Estive revendo a última
postagem, dei uma arrumada no texto, estava meio confuso. Melhorou
alguma coisa com essa minha arrumada, mas ainda falta. Vou ajeitando até ficar
legal. Essa uma diferença boa a favor do blog, em comparação com o jornal e a
revista impressos, por exemplo. No blog a gente pode editar o texto e
melhorá-lo o tempo todo. O que pode fazer com que o leitor volte àquele texto outra vez,
releia, repense. É uma diferença boa.
O que eu estou tentando
dizer, basicamente, nesses textos de agora é uma coisa só. Ou duas. Primeiro,
chamar a atenção para a morte do teatro comercial ao longo do processo de
instalação da Era dos Incentivos. Depois, relacionar esse fato com alguns dos
nossos problemas atuais.
O teatro pode (ou podia)
ser pensado, ao longo de sua história, como um meio para ganhar dinheiro ou para
enlevar o público. Frequentemente ele é pensado para as duas coisas – ou era.
Às vezes favorecemos o seu sentido comercial, às vezes o seu sentido lúdico – ou
artístico, como queiram. Todos os artistas, em todos os ramos da arte vivem ou
viveram esse drama tortuoso – enriquecer a mim ou a quem consome de mim? Em
algum momento, uma certa parcela do teatro brasileiro optou por fazer dinheiro
como prioridade (se possível sem deixar de fazer arte, mas ligado no dinheiro,
principalmente). Grandes teatros, bons artistas, temporadas longas, baixo custo
de produção, ingressos caros, público em quantidade, essa a fórmula do teatro
comercial. Um problema que surgisse em alguma das variáveis dessa equação comprometeria todo
o resultado. Ok. Do outro lado estava a outra parcela do teatro, privilegiando
o seu sentido lúdico – ou artístico, como queiram.
Não é que os artísticos
abrissem mão do dinheiro. Muito pelo contrário. Só os doidos abrem mão do
dinheiro. Os artísticos (e todos) dependiam da bilheteria e queriam ganhar com
a bilheteria. Alguns artísticos visionários podiam inclusive ter ambições até
maiores em termos de grana que as ambições dos comerciais. Mas o seu repertório
era outro, a sua plateia podia abrigar também um pessoal sem muito dinheiro, nem
sempre era possível pagar os atores mais conhecidos ou atraí-los para as suas
produções (embora nem sempre as produções dos artísticos mirassem os atores mais
conhecidos). Além disso era pouco provável que conseguissem os melhores teatros e horários. Enfim, se os artísticos queriam sucesso, não era seguindo a cartilha dos
comerciais. Mesmo assim, vez por outra, havia êxitos de bilheteria também entre
eles (Salve os visionários! Os visionários!). Por alguma razão a peça caia nas graças do
público e o público, sempre ele, a variável de peso maior em qualquer das
equações nessa época, aparecia no teatro aos borbotões.
Em algum momento começa a
Era Incentivada (a Lei Sarney é de 86 e a Rouanet de 91). Não é que não
houvesse patrocínio antes da Era Incentivada. Algumas produções recebiam
patrocínio de algumas empresas (poucas). Bastante apoios também, descontos em
passagens nas viagens aéreas das excursões, nos hotéis, na compra de alguns materiais,
etc. Era a época do INCEN, das Cooperativas, dos empréstimos da Caixa Econômica
(estou misturando os períodos e os meios, mas vale). Quer dizer, algum se
arrumava – às vezes. Mas pouco. Na maior parte das vezes – pouco. E, de
qualquer modo, quem tinha dinheiro próprio pra botar não botava esse dinheiro
todo que é hoje. É como se disse: para render algum, a produção precisava
não custar muito. Divido o meu custo por um determinado número de ingressos,
por um determinado tempo e um determinado valor. Se o público não comparecia,
babau. Vendi meu carro, peguei dinheiro no banco pra investir, olha eu aí todo encralacrado.
Fudeu-se.
Mas com o Incentivo isso tudo
muda. Ninguém se ferra, no final das contas. Ou não deveria. Com o
aperfeiçoamento do mecanismo, o produtor não entra com nada, o risco de perder
as cuecas vai ficando igual a zero, próximo de zero. Mas os custos sobem, em
cascata. Talvez as peças sempre custassem o que começaram a custar a partir de
então, mas como não se tinha esse dinheiro antes não se pagava, ou pagava-se menos. E
alguns custos dos espetáculos certamente sobem pela pressão da especulação. Naturalmente.
Alguém também fará um estudo pra ajudar a desvendar esse ponto. O que é fato, o
que é mito, o que é roubo, o que é real. Seja o que for, resultou que um
espetáculo de teatro hoje pode custar entre 50 mil e 15 milhões. Naquela época
antiga, isso podia ficar entre os mesmos 50 mil e o quê? 200... 300 mil? No máximo.
Deus me livre de mais do que isso. E quanto precisaria cobrar uma peça que
custasse 300 mil e durante quanto tempo para pelo menos recolocar esse dinheiro no bolso
de seus produtores e ainda garantir o salário de todo mundo, a verba de mídia,
o aluguel do teatro, etc., etc.?
A diferença entre os 200
mil de ontem e os 15 milhões de hoje (vamos deixar por 200 mil que já está bom)
é que eu não preciso devolver os 15 milhões a ninguém. Como no cinema. No cinema
eu também não devolvo os 12 milhões da produção mais cara que se tem notícia
até hoje (digamos que seja esse o valor). Melhor ainda. No cinema eu vendo
ingressos suficientes para ter lucro. O melhor negócio no Brasil é o cinema. O dinheiro
sai todo do governo, o lucro vem todo para o meu bolso (todo não, há impostos,
naturalmente). Mas no cinema eu vendo um milhão de ingressos, dois
milhões, cinco milhões de ingressos em casos excepcionais. Um hipotético teatro
de 3 mil lugares teria que lotar quantas sessões durante quantos meses para
atingir um milhão de pessoas? Meses não há sessões suficientes, com temporadas
de quinta ou de sexta a domingo. E onde está esse teatro de 3 mil lugares que
lota? Mas estou derivando, não é sobre isso que eu quero falar.
O que eu quero falar é de
uma orfandade e de suas consequências. Junto com o aumento dos custos das peças
vem o aumento do número de peças produzidas (essa aparente idiossincrasia se
deve ao volume de dinheiro despejado na produção), a redução do tamanho das
temporadas (há muitas peças disputando os mesmos teatros e plateias), a
diminuição do valor do preço dos ingressos. Os ingressos caem de preço porque o
Incentivador (governo e patrocinadores) exigem contrapartidas para o uso do
dinheiro público. Nada mais natural. Se o dinheiro é do povo, o teatro deveria
voltar para o povo. A um custo reduzido, se possível de graça, ou pelo menos em
meias-entradas. Os governos (e os patrocinadores adotam o mesmo discurso)
também acreditam que ingressos baratos levam mais gente ao teatro. Parece o
certo. Do jeito que está sendo feito, no entanto, não é o que vemos na maioria
dos casos.
Como a parte do teatro
que fazia teatro para a bilheteria morreu (já que a bilheteria nada significa
nas novas planilhas de produção), tanto no caso do teatro estritamente
comercial como no caso do teatro não comercial que lhe fazia sombra, ficou para
nós um teatro não comercial, em que as experiências de montagem não precisam se
preocupar com a frequência do público. Ele (o público) virá porque o ingresso é barato, parece
ser o pressuposto de todos os novos produtores de um momento para cá. E, mesmo
que não venha, não tem importância porque o negócio está todo pago, até onde
pode ir.
Claro que fazer teatro
sem uma preocupação estrita com o lucro pode ser (e é) uma boa coisa. Alguém já
disse que o teatro é uma arte de exceção. Mesmo as temporadas de maior sucesso
não se comparam, como já vimos acima, com os sucessos do cinema e muito menos –
é até covardia querer comparar – com os maiores fracassos da televisão. E há
muitos espetáculos para os quais um público médio de 50, 30, 20 pessoas por
noite pode ser considerado excelente. Mas ainda há na cidade inúmeras salas com
300 lugares ou mais e nelas são feitas inúmeras peças com essa expectativa de
espectadores e eles não vêm. Nem, em alguns casos, quando os mandamos buscar
com ônibus fretados pela produção. Está certo, na época antiga, em muitos casos,
eles também se recusavam a subir no ônibus do teatro. Mas eu não gastava tanto
dinheiro com o bilhete dessa passagem. Ao aumento do investimento não parece
corresponder um aumento pelo interesse no produto que fabricamos.
O teatro comercial era
acusado por sua visão estreita do fenômeno teatral. Os artísticos foram
responsáveis por grande parte do nosso melhor teatro. Porém os comerciais eram
uma referência permanente. Buscavam boas peças (ainda que por vezes insossas),
artistas capazes de mobilizar a atenção das plateias (ainda que em certos casos
ruins), pressionavam para a manutenção dos espetáculos em cartaz (ainda que
normalmente a um preço alto na bilheteria), preocupavam-se sobremaneira com as
questões trabalhistas, legais e autorais (ainda que fossem via de regra
péssimos patrões e pão-duros).
Sem a concorrência dos
comerciais e com o aporte das verbas de Incentivo, os sobreviventes artísticos
deveriam ter construído um mundo melhor para o teatro nacional. Espetáculos mais
interessantes, que atraíssem mais gente e que não morressem na primeira crise
de bilheteria (essa outra acusação que
se fazia aos comerciais – que morriam na praia, quando a fórmula do sucesso não
dava certo no primeiro mês). Mas os artísticos também não resistiram à nova
ordem que se estabeleceu.
Sem os comerciais, todo o
teatro se tornou artístico. Inclusive os comerciais que não estivessem
totalmente mortos, estes se embrenhando disfarçados por entre as entrelinhas
dos novos editais de patrocínio. E outras experiências mais insuspeitas:
amadoras, neutras, qualquer coisa. E por quê? Porque o foco de quem faz teatro,
com a cultura do Incentivo, desviou-se da produção e se concentrou na captação dos
recursos incentivados. Se a possibilidade do lucro com a bilheteria, para o
cinema, representou a continuidade de uma certa preocupação com a excelência do
produto final e sua comunicação com o grande público, a completa ausência dessa
possibilidade como regra, no teatro, estimulou a criação de um universo
paralelo de espetáculos-projeto, destinados basicamente a convencer ou apenas
justificar o fomento que os novos mecenas dos editais lhes destinam. Provavelmente,
os governos acreditam que os espetáculos-eventos (e que outro nome lhes podemos
dar, já que duram exatos dois meses, com ou sem espectadores a prestigiá-los), têm
maior potencial de atrair as plateias pelo poder de mobilização que provoca
toda essa quantidade de peças no cartaz. Mas que público assistirá às 200 novas
peças de teatro adulto profissional que estreiam todos os anos no Rio de
Janeiro? E quantas não serão em São Paulo e alhures? Quem sabe delas, quem
acompanha os seus processos de criação, quem as distingue e as dirige para seus
espectadores específicos? Os críticos não veem essas peças todas, nem os
jurados dos prêmios, nem os próprios artistas, nem os tecnocratas dos governos, nem os representantes de marketing das empresas que lhes repassam as verbas.
(Segue..)
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