sexta-feira, 1 de dezembro de 2017

CONCENTRAÇÃO E ROUBALHEIRA, OS MALES DESSA LEI SÃO

E aí, resolveu? Não, não resolveu e está longe de resolver. Peguei uma matéria aqui de 1996, cinco anos depois do começo da Era Rouanet que o sujeito reclamava da concentração da capitação no Sudeste do Brasil (leia-se no Rio e São Paulo).  Vinte anos depois, continuamos nisso. Não, não continuamos nisso. Vinte anos depois, piorou. E veio aí mais uma Instrução Normativa (golpista) e tudo ainda piora mais. Muito mais. As mesmas empresas, vinte anos depois. O mesmo sudeste, vinte anos depois. Não, não, agora o Sudeste do Brasil também vai ter Minas  Gerais e Espírito Santo (leiam as declarações do Leitão, descobriram que o sudeste tem Minas Gerais e Espírito Santo).  E a receita pra descentralização  é pegar (mais) grana no mesmo Sudeste (agora geograficamente ampliado) pra levar os espetáculos daqui para os caras das outras regiões assistirem. Os musicais. Estão falando dos grandes musicais, basicamente. Ou das grandes produções paulistas ou cariocas. É a versão do teatro contemporâneo para o antigo catecismo dos jesuítas – cultura branca para os nativos do Brasil. Cadê uma palavra sobre a captação para os próprios produtores dessas regiões? Ou no Amapá não tem empresa grande que explora o povo? Ou não tem artista de teatro no Amapá? Pior. A propalada concentração no Rio-São Paulo nem é do Rio-São Paulo versus o Tocantins. É do Leblon contra a Maré. É dos Jardins contra o Capão Redondo.
Fiz as contas. Quem mais captou pela Lei Rounet fomos nós (as artes cênicas). Em 25 anos de existência do Incentivo foram quase quatro bilhões.  Ganhamos mais do que a música, do que o patrimônio, ganhamos mais do que todo mundo. Dados do Ministério. Estão lá, podem ver. Todo mundo, todo mundo pode ver. Quer dizer, todo mundo que procurar com atenção, não é fácil decifrar a transparência daquelas tabelas do Ministério. Cento e vinte milhões por ano no Sudeste (arredondei a média, na verdade é mais, arredondei porque não sou bom de matemática, quem for bom de matemática que refaça as aproximações, considerando os oitenta por cento de concentração nessa agora ampliada região).  Digamos uns sessenta milhões no Rio, outros sessenta milhões em São Paulo. Meio a meio, pra ninguém ficar chateado (esses dados de qual cidade ficou com o quê eu não compilei, estão lá, mas haja paciência pra encontrar na transparência daquele mar de tabelas).  Pois bem. Que maravilha! Como faz teatro esse sudeste! Quanto circo na cidade maravilhosa, quanta gente dançando na pauliceia desvairada! Aqui no Rio, então.  É uma maravilha essas artes cênicas no Rio de Janeiro. O carioca é cênico, não há dúvida.  O carioca é um palhaço, é um bailarino! Bobagem. Não tem palhaço nem dançarino, que dança, que circo coisa nenhuma. Que o teatro não deixa. O teatro leva tudo, ou quase tudo, a maioria disso tudo. A grana toda! Maravilha então! Quantas peças de teatro no Rio, quantos artistas de teatro no Rio se dando bem! Que lindas plateias, que belos espetáculos de autores nacionais, quantos festivais, quantos grupos, quanta gente feliz, quanta critica boa, quanta saúde, quanta vitalidade. Como é útil o teatro carioca, como é bem feito, como emprega, como é bom e como distrai.
Se todo o dinheiro captado pela Lei Rouanet nas Artes Cênicas para cidade, viesse apenas pra montar peças de teatro no Rio de Janeiro e não houvesse outra forma de produzir (outras leis, sesc, sesi, recursos próprios, vaquinhas, etc) passaríamos quase a metade do ano assistindo a dois únicos espetáculos de uma única produtora. Mais dois meses assistindo outros três ou quatro de mais outras duas ou três. A cem reais o ingresso.  E acabou, gastou tudo, não tem mais. (Na verdade ainda teria uma sobrinha de uns caraminguás prumas produções bem rapidinhas e bem baratinhas, vai lá saber como ainda deixamos essa merreca sobrar). É esse o modelo de captação que a nova IN quer continuar. Para os pequenos nada. Esse é o resto do Brasil que é aqui mesmo. Nem precisa ir no Nordeste. Nem precisa ir no Mato Grosso do Sul. Aqui mesmo. E como pretendem curar esse desmazelo? (Mesmo eles reconhecem que é um desmazelo deixar à míngua uns artistas tão bons e tão talentosos que só não tiveram a sorte de passar num dos testes que não se fizeram para essa meia dúzia de belos e bem construídos espetáculos teatrais). A solução? Ora, a solução... Aumenta-se o bolo. Campanha para aumentar o bolo. Claro. Sessenta milhões (ano) não é nada. Que tal duzentos milhões? Trezentos milhões não seriam suficientes? Ah, seu Ministro (golpista) que bom! E para quem? Responde o Ministro: para os mesmos. Olhem a Normativa, estudem a Normativa. Aumentar o bolo, MAS aumentar principalmente a parte de cima da pirâmide. Claro. Entende-se. Custam muito os nossos musicais. Não estão se pagando. São tão instrutivos e divertidos, mas custam caro demais.  Mesmo aumentando o ingresso pra duzentos e cinquenta, não vai dar pra pagar. Precisamos investir na arte boa. Arte boa é arte cara. Mas atenção:  só quem pode produzir a arte cara são os mesmos. Troca-se a firma, talvez. Mas isso de firma é uma mera formalidade. E os outros, senhor Ministro? E os pobres? Gente, sinceridade. Aqui entre nós. Arte – pra pobre?
Mas é pior. Ainda pode ser pior. Ao longo de vinte e cinco anos de casamento, a relação entre a meia dúzia de grandes produtores (exagero de propósito ao me referir a eles como meia-dúzia, para provoca-los, a todos os dez), eu dizia que ao longo de vinte e cinco anos de casamento entre a meia-dúzia de grandes produtores e a meia-dúzia de grandes patrocinadores (os patrocinadores na verdade são mais, são quinze, ou na verdade menos, são um só e o mesmo: o governo – agora golpista – deste país), eu dizia estabeleceu-se uma rede de favores e brindes e contrapartidas de visibilidade de marca e arranjos e distribuição de dinheiros por baixo dos panos e tanta coisa que já virou até processo criminal e até CPI (mas o que não vira CPI nesse país, me diga, pode-se levar a sério?) que agora é preciso fechar a ratoeira. Não pegar os ratos, fechar a porcaria da ratoeira. Quantas medidas na IN para pegar os que fazem mau uso da Lei? Não o mau uso no sentido de fazer espetáculos ruins, ou sem sentido, ou caros, ou mal feitos (os artistas erram, se enganam, nem todo mundo sabe cantar como convém, o sujeito pode ter uma fase ruim, como o jogador de futebol tem fases ruins). Mas o mau o uso no sentido de botar no bolso o que não lhe pertence. Esse mau uso. Que a falta de transparência perpetua. Quantas medidas na IN para coibir esse mau uso? Não estão lá. Estão lá outras para transformar a má fé em descuido, o roubo em engano, a propina em um novo tipo de remuneração.
Recentemente entrei num grupo de artistas abnegados que cismaram que podem tirar do buraco a SBAT. Também entrei no MATER, um grupo de artistas que pretende dar um sentido mais profundo ao teatro do Rio. Pois bem. O MATER é puro, quase imaculado, estamos começando apenas, não roubamos, não pegamos nada de ninguém. O grupo da SBAT também, os que estão lá agora, outras gentes (alguns em comum com o MATER,  inclusive), nada a ver com o pessoal que esteve na SBAT umas décadas atrás e destruiu sua reputação centenária com algumas dúzias de falcatruas e falta de juízo e deixaram um rombo que equivale ao valor de quase meio musical. Mas como é difícil carregar os erros dos outros. Como é difícil convencer as pessoas de que um e outro, nesse momento,  são a mesma coisa, estão irmãos na mesma causa, eu mesmo sou ambos, não  sou ladrão num e honesto no outro, eu sou o mesmo nos dois (e acho que honesto). Porém o mundo não entende assim. O mundo quando acusa pecados cobra penitências. Esse mundo que vivemos às pressas não tem olhos para distinguir, ele gosta de misturar e simplificar. Eu mesmo estou fazendo um pouco disso aqui, misturando uns dados,  juntando vinte e cinco anos numa única página de texto (ou duas), para que as pessoas entendam logo, para não ter que ficar horas explicando o que ninguém parece ter horas pra tentar entender. Então imaginem. Amanhã a poeira baixa. Um dia (talvez) a poeira baixe. E nós estávamos lá, os vagabundos da Rouanet, misturados aos outros (os poucos de sempre, sempre os poucos de sempre), e se não pegamos nada pra nós, deixamos que os outros levassem. E, a vinte anos do lugar do roubo, pela lupa de algum mal intencionado, quem distingue o ladrão do assaltado? Talvez minha neta ainda tente argumentar: vovô não estava lá. Ao que alguém sempre pode perguntar: mas estava morto? Não. Não estou.

terça-feira, 28 de julho de 2015

EDITAIS, SEMPRE OS EDITAIS

Mais um edital que se vai, agora o de Fomento da Prefeitura do Rio e o mesmo choro e ranger de dentes dos que não foram contemplados (inclusive eu) - "Carta marcada!! Isso tudo é carta marcada!!" Ou então - "Por que são sempre os mesmos que ganham?" Ou - "Quem é essa pessoa que ganhou isso aqui e o que ela já fez?" (...)
É complicado, bem complicado. As afirmações raivosas diante dos resultados só simplificam o problema. O problema é bem maior. Já disse aqui e repito que não gosto dos editais. A política dos editais não é exatamente uma política, é uma forma que o governo, e a seguir as empresas, acharam para justificar a distribuição da verba pública, dando ao processo uma forma "transparente" e "democrática". Que de resto não tem nada de um aspecto nem de outro. Não é "transparente" porque as comissões que julgam na maioria das vezes ficam escondidas até depois dos resultados e o processo de seleção não é público (e como seria público o processo de ler e julgar milhares de projetos todos os anos?) e por aí vai. Nem "democrática" porque a discussão dos critérios de seleção não foi feita com a comunidade artística como um todo e muito menos é avaliado e reavaliado periodicamente por essa mesma comunidade. Para citar só uns poucos problemas dos editais. Que fazem deles um grande e emaranhado e complexo negócio que poucos especialistas podem decifrar. Justamente os que "ganham todos os anos" ou todos os demais que "ganham sem merecer". Com critérios pouco claros, grana reduzida (esse ano a Prefeitura do Rio tirou uns bons milhões do bolo pra piorar), diante de uma avalanche cada vez maior de projetos (ainda mais em tempos bicudos, quando o teatro se torna a tábula rasa de salvação dos artistas), fica difícil não discordar dos resultados quando se perde, ou se imiscuir das discussões, quando se ganha. Enquanto os critérios de seleção não forem discutidos antes da elaboração dos editais e enquanto o julgamento dos projetos não for tornado público, tudo nebuloso continuará sendo e solução não há. Se é que há salvação para os editais. Uma fórmula de todo modo velha, que servia a um tempo com menos projetos que hoje e apenas para a ocupação de uns tantos teatros públicos, tomada de empréstimo para a distribuição dos recursos de patrocínio. Que joga na mesma disputa todo mundo, os que brigam por muito e os que bastava um pouco para não morrerem de fome. Política de verdade se poderia fazer orientando as verbas de acordo com os nichos de produção tais como são, enfrentando as idiossincrasias e todas as dificuldades de se lidar com a produção de teatro (essa incógnita permanente) e com a classe dos atores e produtores (esse imbróglio que nem Deus se atreve). Mas isso seria pisar em calos, provocar muita celeuma, abrir a caixa preta dos governos e das verdadeiras intensões das empresas quando escolhem apoiar este ou aquele,  esse ônus ninguém quer pagar. Nem os que têm, nem os que pretendem se utilizar da grana. Estes então, que somos nós, muito nos custa pensar e discutir nossa própria história e destino. Que nos é mais confortável bradar o "sempre os mesmos! sempre os mesmos!", fazendo figa para que amanhã esses mesmos sejamos nós.

terça-feira, 10 de fevereiro de 2015

Tempo para o Ministro e o Presidente

Então. Uma pausa nas minhas digressões para uns cometários rápidos.
Uma entrevista com o Ministro da Cultura no Globo, sábado passado. A certa altura o Ministro diz ali o que todos sabemos sobre a concentração de dinheiro da Lei Rouanet no eixo Rio-São Paulo. Que 80% da grana fica aqui. Ora, falta nesse tipo de declaração deixar claro o seguinte (não sei se o Ministro não se deu conta disso ou se é uma questão de edição do texto da reportagem). Falta dizer que desses 80% que ficam e são gastos ou pelo menos capitados aqui, entre a ponte Rio-Niterói e o Terminal do Tietê, outros 80% vão para a mão de três ou quatro produtores. Mas é claro que o Ministro sabe disso, sabe, já saiu isso num relatório mais ou menos recente do próprio MinC. Por isso desconfio que possa ser um problema de edição no texto da entrevista, ou lapso de quem é entrevistado, ou de quem perguntou. Seja como for, é preciso ser dita verdade completa e repetida. A meia-verdade é uma quase mentira. Podiam inclusive divulgar o nome dos poucos produtores que levam a maior parte do dinheiro da Lei Rouanet e para que produções eles o levam, esses dados são públicos, estão no Diário Oficial, um pouco de tempo e paciência e se consegue isso. Seria bom, são empresas de produção cultural onde se pode ou se deveria estar procurando emprego, se você é ator, por exemplo. 
Do jeito que a questão está colocada é injusto com os pequenos e médios produtores paulistas e cariocas. Estes estão numa pindaíba tão grande quanto qualquer produtor do Piauí. A diferença está que os governos municipais e estaduais de Rio e São Paulo despejam mais dinheiro na cultura que o de Teresina. Então, pequenos e médios projetos acabam saindo aqui e lá não. Mesmo assim uma parcela muito pequena. O Ministro mesmo, na mesma entrevista, lembra que a maioria dos projetos que recebem o certificado do MinC não saem do papel. Pra isso ele quer mudar a Lei, para que fique 20% do dinheiro dos projetos capitados nas grandes praças para o Fundo Nacional de Cultura, para serem utilizados nos projetos  que as grandes empresas não patrocinam - ou não nos projetos que as grandes empresas não patrocinam, mas naqueles que o MInistério houver por bem apoiar. Se o assunto não fosse sério eu faria uma piada. A piada que eu faria seria dizer que o Ministro quer fazer política cultural com 20% do dinheiro dos grandes musicais do sudeste maravilha. 

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Também vi a entrevista do novo Presidente da FUNARTE no GGN. Além do fato, preocupante, dele dizer que não entende nada de teatro e que essa "é uma área muito dependente das subvenções" (não as retire, presidente, de nós, por favor) tem também a mesma ladainha do repórter que pergunta sobre a concentração de renda no Rio de São Paulo e ele que responde com o discurso da "democratização dos recursos". Mesma coisa. Faltou dizer (mas ele não sabe, então digo eu) que a concentração perversa não está na mão dos produtores cariocas e paulistas, como um todo, a maioria anda de pires vazio que nem os colegas do sul, do nordeste e do norte. A concentração perversa é na mão de alguns caras. Dizer que existem mais empresas patrocinadoras aqui do que em outras regiões não resolve. O problema é se fazer a pergunta: por que todas essas empresas patrocinadoras escolhem tanto as mesmas parceiras pra patrocinar? Já que o Presidente está procurando ajuda para entender o mecanismo de produção do teatro, pode começar procurando pessoas que respondam, com imparcialidade, método e seriedade a esta simples pergunta. Lembrando, senhor Presidente, que estamos aqui lidando com uma grana que não é aquela que os produtores de teatro (e isso todos, os concentradores e os outros) gostariam de ter à disposição. Então, enquanto não se aumenta o bolo, os critérios na divisão do bolo existente é que estão em questão. Se meia dúzia ficam com a maior parte, o que sobra para os outros é o pouco do pouco, vivam eles no Rio, em São Paulo, em Caxias do Sul ou seja lá onde for. Ah, mas não podemos ficar na mão das preferências das grandes empresas. Mas nunca educaram os diretores de marketing, que eu saiba. Que teatro pra eles é o que faz o galã da novela das oito enquanto não está na próxima novela das oito. Uma coisa assim. A passagem da época das produções a fundo próprio para as produções incentivadas não teve uma preparação e uma educação dos diretores de marketing das grandes empresas. Se o Presidente da FUNARTE, que assume um cargo dessa importância, admite que não entende picas de teatro, o que entende o diretor de marketing da Votorantim? (Desculpe-me senhor diretor de marketing da Votorantim, talvez o senhor entenda mais de teatro do que eu e sabe que é piada esse negócio do galã de novela, etc, apenas precisei de um exemplo, um nome de empresa e me ocorreu a sua, o que não é mal de todo, do ponto de vista estrito do marketing, admitamos).

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Enquanto isso, mal compreendido ou incompreendido, o teatro continua se produzindo, aqui no maravilhoso sudeste no maravilhoso e ensolarado Rio de Janeiro. Duzentas estreias por ano. Estreias, peças novas, não estou falando de reestreias e continuidades (aliás, o que é mesmo continuidade em teatro?). Quantas peças não estreiam todo ano na São Paulo sem água? São Paulo é um mundão, imagina. Nesse mês de janeiro tivemos uma semana aqui carioca 92 peças em cartaz, segundo a minha fonte não totalmente confiável da Revista Programa do Globo (não totalmente confiável porque é uma fonte só, que sai apenas às sextas-feiras, que não trás todas as peças da semana - há peças, senhor Presidente, que se apresentam fora dos finais de semana - e que eventualmente omite uma produção ou outra, especialmente as infantis). 92 é um número das melhores semanas de março dos melhores anos, nos últimos 5 anos. Mas no geral a produção não parece ter aumentado nem diminuído significativamente no Rio nesses últimos 5 anos. Pergunto para o Ministro, para o Presidente, para os Secretários todos de Cultura no período: o montante investido - aumentou significativamente no período? Ou diminuiu? Quem aumentou mais, o Governo Federal, o Estadual ou o Municipal? A resposta a essa pergunta, se o número de peças continuou o mesmo (SE continuou, o que precisa ser verificado por um pesquisador mais profissional do que eu) revelará mais sobre a concentração de renda também (porque são os mesmos grandes produtores culturais que pegam os maior capital há anos; e não é só o teatro e a Ancine sabe disso também).

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Para terminar. Parece que estou defendendo que os grandes produtores não comam tanto. Não, não. Podem comer, se há apetite e se não passam mal depois e se há gente para consumir os seus grandes espetáculos, que comam. Mas que venham outros e que também tenham o seu lugar à mesa. Vamos abrir esta mesa. E botar mais umas cadeirinhas aqui e ali. Há um povo (de norte a sul da nação) recolhendo só as migalhas, só as migalhas. 
Nós temos duas saídas: aumentar o bolo e os alijados do processo terem a sua vez e voz na produção do teatro nacional (e é o que todos tentamos, juntos, há anos, e não conseguimos). Mas aí segurando a onda dos grandes produtores para que não entrem com a mesma sanha nos outros 80% dos novos 100%, não com o mesmo apetite de agora (ou o remédio não cura ninguém). A outra solução é explicar ao novo Presidente como funciona o teatro, dizer ao Ministro que não é assim que a banda toca, e resolver junto com eles e entre a gente, conversando, confiscando e redistribuindo as fatias. Tirando de fato uma parte dos ricos (da nossa região) para dar aos pobres (mas aos pobres de todas as regiões, inclusive a nossa). 

sexta-feira, 19 de dezembro de 2014

Uma relação complicada (2)

Estive revendo a última postagem, dei uma arrumada no texto, estava meio confuso. Melhorou alguma coisa com essa minha arrumada, mas ainda falta. Vou ajeitando até ficar legal. Essa uma diferença boa a favor do blog, em comparação com o jornal e a revista impressos, por exemplo. No blog a gente pode editar o texto e melhorá-lo o tempo todo. O que pode fazer com que o leitor volte àquele texto outra vez, releia, repense. É uma diferença boa.
O que eu estou tentando dizer, basicamente, nesses textos de agora é uma coisa só. Ou duas. Primeiro, chamar a atenção para a morte do teatro comercial ao longo do processo de instalação da Era dos Incentivos. Depois, relacionar esse fato com alguns dos nossos problemas atuais.
O teatro pode (ou podia) ser pensado, ao longo de sua história, como um meio para ganhar dinheiro ou para enlevar o público. Frequentemente ele é pensado para as duas coisas – ou era. Às vezes favorecemos o seu sentido comercial, às vezes o seu sentido lúdico – ou artístico, como queiram. Todos os artistas, em todos os ramos da arte vivem ou viveram esse drama tortuoso – enriquecer a mim ou a quem consome de mim? Em algum momento, uma certa parcela do teatro brasileiro optou por fazer dinheiro como prioridade (se possível sem deixar de fazer arte, mas ligado no dinheiro, principalmente). Grandes teatros, bons artistas, temporadas longas, baixo custo de produção, ingressos caros, público em quantidade, essa a fórmula do teatro comercial. Um problema que surgisse em alguma  das variáveis dessa equação comprometeria todo o resultado. Ok. Do outro lado estava a outra parcela do teatro, privilegiando o seu sentido lúdico – ou artístico, como queiram.
Não é que os artísticos abrissem mão do dinheiro. Muito pelo contrário. Só os doidos abrem mão do dinheiro. Os artísticos (e todos) dependiam da bilheteria e queriam ganhar com a bilheteria. Alguns artísticos visionários podiam inclusive ter ambições até maiores em termos de grana que as ambições dos comerciais. Mas o seu repertório era outro, a sua plateia podia abrigar também um pessoal sem muito dinheiro, nem sempre era possível pagar os atores mais conhecidos ou atraí-los para as suas produções (embora nem sempre as produções dos artísticos mirassem os atores mais conhecidos). Além disso era pouco provável que conseguissem os melhores teatros e horários. Enfim, se os artísticos queriam sucesso, não era seguindo a cartilha dos comerciais. Mesmo assim, vez por outra, havia êxitos de bilheteria também entre eles (Salve os visionários! Os visionários!).  Por alguma razão a peça caia nas graças do público e o público, sempre ele, a variável de peso maior em qualquer das equações nessa época, aparecia no teatro aos borbotões.
Em algum momento começa a Era Incentivada (a Lei Sarney é de 86 e a Rouanet de 91). Não é que não houvesse patrocínio antes da Era Incentivada. Algumas produções recebiam patrocínio de algumas empresas (poucas). Bastante apoios também, descontos em passagens nas viagens aéreas das excursões, nos hotéis, na compra de alguns materiais, etc. Era a época do INCEN, das Cooperativas, dos empréstimos da Caixa Econômica (estou misturando os períodos e os meios, mas vale). Quer dizer, algum se arrumava – às vezes. Mas pouco. Na maior parte das vezes – pouco. E, de qualquer modo, quem tinha dinheiro próprio pra botar não botava esse dinheiro todo que é hoje. É como se disse: para render algum, a produção precisava não custar muito. Divido o meu custo por um determinado número de ingressos, por um determinado tempo e um determinado valor. Se o público não comparecia, babau. Vendi meu carro, peguei dinheiro no banco pra investir, olha eu aí todo encralacrado. Fudeu-se.
Mas com o Incentivo isso tudo muda. Ninguém se ferra, no final das contas. Ou não deveria. Com o aperfeiçoamento do mecanismo, o produtor não entra com nada, o risco de perder as cuecas vai ficando igual a zero, próximo de zero. Mas os custos sobem, em cascata. Talvez as peças sempre custassem o que começaram a custar a partir de então, mas como não se tinha esse dinheiro antes não se pagava, ou pagava-se menos. E alguns custos dos espetáculos certamente sobem pela pressão da especulação. Naturalmente. Alguém também fará um estudo pra ajudar a desvendar esse ponto. O que é fato, o que é mito, o que é roubo, o que é real. Seja o que for, resultou que um espetáculo de teatro hoje pode custar entre 50 mil e 15 milhões. Naquela época antiga, isso podia ficar entre os mesmos 50 mil e o quê? 200... 300 mil? No máximo. Deus me livre de mais do que isso. E quanto precisaria cobrar uma peça que custasse 300 mil e durante quanto tempo para pelo menos recolocar esse dinheiro no bolso de seus produtores e ainda garantir o salário de todo mundo, a verba de mídia, o aluguel do teatro, etc., etc.?
A diferença entre os 200 mil de ontem e os 15 milhões de hoje (vamos deixar por 200 mil que já está bom) é que eu não preciso devolver os 15 milhões a ninguém. Como no cinema. No cinema eu também não devolvo os 12 milhões da produção mais cara que se tem notícia até hoje (digamos que seja esse o valor). Melhor ainda. No cinema eu vendo ingressos suficientes para ter lucro. O melhor negócio no Brasil é o cinema. O dinheiro sai todo do governo, o lucro vem todo para o meu bolso (todo não, há impostos, naturalmente). Mas no cinema eu vendo um milhão de ingressos, dois milhões, cinco milhões de ingressos em casos excepcionais. Um hipotético teatro de 3 mil lugares teria que lotar quantas sessões durante quantos meses para atingir um milhão de pessoas? Meses não há sessões suficientes, com temporadas de quinta ou de sexta a domingo. E onde está esse teatro de 3 mil lugares que lota? Mas estou derivando, não é sobre isso que eu quero falar.
O que eu quero falar é de uma orfandade e de suas consequências. Junto com o aumento dos custos das peças vem o aumento do número de peças produzidas (essa aparente idiossincrasia se deve ao volume de dinheiro despejado na produção), a redução do tamanho das temporadas (há muitas peças disputando os mesmos teatros e plateias), a diminuição do valor do preço dos ingressos. Os ingressos caem de preço porque o Incentivador (governo e patrocinadores) exigem contrapartidas para o uso do dinheiro público. Nada mais natural. Se o dinheiro é do povo, o teatro deveria voltar para o povo. A um custo reduzido, se possível de graça, ou pelo menos em meias-entradas. Os governos (e os patrocinadores adotam o mesmo discurso) também acreditam que ingressos baratos levam mais gente ao teatro. Parece o certo. Do jeito que está sendo feito, no entanto, não é o que vemos na maioria dos casos.
Como a parte do teatro que fazia teatro para a bilheteria morreu (já que a bilheteria nada significa nas novas planilhas de produção), tanto no caso do teatro estritamente comercial como no caso do teatro não comercial que lhe fazia sombra, ficou para nós um teatro não comercial, em que as experiências de montagem não precisam se preocupar com a frequência do público. Ele (o público) virá porque o ingresso é barato, parece ser o pressuposto de todos os novos produtores de um momento para cá. E, mesmo que não venha, não tem importância porque o negócio está todo pago, até onde pode ir.
Claro que fazer teatro sem uma preocupação estrita com o lucro pode ser (e é) uma boa coisa. Alguém já disse que o teatro é uma arte de exceção. Mesmo as temporadas de maior sucesso não se comparam, como já vimos acima, com os sucessos do cinema e muito menos – é até covardia querer comparar – com os maiores fracassos da televisão. E há muitos espetáculos para os quais um público médio de 50, 30, 20 pessoas por noite pode ser considerado excelente. Mas ainda há na cidade inúmeras salas com 300 lugares ou mais e nelas são feitas inúmeras peças com essa expectativa de espectadores e eles não vêm. Nem, em alguns casos, quando os mandamos buscar com ônibus fretados pela produção.  Está certo, na época antiga, em muitos casos, eles também se recusavam a subir no ônibus do teatro. Mas eu não gastava tanto dinheiro com o bilhete dessa passagem. Ao aumento do investimento não parece corresponder um aumento pelo interesse no produto que fabricamos.
O teatro comercial era acusado por sua visão estreita do fenômeno teatral. Os artísticos foram responsáveis por grande parte do nosso melhor teatro. Porém os comerciais eram uma referência permanente. Buscavam boas peças (ainda que por vezes insossas), artistas capazes de mobilizar a atenção das plateias (ainda que em certos casos ruins), pressionavam para a manutenção dos espetáculos em cartaz (ainda que normalmente a um preço alto na bilheteria), preocupavam-se sobremaneira com as questões trabalhistas, legais e autorais (ainda que fossem via de regra péssimos patrões e pão-duros).
Sem a concorrência dos comerciais e com o aporte das verbas de Incentivo, os sobreviventes artísticos deveriam ter construído um mundo melhor para o teatro nacional. Espetáculos mais interessantes, que atraíssem mais gente e que não morressem na primeira crise de bilheteria (essa outra acusação  que se fazia aos comerciais – que morriam na praia, quando a fórmula do sucesso não dava certo no primeiro mês). Mas os artísticos também não resistiram à nova ordem que se estabeleceu.
Sem os comerciais, todo o teatro se tornou artístico. Inclusive os comerciais que não estivessem totalmente mortos, estes se embrenhando disfarçados por entre as entrelinhas dos novos editais de patrocínio. E outras experiências mais insuspeitas: amadoras, neutras, qualquer coisa. E por quê? Porque o foco de quem faz teatro, com a cultura do Incentivo, desviou-se da produção e se concentrou na captação dos recursos incentivados. Se a possibilidade do lucro com a bilheteria, para o cinema, representou a continuidade de uma certa preocupação com a excelência do produto final e sua comunicação com o grande público, a completa ausência dessa possibilidade como regra, no teatro, estimulou a criação de um universo paralelo de espetáculos-projeto, destinados basicamente a convencer ou apenas justificar o fomento que os novos mecenas dos editais lhes destinam. Provavelmente, os governos acreditam que os espetáculos-eventos (e que outro nome lhes podemos dar, já que duram exatos dois meses, com ou sem espectadores a prestigiá-los), têm maior potencial de atrair as plateias pelo poder de mobilização que provoca toda essa quantidade de peças no cartaz. Mas que público assistirá às 200 novas peças de teatro adulto profissional que estreiam todos os anos no Rio de Janeiro? E quantas não serão em São Paulo e alhures? Quem sabe delas, quem acompanha os seus processos de criação, quem as distingue e as dirige para seus espectadores específicos? Os críticos não veem essas peças todas, nem os jurados dos prêmios, nem os próprios artistas, nem os tecnocratas dos governos, nem os representantes de marketing das empresas que lhes repassam as verbas.

(Segue..)

terça-feira, 9 de dezembro de 2014

Uma relação complicada

Quando eu comecei a me imiscuir no teatro profissional carioca, no começo dos anos oitenta, costumava-se dividir a produção teatral em duas categorias: o teatro comercial e o teatro não comercial. O termo teatro comercial era usado para um tipo de espetáculo e de modo de produção com olho grande no lucro da bilheteria. Não comercial era todo o resto. Era uma época anterior à Era da Produção Incentivada e basicamente todo o teatro profissional era produzido com recursos próprios. Podia haver (e havia) umas poucas empresas que esporadicamente patrocinavam montagens teatrais, mas o dinheiro também era delas mesmas (não de isenção fiscal) e não se compara ao montante que se vê aplicado no teatro hoje. A produção comercial mirava basicamente o público endinheirado das classes médias das grandes cidades. A produção não comercial também podia disputar esse mesmo público, ou se lançava a outros estratos sociais específicos, como estudantes, intelectuais, trabalhadores do comércio, gente com menos dinheiro em geral. A fórmula do teatro comercial era mais ou menos a mesma: um texto digestivo, atores conhecidos do grande público, um teatro bem localizado com pelo menos trezentas poltronas confortáveis, ingressos caros, temporadas longas. O teatro não comercial não tinha uma fórmula especifica, com as produções se adequando à proposta de criação do espetáculo, nos teatros mais em conta, nos horários disponíveis e ao preço que fosse possível cobrar. Por outro lado, suas ambições artísticas se pretendiam mais abrangentes que as do teatro comercial, com maior liberdade na escolha de textos, temas e propostas de encenação. Basicamente, os “dois teatros” são o prolongamento e o desenvolvimento dos eixos fundamentais das antigas companhias dos grandes atores do século passado. Essas companhias viviam o dilema de conciliar seus interesses comerciais e artísticos. O teatro brasileiro contemporâneo, ao longo dos anos 60-70, encarregou-se de dividir e separar as duas coisas. De qualquer modo, comercial ou não nenhuma produção que pretendesse sobreviver poderia deixar de considerar a relação entre o seus custos de produção e manutenção e sua possibilidade de arrecadação com a bilheteria. Mesmo que o teatro comercial praticasse ingressos a um preço mais caro que o não comercial, ambas os tipos de produção (salvo algumas experiências mais radicais de alguns grupos e artistas) precisavam cuidar para que a venda dos ingressos fizesse frente aos custos do produto. A Era do Patrocínio Incentivado desequilibrou totalmente essa difícil e delicada relação.
Por um lado, matou o teatro comercial. Pelo menos, tal como eu o conheci naquele tempo. As propostas de teatro comercial às quais eventualmente ainda chamamos assim hoje em dia, são praticamente todas realizadas com dinheiro incentivado. O produtor não corre risco, não perde nada. Talvez ganhe alguma coisa, mas perder, isso ele não perde. O custo que não estiver coberto por dinheiro incentivado simplesmente não entra na planilha de produção. Não fará parte do processo. Ainda assim, mesmo com dinheiro incentivado, não é certo que essas produções alcancem êxito, em termos estritamente comerciais. Qualquer um que tenha produzido antes e depois dos incentivos sabe que o dinheiro dos impostos despejado na linha de produção teatral não garante o fechamento das contas no azul - como alguém podia pensar que se desse, quando essa coisa toda começou. A não ser no caso de temporadas curtas. Com dinheiro público à disposição (embora ele não baste, embora não para todos), os custos subiram muito. As temporadas não podem ultrapassar o tempo coberto pela captação de recursos de patrocínio. O preço dos ingressos, que tende a cair para atender às contrapartidas exigidas pelos governos, não cobre mais a divulgação, o cenário, o aluguel do teatro, os cachês dos atores e da técnica. Para os produtores comerciais do presente (mesmo não botando um centavo de próprio) é mais lucrativo saltar de um projeto para outro, garantindo um percentual pela captação, e mais cachê pela parte executiva do projeto. (No teatro comercial de verdade, ou histórico, o produtor só começava a ganhar quando conseguia pagar as contas da produção do espetáculo.) Atualmente os produtores mais bem sucedidos encontram-se refugiados nos grandes musicais, para onde também migraram as plateias com dinheiro (as que sempre o tiveram e as participantes da nova classe média nacional). Mas duvido que as contas dos grandes musicais também estejam fechando, mesmo que lhes seja tolerado praticar preços de ingressos acima da média e em teatros enormes, particulares ou públicos.
O teatro do lucro está morto. Todo o teatro brasileiro contemporâneo é um grande celeiro de experiências não comerciais. Ainda que, em sua maioria, as empresas produtoras sejam denominadas "com fins lucrativos" em seus contratos sociais (mas isso é só uma parte das idiossincrasias desse teatro que praticamos). O sujeito que ganha dinheiro com teatro hoje em dia, aquele que por acaso enriqueça nesse mister, pertence a uma de três categorias possíveis: ou é um sortudo abençoado, ou é um admistrador único que merece ser tomado como referência e estudado, ou é um ladrão (sim, por aqui também há ladrões, somos todos brasileiros - ou não?). Mas, se os produtores (os normais) não conseguem mais se haver em como lucrar com esta velha profissão, o fim do teatro comercial (com a passagem do ônus da produção para o subsídio estatal) também alegrou à outra gente. Afinal, significou o fim das “amarras” a que precisavam se submeter os artistas, muitas vezes cooptados por aqueles espetáculos rasos, com seus textos apelativos e resultados de duvidosa qualidade artística. Sem precisar se preocupar com a bilheteria para o equilibrio das contas, nos lançamos à elevação do nível da produção moderna. E tome-lhe fazer peças de vanguarda, clássicos empombados e coisas assim. Tome-lhe arriscar-se em encenadores sem passado nem futuro. Aqui vislumbram (artistas ególatras, encenadores de ocasião e outros) a possibilidade de transformarem os seus devaneios particulares, a custa do dinheiro público, em experiências estéticas onde nem a própria encenação, nem coisa alguma precise prestar contas a ninguém, salvo aos tecnocratas dos governos e aos representantes das empresas patrocinadoras que lhes afagam as cabeças tresloucadas. Numa palavra, ninguém mais precisa pensar no público. Que se dane o público, que se foda o público e que fique em casa assistindo novela, ou vendo filmes pela TV a cabo. Ou na Internet, a onda agora é a Internet. Faço teatro para o meu próprio umbigo e para os técnicos dos governos (que de resto também não vão assistir ao que eu faço e quando vão não gostam) e para amigos empresários com dinheiro de imposto sobrando.
A relação entre teatro e bilheteria é uma relação que, naturalmente, traduz o interesse da produção teatral pelo público consumidor dos espetáculos. Se a sobrevivência econômica do teatro hoje em dia não depende mais dessa relação, não significa, ou não deveria significar, em todo o caso, que tenhamos que abrir mão do público de uma forma tão geral e irrestrita (não nos servem porque não nos sustentam, não nos servem porque não nos entendem). O teatro comercial, que está morto, e o teatro não comercial que à época lhe fazia oposição estavam interessados em plateias específicas, tinham planos para elas, um repertório, uma ideia qualquer da função do teatro nesse mundo de meu Deus, que passava necessariamente pela aceitação ou rejeição dessas plateias aos seus experimentos teatrais. Mas parece que agora não precisamos mais de ninguém...
(Continua)



terça-feira, 18 de fevereiro de 2014


Essa semana o assunto nas Redes Sociais é um jovem ator que declarou publicamente e estupidamente a sua estupidez - que lê por obrigação - e a sua falta de vocação - que não gosta de ir ao teatro. Não sei se as duas coisas estão ligadas. Não ler não implica em não gostar de peças e não ver peças não tem nada a ver com gostar de ler. Não gostar de ler é um problema de falta de educação, ou de má educação. É tanta coisa diferente a literatura, é mesmo difícil imaginar um sujeito que não ache, em tudo o que é a literatura, em todo universo que abrange a literatura, algo que lhe agrade. Daí que deve ser mesmo uma questão educacional, ou de maus professores, ou de pais que não estimularam, ou as duas coisas. Também pode ser que se trate de um míope. Na verdade um sujeito com hipermetropia , para quem ler sem óculos é um suplício. Quero dizer que não gostar de ler é um problema grave, ou no mínimo um sintoma de um problema grave. Não despertar num cidadão o gosto pela leitura (e por qualquer leitura, vejam bem, há opções de sobra: revistas em quadrinhos, de mulher pelada, jornais, twitter, não precisa ser Machado de Assis!) isso é um assunto que requer reflexão. Estamos, afinal, diante de um cidadão para quem a alfabetização seria praticamente um fardo a se carregar. Ou talvez a razão seja um trauma. Quando a minha filha tinha três anos, um cachorro a atacou na calçada e desde então ela tem pavor de cachorros. Quem sabe se esse sujeito, aos três anos ou próximo, não tenha sido atacado por um livro, ou pelo pai que lhe bateu com um livro na cabeça e o  traumatizou? Deveríamos olhar para esse camarada com muita atenção. E para o nosso sistema de ensino, ou de educação, que não consegue despertar o gosto pela literatura (por alguma literatura!) em um cidadão nacional. Não será ele o único, tenho certeza. E isso, o fato de provavelmente não ser ele o único, deveria nos encher mais ainda de preocupação.
Agora, não gostar de teatro não tem nada de anormal. Ao contrário da literatura, grande arte superior, o teatro (o nosso teatro, como está) oferece poucas opções e variações de estilo, estímulo e forma. A maior parte do nosso teatro é um só, insípido, mal feito, velho, caduco. Para encontrar opções e variações dessa velha arte, o sujeito interessado, mesmo o que gosta, precisa cavar muito. E para reencontrar o que gosta então, vinte vezes mais. Eu pego um livro na prateleira, gosto do autor, gosto do estilo, gosto daquele negócio. Se quiser ler outro parecido não será difícil. O mesmo autor terá escrito uns quatro iguais àquele. Que prazer, que delícia! Pronto, posso ficar só nesses o resto da vida. Toda vez que eu quiser me refastelar na literatura, pego os meus quatro livrinhos, qualquer um deles, e pronto. Mas com o teatro não. Digamos que eu ande muito, que eu vá a inúmeros espetáculos em temporada até encontrar um que eu goste de assistir. Ah, que maravilha (se encontro). Mas - se encontro - como encontrar de novo outra vez? Não é a mesma coisa que o livro impresso, preciso esperar a peça voltar, ou aquele grupo produzir de novo outra maravilha. E se não voltar? E quando a temporada daquela peça incrível acabar?
Se eu gosto do teatro velho, estúpido e caquético, ou mau, talvez eu seja mais feliz. Porque eu vou ter vários exemplares pra ver. Abrir o jornal, ver a peça que o crítico gosta, que a burguesia frequenta e é batata: quase sempre é uma besteira sem par. Ou, pelo contrário, quase sempre é uma besteira cheia de pares como ela. Com bolor até a alma, chata, tediosa, repetitiva, sem nada que estimule a minha alma, sem nada que fale ao meu coração. Talvez (quem sabe, é uma conjectura) seja disso que esse ator não goste. Eu, que sou velho e escolado e que não procuro mais pelo que não vou encontrar, acho prazer em todo o teatro, porque tem sempre um ator (principalmente um ator) que me estimula e inspira. Mas eu sou um tarado, um homem sem gosto definido e um sem noção. Não sirvo de exemplo para esse rapaz. Esse rapaz, eu suponho, pode ser mesmo em literatura um ignorante que não sabe juntar as letras e seguir uma frase com a inteligência que Deus lhe deu (e Deus lhe deu alguma, sempre dá). Mas quanto ao teatro, talvez, ele só tenha mesmo é bom gosto.

segunda-feira, 3 de fevereiro de 2014

A Quem Interessa?



Um amigo meu me contou essa. Um elenco relativamente conhecido em cartaz em um teatro particular não vai muito bem de público. Ou faz o público que as peças como a que eles apresentam normalmente faz. Mas não é suficiente pra pagar todo mundo e o mínimo do teatro. Então eles se cotizam pra completar a quantia. Ou seja, não estão ganhando nada e ainda pagam. Perguntei por que eles continuam em cartaz, já que não são aqueles elencos jovens querendo aparecer pra algum produtor de tevê (são atores com anos de estrada, repito). Diz o meu amigo que é porque estão pra ganhar um patrocínio não sei por que lei. Ah, bom, tá explicado. O público que se lasque, a peça que se lasque, vivem da esperança de ganhar lá na frente o que estão perdendo agora. Se o patrocínio não vier, depois podem dizer que fizeram uma temporada inteira por amor à arte. Que doido isso.

Em tempo: o preço da diária dos teatros particulares explodiu. Mas tudo explodiu. Uma peça que custava cento e cinqüenta mil há quinze, dez anos atrás, quando o último dos produtores produzia com grana do bolso pra tentar recuperar na bilheteria, hoje custa pelo menos uns seiscentos mil. Quatrocentos por cento a mais. Mesma peça, elenco do mesmo naipe, mesmo produtor, cenógrafo, diretor, teatro, mesmo plano de mídia, tudo. O que subiu quatrocentos por cento no mesmo período? Com a política do patrocínio, houve uma readequação de preços. Por um lado fez-se justiça nos cachês dos profissionais que se alinharam com os cachês da televisão, ou tentaram, porque é impossível acompanhar. Por outro lado, muita gente metendo a mão deslavadamente nos dinheiros das comissões e outros. Uma pesquisa pra se fazer: quanto subiu a mídia de teatro nesse mesmo período?

O governo sabe, nós sabemos, todos sabem. Está comprovado por dados e o Ministério da Cultura bate nessa tecla toda hora quando fala em mudar as regras da lei Rouanet (e todo mundo estrila quando o governo fala em mexer na Rouanet). Mas a concentração da renda do patrocínio na mão das produtoras segue a lógica de concentração da renda no mundo. Uma minoria minoria absoluta de duas ou três produtoras que capta oitenta, noventa por centro do dinheiro todo. E nós, o resto, disputando o que sobra a tapa e dedo no olho. Mesmo assim são duzentas estreias por ano, só no Rio de Janeiro. E se a distribuição fosse mais equânime? Só podemos conjecturar se haveria mais estreias ou mais peças por mais tempo em cartaz. Por enquanto, só conjecturas, só conjecturas.