que trilhamos hoje.

Em pouco menos de 20 anos deixamos a era dos produtores para viver a realidade da subvenção pública. De um punhado de agentes endividados, agora somos muitos e reclamamos do governo.

Como se deu essa mudança de sistema? Quais as suas causas e o que isto aponta para o futuro do teatro no Brasil? Pesquisar a história recente do teatro pode ser importante para compreender o que se passa hoje com o nosso mecanismo de produção. Mas, se em nosso país, mal sabemos da história antiga e que já está nos livros...

Tenho seguido a produção de teatro no Rio pelos tijolinhos do jornal de domingo. É um expediente amador e impreciso, mas projeta um cenário um pouco mais real do que pura e simplesmente elucubrar.

Nas últimas 11 semanas estrearam em média (entre sexta e domingo) cerca de 5 espetáculos de teatro profissional adulto nessa cidade. Para um ano de 10 meses (vou ignorar no meu cientificismo amador o fim do ano e o carnaval) com meses de 4 semanas cada um (danem-se igualmente os meses de 5 semanas) estimo que estreamos pelo menos 200 espetáculos em 2010. Usando essas mesmas 11 semanas como referência e sabendo que a média desses espetáculos por final de semana está em torno de 40 (na verdade 43) peças em cartaz, temos que a temporada carioca se renovou 5 vezes ao longo deste mesmo ano. Ou seja, cada peça ficou em cartaz até 4 semanas no máximo, isto é, durante no máximo 2 meses (números médios, é claro, deve haver algum sucesso de anos em cartaz – qual?).

Não sei se a matemática ou a arte da estatística me autorizam a fazer o tipo de projeção que eu fiz. Também não sou capaz de afirmar que 200 novos espetáculos por ano seja um número alto ou baixo demais para uma cidade do tamanho do Rio de Janeiro (e como será este fenômeno em São Paulo? E Curitiba?). Mas penso que, se não é a verdade que as peças ficam 2 meses em cartaz, a verdade deve ser alguma coisa perto desta mentira. Mentira que nos leva a novas ilações e questões. Pois vamos lá.

Que espetáculo mantém o seu nível de investimento público (porque vivemos de dinheiro público) nas oito semanas de vida que lhes damos? Talvez um peça que cobre um ingresso de 100 ou 200 reais. Mas esta peça não existe. Ora, se os governos investem a fundo perdido no teatro (justa medida, é o papel dos governos, não se discute) que ações estamos adotando para esticar a vida útil dos nossos espetáculos e garantir a sobrevivência de seus artistas e técnicos ao longo dos meses do ano quando não estaremos em cartaz? Ora, sempre poderemos trabalhar em outras peças ao longo do período, com tal rotatividade de espetáculos. Será? É isto o que acontece atualmente? Trocamos de peça como quem troca de camisa – está fácil assim? E quantos espetáculos, dessas 200 estréias, contam com mais de 5 atores no seu elenco? Ora, sempre poderemos ir trabalhar na televisão – já que somos muitos, estamos desempregados e ganhamos pouco e a televisão pode suportar uma parte dessa mão-de-obra. Mas aí estaremos resolvendo um problema da televisão. E o nosso, quem resolverá?

Isso para não falar do público, do repertório, da crítica... Na semana passada tratei aqui de um espectador hipotético que tentasse assistir a todos os espetáculos em cartaz no Rio de Janeiro. Muito bem, agora sabemos (ou achamos que sabemos) que esse hipotético cidadão, adulto e que só vai ao teatro entre quinta e domingo, tem 200 peças novas para assistir ao longo de uma temporada. A 10 pratas o ingresso (ele paga meia!) nosso amigo precisa desembolsar 2 mil reais para ver todas elas. Se tiver o dinheiro (o abençoado cidadão – de classe média!) também precisará ser dois. Com 5 estréias por semana, ele vai ter que assistir a pelo menos duas peças num mesmo dia e num mesmo horário para cumprir a missão que lhe dei. O que leva a crer que, se há público para todas essas peças, é porque não há mesmo apenas um público para o teatro carioca, mas vários. O que também sugere que nenhum crítico é capaz de assistir a todas as peças que precisa criticar durante o ano.

Agora chega um pouco de números. Na semana que vem falaremos de outra coisa. Mas em tempo – os editais pululam. E o MinC acabou de lançar um que injeta 10 milhões e 800 mil para produções de teatro, dança e circo. Há faixas de 100, 150 e 200 mil reais para contemplar 82 produções por todo o país.

segunda-feira, 25 de outubro de 2010

Público (2)

Essa semana eu queria variar outra vez de assunto, mas o assunto “público (espectadores/platéia)” ainda merece ser muito comentado. Algumas questões da semana passada foram só roçadas de leve, de outras coisas relacionadas ao tema nem sequer um pouco falamos, enfim, acaba que vou ficar mais um tempinho por aqui hoje também. Há muito que se dizer sobre esse assunto. Sobre isso das pessoas para quem fazemos as peças e o que essas pessoas pra quem fazemos as peças acham do que estamos fazendo. E se estamos mesmo nos dirigindo a quem pensamos que estamos nos dirigindo ou a quem. Afinal, sobre isso que, nesse tempo dos projetos incentivados e dos editais, virou o tal do “público alvo”?

Eu tenho ido com relativa freqüência ao teatro. E, de uns tempos pra cá, tenho notado que as salas andam mais ou menos cheias. Talvez eu esteja dando sorte e esteja indo às peças nos dias em que elas enchem de gente. Mas os artistas com quem converso não estão reclamando tanto da falta de público quanto a uns cinco, seis anos atrás. De uns três anos pra cá então, a impressão é que tem melhorado muito. Parece que as pessoas estão com um pouco mais de dinheiro para ir ao teatro. Ou o preço dos ingressos deve estar  mais baixo para elas, em relação a temporadas passadas. Com certeza, as duas coisas.

Também pode ter diminuído a oferta de peças e de sessões e isso concentra mais gentes nas sessões e peças que sobraram. Apesar de nos meus comentários aqui eu estar sempre chamando a atenção para a quantidade de projetos e de espetáculos em cartaz na cidade (e no país) não estou certo de que haja muito simples estabelecer a relação entre oferta e  demanda no teatro. Essa me parece uma equação bastante complexa. E é preciso um estudo criterioso para tentar saber como se dá essa relação exatamente.

A minha impressão (baseada nas poucas pesquisas sobre o público de teatro que conheço) é de que há “nichos” de público e de que o aumento da oferta de espetáculos em cartaz não se dá na mesma proporção para todos eles. Numa mesma época, podem faltar peças para alguns e pode faltar público para outros. Por exemplo, poderia estar havendo um aumento na produção de musicais, atraindo um público que antes não tinha onde assisti-los e uma diminuição na quantidade de espetáculos de vanguarda. que estaria concentrando em menos sessões as platéias que curtem esse tipo de peças. Nos dois exemplos, a impressão que se tem é a mesma: aumento de público. No entanto, não é exatamente o que está acontecendo.

No caso das peçasde vanguarda (atenção, são exemplos fictícios, não há base de dados para isso) a diminuição do número de espetáculos concentra o público e o fenômeno poderia ser facilmente percebido dividindo-se a quantidade de espectadores pelo número de sessões oferecidas por temporada. Já a relação entre aumento do número de musicais e as suas platéias é mais complicada.

Não sabemos se o público dos musicais a) vai a todo o tipo de espetáculos e, quando não há musicais em cartaz, assiste a outros tipos de peças; b) assiste apenas a musicais e, quando não há um deles em cartaz, não vai a teatro nenhum. Se a nossa resposta for a da letra “a”, significa que não há um aumento real no número de espectadores – haveria, na realidade, um deslocamento para os musicais das platéias de outros tipos de espetáculos que, ou estão deixando de assistir a outras peças e causando um refluxo em outros borderôs (má notícia para os produtores), ou estão acrescentando os musicais ao seu cardápio de peças, e gastando mais para ir ao teatro (boa notícia para os produtores). Já no caso de a resposta ser “b” pode significar que sim, existe um aumento real de público quando há musicais em cartaz (embora não seja fácil convencê-los a assistir também a outros tipos de espetáculos).

Mesmo trabalhando com hipóteses sem base científica como essas, acho que dá para se perceber o quando importante pode vir a ser um estudo sobre as platéias de teatro no Brasil hoje. E, se considerarmos o fato de que as verbas de produção são na maioria das vezes públicas, um estudo como esse também pode embasar as políticas de governos.

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Com ou sem o meu propalado aumento de público, uma queixa recorrente em qualquer discussão sobre o teatro hoje, diz respeito ao valor baixo dos ingressos praticados nas nossas bilheterias. Se o público está mais endinheirado ou não, o fato é que para os produtores e artistas o preço médio dos ingressos está perigosamente mais barato a cada nova temporada. As maiores causas deste fenômeno são duas e bem conhecidas de todos nós: o grande número de cortesias e, principalmente, o aumento percentual no número de meias-entradas.

As cortesias sempre foram um problema para os produtores de teatro. É conhecida a antiga frase atribuída a Cacilda Becker “não me peça de graça a única coisa que eu tenho para vender” (não é exatamente assim, mas o sentido é esse). No entanto, se o apelo da atriz terá dado algum resultado para os anos 50-60, meio século depois todos já nos esquecemos disto e o número de cortesias aumenta todos os dias.

Há sempre um número de amigos de pessoas ligadas aos espetáculos para os quais reservamos convites ao longo das temporadas das peças. Também permutamos cortesias com apoiadores em troca de materiais e serviços que barateiem os custos de produção. Há ainda as cortesias para a imprensa e outras que são consideradas importantes no processo de divulgação do espetáculo e da sua manutenção na mídia. Além disso, patrocinadores podem exigir cotas de ingressos gratuitos para seus funcionários/clientes como contrapartida para a sua renúncia fiscal. E, por fim, os governos estimulam a reserva de cortesias (e até de sessões gratuitas) para estudantes e outros, com o mesmo argumento de contrapartida pelo investimento do dinheiro dos impostos no teatro.

De qualquer modo, um produtor “linha dura” em uma peça de sucesso talvez consiga manter o seu percentual de convidados em aceitáveis (mesmo que insuportáveis) 10-12% do bruto. O que nenhuma produção consegue resolver, no entanto, é a subida avassaladora do número de meias-entradas nos últimos anos.

Não conheço pesquisas genéricas, mas tenho meus próprios borderôs e os de muitos amigos para ilustrar o “estrago” feito na economia do teatro com a política das meias-entradas. Pode-se afirmar com segurança que a quase totalidade dos ingressos vendidos pelos espetáculos de teatro hoje em dia, é vendida pela metade do preço que consta no cartaz. E não importa se a peça custa 10, 20 ou 200 reais. O esquema das meias-entradas derruba qualquer um. Todo mundo tem direito à meia-entrada. Não apenas os governos determinam umas tantas obrigatoriedades (que variam de municipio para município) como também empresas patrocinadoras, apoiadores pedem as suas próprias reservas de cotas.
Me lembro de uma sessão de um espetáculo recente, de muito sucesso, em que havia 160 meias-entradas vendidas para um universo de 161 espectadores pagantes. É uma loucura isso. As contas implodem. Porque não pagamos “meio” aluguel de equipamentos, nem os atores recebem “meio” salário, para contrabalançar.

Mas, não sejamos de todo ingratos e esquecidos. Num passado não muito distante, ampliar o número de meias-entradas e conceder o máximo possível de cortesias foi uma das estratégias usadas pelos produtores de peças para salvar da falência ou do esquecimento os seus espetáculos. Aqui um estudo mais acurado (também a se fazer) poderá mostrar como e porque o que aparecia como solução, anos depois, se transformou num estorvo. E pode apontar uma possível saída para o problema.

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Enfim, quantas pessoas vão ao teatro hoje em dia no Rio de Janeiro? E em São Paulo, Recife, Goiânia? O que vão ver? O que querem ver? O público se renovou, envelheceu? Houve um aumento ou uma queda relativa de público com o aumento de oferta de espetáculos e a redução no número de sessões? Vão todos assistir aos mesmos espetáculos? Vão sozinhos? Quanto gastam?

Nesse último fim de semana, havia 50 espetáculos de teatro adulto na cidade do Rio de Janeiro, se o jornal O Globo não comeu algum nos seus tijolinhos. Se, na sexta-feira, esses mesmos espetáculos receberam em média (quem o sabe?) 100/200 pessoas por sessão, temos que entre 5 a 10 mil cariocas (e turistas) saíram de casa naquele dia para assistir às nossas esplêndidas peças. Um percentual dessas pessoas (provavelmente os turistas) também aproveitou para assistir a outros espetáculos no sábado e no domingo. Mas a maioria só voltará ao teatro nessa semana que entra (os que vão ao teatro com maior freqüência, suponho) ou a partir da semana que vem, ou ainda na outra. Ou apenas no próximo mês (ou quando?).

Conhecer essa freqüência e as razões dessa freqüência (como também alguns outros hábitos dessas pessoas que ainda vão ao teatro, quando a tanto para se fazer em outros lugares) mudará a nossa percepção sobre quantos somos, que tipos de gostos dividimos, que assuntos nos interessam ou não e quanto estamos dispostos a pagar ou iremos ganhar, nós todos os que circulamos, com maior ou menor interesse, em torno desse desconhecido mercado artesanal. Mas, enquanto não se começa a contar...

segunda-feira, 18 de outubro de 2010

Público

Estou aqui fuçando a segunda edição do Cultura em Números-2010, um relatório do MinC com dados atualizados sobre a produção e o consumo de cultura no país. É um extenso trabalho, compilando e sistematizando dados de diversas fontes de pesquisa, e que faz, na medida do possível, um mapeamento da cultura brasileira, em termos de quem a produz e consome. Útil para o próprio governo e, espera-se, também para os agentes produtores de cultura.


Há lacunas ainda não preenchidas neste estudo, seja pela não incorporação de dados de pesquisas mais recentes, como eles mesmos nos advertem na introdução, seja pela falta de algumas pesquisas específicas para certos setores do tecido cultural brasileiro. Mas trata-se, sem dúvida, de um esforço louvável.

Dos dados ausentes no relatório, quero me deter à falta de números e tabulações a respeito do público freqüentador de teatro no Brasil. Há dados sobre consumidores de cinema, TV, jornal, rádio, freqüentadores de shows, jogadores de baralho, enfim, há um pouco de tudo no estudo. Mas sobre a parte dos consumidores de cultura que costumam ir ou vão de vez em quando assistir a peças de teatro não há referência específica.

Não estamos sozinhos, é verdade. Também não estão mencionados os freqüentadores de espetáculos de dança. Nem as platéias circenses ou as de rodeios. Bom, mas como já se disse aqui, há ainda lacunas a preencher.

Pego o exemplo da falta de dados sobre o público freqüentador de teatro como mote para algumas considerações. Até porque, neste mesmo estudo no MinC, na parte referente à produção (que está um pouco mais completa) as Artes Cênicas aparecem em primeiro lugar, abocanhando 20% dos investimentos públicos para no decênio 96-2006. À frente até do cinema! Embora também se advirta ali que os dados para o Audiovisual estão incompletos, porque são armazenados pela ANCINE a partir de 2003.



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Se pudermos inferir que o teatro recebe a maior parte dos recursos destinados às Artes Cênicas e se considerarmos que a produção desta arte no Brasil, hoje, é praticamente toda financiada com dinheiro público, a pergunta “Quem Consome e Como Consome Esta Produção?” deveria estar não apenas no horizonte de preocupações dos agentes produtores dos espetáculos, como também dos gestores culturais. Sem falar dos operadores de marketing das empresas patrocinadoras (que afinal decidem a aplicação no teatro da maior parte da grana dos governos).

E para quem será que estamos todos produzindo peças? Quando comecei a me relacionar com o teatro profissional (e lá se vão vinte e tantos anos) ouvia falar de um cálculo, não sei de quem, que estimava em duzentas mil o número de pessoas que frequentavam regularmente a salas de teatro. Um número vago que eu nunca soube se representava o público de teatro no país, ou apenas em uma dada região (Rio de Janeiro e/ou São Paulo, por exemplo). E um número que não diz nada, ainda mais quando olho pra ele agora, a essa distância de pelo menos duas décadas.

No Rio de Janeiro, no último mês de setembro, havia pelo menos 70 espetáculos de teatro profissional, para crianças e adultos, em cartaz na cidade. Não é um número muito exato porque quem o contou fui eu, pelos tijolinhos do jornal de domingo. No mês de agosto essa média, que eu também calculei (mas não tenho os números todos), parecia superar as 80 peças. Em outubro ainda não sei, porque o mês está na primeira quinzena e eu também ainda não acabei de contar.

Calculando que eu esteja razoavelmente certo e calculando umas 200 pessoas presentes por sessão e calculando apenas uma sessão para cada um desses 70 espetáculos, nesse único dia hipotético, 14 mil espectadores estão ou estiveram presentes às salas de teatro aqui no Rio. É uma conta fácil de fazer. E também não é preciso ser muito bom em matemática para calcular que, multiplicado pela quantidade de sessões possíveis em um mês, este número de freqüentadores irá facilmente superar os 200 mil dos meus 20 anos atrás.

Mas ainda é tudo muito vago. Quem são essas pessoas? A maioria é de mulheres ou de homens? Qual a idade deles (ou delas)? Todos assistem às mesmas peças, pagam os mesmos preços de ingressos, vão ao shopping e vão ao centro da cidade? Preferem artistas famosos, peças de vanguarda, assistem também à TV, vão por recomendação dos amigos, lêem as críticas aos espetáculos, são alfabetizados, vão sozinhos ou acompanhados? E quanto tempo um único sujeito levaria para assistir a todas as peças de teatro nesta nossa cidade? E se ele fosse só às que lhe interessam? E quanto gastaria nessa brincadeira?

Curioso como pouco sabemos sobre as nossas platéias de teatro. Ouvimos umas pessoas reclamando dos preços dos ingressos, ou somos nós mesmos que reclamamos das meias-entradas, das cortesias e tudo o mais, usamos expressões como “público de sábado” ou “público de estréia”, mas, além disso, o que mais sabemos nós a respeito dos hábitos de consumo, da condição social, dos interesses e desinteresses de quem nos assiste?

Atualmente temos sido cobrados, em nossos inúmeros projetos de espetáculos e nos editais de patrocínio de que participamos, a explicitar o “público alvo” das peças que pretendemos montar. Essa é uma expressão tirada do marketing ou da publicidade e, apesar de seu uso ter se tornado comum também para nós, artistas e produtores de teatro, duvido que saibamos fazer uma ligação mais ou menos precisa entre esta “formalidade” dos projetos e aquelas dezenas ou centenas de pessoas que, quase todas as noites e durante umas tantas temporadas, aplaudem ou rejeitam as nossas representações ao vivo.

Há quem reclame que o teatro esteja distante do mundo. Que o cinema e especialmente a TV estão muito mais sintonizados com suas platéias do que o teatro. Muito bem, pode ser. No entanto, nunca este mundo esteve tão responsável pela produção de teatro como hoje, quando, não apenas no Brasil, mas quase em todo o lugar, a manutenção dessa atividade é uma responsabilidade do estado, que a preserva ou cria mecanismos para a sua preservação, em condições similares às que estão colocadas para a preservação dos quadros e das estátuas nos museus.

Então, é justo e mais que justo é necessário, que se procure saber ao certo que platéias são essas e de que modo são atendidas. E se estão satisfeitas ou não, e se são os mesmos ou outros, esses que hoje assistem teatro e aqueles, por exemplo, do tempo dos antigos produtores, que bancavam espetáculos com o dinheiro do próprio bolso (houve esse tempo e já estava no fim quando eu ouvia falar da tal platéia de 200 mil).

terça-feira, 12 de outubro de 2010

Comentário do Aderbal

Gil, suas reflexões são ótimas. Traduzem com perfeição o que de fato acontece. É preciso partir pra ação. E a hora é ótima. A primeira e principal ação é votar. Esses problemas se acumulam desde que a Lei foi criada, com suas incorreções causando cada vez mais distorções.


O ministério atual foi o primeiro a dizer que a lei precisava ser corrigida. Ainda não acertou inteiramente nas correções, mas tem mostrado o maior interesse em discutir e agir. Criou uma estrutura e uma equipe que opera em várias frentes da tão diversificada "cultura" e representou um avanço enorme em relação ao modo de ação das administrações anteriores, meras gerenciadoras de organismos caducos e balcões de atendimentos no varejo.

Eram tantos os problemas, tantos os erros acumulados, tanto o abandono, que mesmo com esse avanço enorme ainda não deu pra chegar ao fim do caminho. Mas é evidente uma marcha, uma caminhada, e meios (operacionais, sobretudo) para continuar indo em frente. O que é melhor agora? Votar pela continuação dessa caminhada, que já fez o principal, saindo da selva onde estavamos perdidos, e ver uma estrada que podemos percorrer juntos e alcançar dia a dia novas conquistas? Ou voltar atrás, já sabendo que tudo o que diz o Serra sobre cultura é que vai transformar em projeto nacional suas Viradas Culturais paulistas, isto é, outra vez eventos, cultura como biscoito Globo no sinal (farol, para os paulistas). Tô fora.

Hoje em que é moda falar mal de político (taxistas e jornalistas puxando o coro), não vamos nos enganar achando que esse debate é mais puro, "não estou aqui pra discutir política", "essas eleições são uma merda, são todos iguais". A solução começa no voto. O jornal O Globo, retrato da imprensa, que no dia da eleição estampa na primeira página uma manchete sensacionalista contra o governo que avançou assim na cultura e em todas as áreas (a matéria quer culpá-lo pela situação geral de abandono anterior a todas as suas ações), não vai ajudar a esclarecer nada. Onde eu puder, vou repetir que voto na Dilma, e que esse é meu primeiro passo para continuar trabalhando para melhorar a nossa praia - a praia da cultura - e o nosso mar brasileiro.

Aderbal

----- Original

domingo, 3 de outubro de 2010

Projetos

A fila de projetos de teatro na Lei Rouanet é enorme.


Mesmo com a informatização do processo, os projetos demoram mais de 60 dias entre a apresentação ao MinC e o momento em que são enviados para a publicação no Diário Oficial. É a publicação no DO que autoriza começar o processo de captação.

A maioria esmagadora dos projetos que chegam a ser publicados no DO não consegue patrocínio. E a minoria das peças aprovadas pela Rouanet e que chega a ser efetivamente patrocinada, é produzida no eixo Rio-São Paulo.

Quase todas as peças que chegam a ser patrocinadas por uma empresa, utilizando a Lei Rouanet, têm pelo menos um artista famoso no seu elenco ou ficha técnica. Isso se dá porque se dá porque as empresas, que escolhem para quem destinar o seu patrocínio, levam em conta a repercussão do projeto que levará sua marca. A repercussão do projeto se mede pelo tamanho da fama dos artistas envolvidos.

No entanto, engana-se quem acha que esta filosofia atrapalha apenas a grande massa dos artistas brasileiros que não aparecem na televisão e que, portanto, estão longe de se tornarem uma celebridade. Na verdade, há dezenas ou centenas de projetos de atores famosos na fila das empresas que patrocinam o teatro. E uma grande parte deles também não vai receber um tostão de patrocínio.

Nada a ver com a qualidade desses projetos. Como disse, as empresas não estão interessadas (nem estão capacitadas para isso) em julgar o mérito deste ou daquele projeto de teatro. O que vale é a sua consagração. Vivemos em meio à indústria indiscriminada da fama. Qualquer um pode ficar (e há quem fique) muitíssimo famoso de uma hora para outra. E todos sabemos que esse fenômeno não tem nada a ver com o talento ou a importância do trabalho desenvolvido por essa ou aquela pessoa. Desse modo, um ator com quarenta anos de carreira no teatro e inúmeras novelas e filmes, pode ser ofuscado pela estrela da moda tanto quanto um novato recém-saído da CAL.

O fato é que as empresas não estão interessadas nos nossos currículos, mas no nosso presente como estrelas da moda. Então, se a estrela da moda estiver metida em um projeto porcaria ou num projeto bom, isso não é da conta do patrocinador. Ele utilizará das prerrogativas legais para jogar o suado dinheirinho público neste projeto porque este projeto é que projetará sua marca como convém. Dane-se a peça. Dane-se igualmente o público que irá (ou não irá) assistir à peça. A repercussão de um anúncio na tevê, nas colunas dos jornais, nos outdoors e em outros meios de difusão e propaganda, alcançará mais gente do que a capacidade de qualquer teatro em receber espectadores.

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Tanto quanto das estrelas da moda, somos todos igualmente vítimas, nessa questão entre a Lei a Rouanet e o teatro, dos arranjos por baixo do pano, que beneficiam projetos onde rolam caixinhas e favorecimentos. E isto é o que há de pior.

As estrelas da moda, pelo menos, ficam expostas pela própria mídia que as favorece e seus projetos podem ser medidos e julgados por toda a gente. Já os projetos onde rolam caixinhas e favorecimentos de todo tipo, contra esses pouco se pode fazer. Sabe-se de peças que estréiam para ficar um mês ou dois e logo em seguida seus produtores as tiram de cartaz, para produzir outras que terão o mesmo fim e assim sucessivamente durante várias temporadas. Ora, esses produtores sempre poderão alegar que não houve público que justificasse a sua permanência em cartaz, como de fato acontece também aos bem intencionados. Mas separar alhos de bugalhos não está entre as funções dos pareceristas do MinC. E de quem estará?