quinta-feira, 23 de dezembro de 2010
sábado, 11 de dezembro de 2010
MUDANÇAS DA LEI ROUANET e outro assunto
1
Não estou tão por dentro como gostaria estar da Nova Lei de Fomento do Governo Federal (ainda será chamada de Nova Lei Rouanet depois de sancionada?). Mas vou estudar, vou estudar. Tenho aqui algumas dúvidas e comentários, talvez alguém também me ajude. Entendi a idéia de estabelecer faixas de patrocínio. Mas não sei se entendi tirarem a possibilidade da faixa de 100%. Imagino uns casos.
Uma hipotética atriz, muito famosa e com muitos bons contatos entre as empresas patrocinadoras de cultura, apresenta ao MinC um projeto para um monólogo que custa 1 milhão e meio de reais. Pela Lei atual, o máximo que o parecerista do MinC pode fazer, constatando que o projeto esteja (e estará) acima dos padrões aceitáveis para monólogos de atrizes famosas e bem relacionadas, o máximo que ele fará será cortar os itens que lhe pareçam superorçados. Digamos que ele corte 500 mil (números redondos, múltiplos de 5 e 10, facilitam as contas na cabeça das pessoas). O mais que o parecerista pode fazer pela regra atual é liberar o restante milhão para captação com isenção total para o patrocinador interessado. Desperdício de dinheiro público, seguramente.
O que muda na nova regra? Pela nova regra o parecerista (ou seu equivalente) não apenas poderá cortar os 500 mil do monólogo da atriz perdulária, como também autorizar para captação uma faixa inferior ao valor do projeto como ficou orçado (por exemplo a faixa mais baixa: 40%). A atriz sai do processo com uma autorização para captar 400 mil reais para montar o seu monólogo de 1 milhão e meio, e se vira pra conseguir o resto com os setores de marketing que conhece das empresas que gostam de patrocinar atrizes famosas (se de fato ela precisar do resto, mas algum jeito dará). O governo deixou de desperdiçar uma grana com este projeto absurdo. Ótimo. Até aí tudo bem.
Mas (e sempre há um “mas”) se ao invés de uma famosa atriz bem relacionada, fosse uma atriz desconhecida e sem nenhum conhecido nas empresas que patrocinam, com um monólogo na base dos 150 mil? Bom, pelas regras atuais o parecerista também o máximo que pode fazer é, verificando alguma incorreção ou imperfeição nos valores propostos, cortar as gorduras do pobre orçamento. Cortou 50 mil (para ficar na proporção com o da primeira atriz hipotética) e aprovou os outros 100 para captação integral. A atriz sai com a publicação do Diário Oficial debaixo do braço e vai à luta. Conseguirá os 100? Não sabemos. Como é desconhecida e não conhece ninguém (e supondo támbém que o projeto não siga o modelo de apresentação dos projetos em captação) o mais provável é que desista e que entre num edital dos que existem hoje e realize o projeto com o dinheiro que lhe derem. No entanto, e se aparece uma empresa disposta a bancar o valor total com isenção? Maravilha, ela pega os 100 e monta, com a graça de Deus. Mas...
Pelas novas regras não será mais assim. Pelas novas regras, mesmo que concorde com os 100 mil do orçamento (depois de cortada as gorduras) o parecerista do MinC (ou seu equivalente) só poderá aprovar até o teto de 80% do valor do projeto para desconto do patrocinador. Nossa atriz desconhecida produzirá com 80 mil mesmo que encontre alguém disposto a pagar os 100. Os 20? Vai para o brejo com os outros 50 que já tinham sido cortados lá atrás. Qual é a lógica? A lógica é que, de qualquer modo, é melhor do que produzir com a metade do que não produzir. É uma lógica, sem dúvida. Burra, mas é.
Por falar nisso, a nova Lei também deverá ampliar o dinheiro dos editais. Ou o número deles. Ou as duas coisas, pelo que eu entendi. Porque, se o dinheiro para aplicação direta do governo em projetos culturais vai aumentar (é o que garantem), o processo de concessão do benefício certamente continuará sendo o dos editais (alguém está interessado em rever a política de editais?). Bom, então para terminar, voltemos às nossas atrizes de antes, no mundo hipotético dos novos prováveis editais.
As perguntas finais (de hoje) são: a atriz famosa e seu projeto de milhão poderá recorrer aos novos prováveis editais para compor parte de seu projeto fabuloso? E, se puder (e quem dirá que não e por quê?) quanto poderá ela somar, com verba direta dos editais, aos 400 obtidos indiretamente? E a atriz desconhecida? Também poderá engordar o seu cofrinho desconhecido com a grana dos editais? E vão continuar concorrendo juntas no mundo dos novos editais quando no mundo das empresas e do marketing estão tão absurdamente separadas?
2.
Chegou ao meu conhecimento (eu também virei repórter e não revelo a fonte nem que me matem) que empresários paulistas do setor de teatro (São Paulo é tão diferente do resto do Brasil que possui empresários paulistas do setor de teatro) estão se rebelando contra os patrocínios obtidos através da Lei Rouanet (a atual). Segundo a fonte, os empresários produtores de peças estão dispostos a não receber mais patrocínio pela Lei Federal. Parece que um dos motivos mais fortes para o estranho motim (imagino um artista de Rio Branco lendo sobre isso) é a corrupção no setor de marketing ou coisa que o valha das empresas. Se minha fonte for confiável e se a notícia procede é realmente um escândalo. Sempre se falou (mas até agora ninguém provou, que eu saiba) que rola propina no mundo da intermediação dos patrocínios culturais. Mas que a coisa chegue a esse ponto é sinal de que o barco realmente saiu do controle. A corrupção é uma doença. Mas só quando vira endemia é que nos damos por fartos dela.
Pelo menos serve para que não nos esqueçamos de que corrupção não é sinônimo de poder público. Brasileiro botou na cabeça que só político é que recebe propina. Não é verdade. Estamos cheios de escândalos no setor privado também. É que, como sempre aparece um figurão de algum governo pra pegar um troco, ficamos com essa impressão na cabeça. Corrupção é uma cultura. Ou quebramos a corrente, ou faremos parte dessa cultura mais cedo ou mais tarde. Que os empresários revoltados não fiquem só na fase do beicinho e do “vamos trocar de mal”. Que denunciem e provem. Há muito dinheiro indo para o lugar errado na saúde, na educação, no esporte, na cultura, na alegria e na tristeza. Mudar a lei ajuda. Mas combater o meliante também faz parte de policiar.
Não estou tão por dentro como gostaria estar da Nova Lei de Fomento do Governo Federal (ainda será chamada de Nova Lei Rouanet depois de sancionada?). Mas vou estudar, vou estudar. Tenho aqui algumas dúvidas e comentários, talvez alguém também me ajude. Entendi a idéia de estabelecer faixas de patrocínio. Mas não sei se entendi tirarem a possibilidade da faixa de 100%. Imagino uns casos.
Uma hipotética atriz, muito famosa e com muitos bons contatos entre as empresas patrocinadoras de cultura, apresenta ao MinC um projeto para um monólogo que custa 1 milhão e meio de reais. Pela Lei atual, o máximo que o parecerista do MinC pode fazer, constatando que o projeto esteja (e estará) acima dos padrões aceitáveis para monólogos de atrizes famosas e bem relacionadas, o máximo que ele fará será cortar os itens que lhe pareçam superorçados. Digamos que ele corte 500 mil (números redondos, múltiplos de 5 e 10, facilitam as contas na cabeça das pessoas). O mais que o parecerista pode fazer pela regra atual é liberar o restante milhão para captação com isenção total para o patrocinador interessado. Desperdício de dinheiro público, seguramente.
O que muda na nova regra? Pela nova regra o parecerista (ou seu equivalente) não apenas poderá cortar os 500 mil do monólogo da atriz perdulária, como também autorizar para captação uma faixa inferior ao valor do projeto como ficou orçado (por exemplo a faixa mais baixa: 40%). A atriz sai do processo com uma autorização para captar 400 mil reais para montar o seu monólogo de 1 milhão e meio, e se vira pra conseguir o resto com os setores de marketing que conhece das empresas que gostam de patrocinar atrizes famosas (se de fato ela precisar do resto, mas algum jeito dará). O governo deixou de desperdiçar uma grana com este projeto absurdo. Ótimo. Até aí tudo bem.
Mas (e sempre há um “mas”) se ao invés de uma famosa atriz bem relacionada, fosse uma atriz desconhecida e sem nenhum conhecido nas empresas que patrocinam, com um monólogo na base dos 150 mil? Bom, pelas regras atuais o parecerista também o máximo que pode fazer é, verificando alguma incorreção ou imperfeição nos valores propostos, cortar as gorduras do pobre orçamento. Cortou 50 mil (para ficar na proporção com o da primeira atriz hipotética) e aprovou os outros 100 para captação integral. A atriz sai com a publicação do Diário Oficial debaixo do braço e vai à luta. Conseguirá os 100? Não sabemos. Como é desconhecida e não conhece ninguém (e supondo támbém que o projeto não siga o modelo de apresentação dos projetos em captação) o mais provável é que desista e que entre num edital dos que existem hoje e realize o projeto com o dinheiro que lhe derem. No entanto, e se aparece uma empresa disposta a bancar o valor total com isenção? Maravilha, ela pega os 100 e monta, com a graça de Deus. Mas...
Pelas novas regras não será mais assim. Pelas novas regras, mesmo que concorde com os 100 mil do orçamento (depois de cortada as gorduras) o parecerista do MinC (ou seu equivalente) só poderá aprovar até o teto de 80% do valor do projeto para desconto do patrocinador. Nossa atriz desconhecida produzirá com 80 mil mesmo que encontre alguém disposto a pagar os 100. Os 20? Vai para o brejo com os outros 50 que já tinham sido cortados lá atrás. Qual é a lógica? A lógica é que, de qualquer modo, é melhor do que produzir com a metade do que não produzir. É uma lógica, sem dúvida. Burra, mas é.
Por falar nisso, a nova Lei também deverá ampliar o dinheiro dos editais. Ou o número deles. Ou as duas coisas, pelo que eu entendi. Porque, se o dinheiro para aplicação direta do governo em projetos culturais vai aumentar (é o que garantem), o processo de concessão do benefício certamente continuará sendo o dos editais (alguém está interessado em rever a política de editais?). Bom, então para terminar, voltemos às nossas atrizes de antes, no mundo hipotético dos novos prováveis editais.
As perguntas finais (de hoje) são: a atriz famosa e seu projeto de milhão poderá recorrer aos novos prováveis editais para compor parte de seu projeto fabuloso? E, se puder (e quem dirá que não e por quê?) quanto poderá ela somar, com verba direta dos editais, aos 400 obtidos indiretamente? E a atriz desconhecida? Também poderá engordar o seu cofrinho desconhecido com a grana dos editais? E vão continuar concorrendo juntas no mundo dos novos editais quando no mundo das empresas e do marketing estão tão absurdamente separadas?
2.
Chegou ao meu conhecimento (eu também virei repórter e não revelo a fonte nem que me matem) que empresários paulistas do setor de teatro (São Paulo é tão diferente do resto do Brasil que possui empresários paulistas do setor de teatro) estão se rebelando contra os patrocínios obtidos através da Lei Rouanet (a atual). Segundo a fonte, os empresários produtores de peças estão dispostos a não receber mais patrocínio pela Lei Federal. Parece que um dos motivos mais fortes para o estranho motim (imagino um artista de Rio Branco lendo sobre isso) é a corrupção no setor de marketing ou coisa que o valha das empresas. Se minha fonte for confiável e se a notícia procede é realmente um escândalo. Sempre se falou (mas até agora ninguém provou, que eu saiba) que rola propina no mundo da intermediação dos patrocínios culturais. Mas que a coisa chegue a esse ponto é sinal de que o barco realmente saiu do controle. A corrupção é uma doença. Mas só quando vira endemia é que nos damos por fartos dela.
Pelo menos serve para que não nos esqueçamos de que corrupção não é sinônimo de poder público. Brasileiro botou na cabeça que só político é que recebe propina. Não é verdade. Estamos cheios de escândalos no setor privado também. É que, como sempre aparece um figurão de algum governo pra pegar um troco, ficamos com essa impressão na cabeça. Corrupção é uma cultura. Ou quebramos a corrente, ou faremos parte dessa cultura mais cedo ou mais tarde. Que os empresários revoltados não fiquem só na fase do beicinho e do “vamos trocar de mal”. Que denunciem e provem. Há muito dinheiro indo para o lugar errado na saúde, na educação, no esporte, na cultura, na alegria e na tristeza. Mudar a lei ajuda. Mas combater o meliante também faz parte de policiar.
domingo, 5 de dezembro de 2010
MIX
I.
Essa semana o jornal da cidade que eu uso pra fazer meu somatório de espetáculos em cartaz “esqueceu” (não sei que outro nome teria isso) de relacionar as peças infantis em cartaz na sua coluna de serviços do seu Segundo Caderno. Ou trocou os infantis de lugar e não avisou. Amanhã devem chover cartas e emails à redação do jornal reclamando contra o “acidente”. Curioso que o mesmo jornal estampava, no mesmo Caderno, uma entrevista de página inteira com o atual Ministro da Cultura. Que rata! Será que o Ministro e a equipe do Ministro e os amigos e inimigos do Ministro, seus críticos, seus desafetos, seus admiradores, seus seguidores e puxa-sacos, será que esse pessoal todo notou? Ou este é um problema “menor” que só nós do teatro infantil é que reparamos? Tudo bem que esse domingo deu praia (e que praia!) no Rio de Janeiro. Mas não precisava matar o teatro infantil por isso. Há um artigo, se não me engano do Peter Brook, ou assemelhado, que fala das conseqüências de um hipotético fechamento dos teatros na França e que isso mal seria notado pela população. Está aí, no “esquecimento” do jornal da cidade, uma oportunidade pra conferir, pelo menos em parte, a catástrofe (para nós) sugerida pelo Peter.
Os infantis estavam lá... Meio escondidos, mas estavam. Eu que não vi. Mas a simples hipótese de que o úncio jornal da cidade que presta esse erre nisso é tão cruel que... (E erra.)
II.
Essa é a temporada de caça aos editais. Empresas e governos lançam os anzóis e nós é que ficamos pescando. Muita incompetência na hora de bolar os ditos e malditos. Alguém precisa reunir o pessoal do marketing das empresas e conversar com eles. Fica muito difícil entender o que eles querem quando encontramos escrito no edital de patrocínio cultural de uma determinada empresa que eles privilegiam projetos que favoreçam a “busca pela democratização e promoção do acesso à cultura pelo desenvolvimento sócio esportivo do Brasil” (o que significa? Peças sobre a Copa do Mundo e as Olimpíadas?). Também dou um doce para quem traduzir essa dica noutro edital de uma importante patrocinadora da cultura no país, que: “tem como objetivo, selecionar iniciativas culturais que estimulem a fluência comunicativa, a expressão, o acesso, o compartilhamento de informações e conhecimentos e o trabalho colaborativo como condições preciosas para o reconhecimento da influência das práticas culturais no processo de construção de identidades, convivência e desenvolvimento”. Não dá pra ser menos prolixo e mais objetivo? Quando ganha o marketeiro que elabora um edital desses? O dono da empresa entende? Ficam os pobres dos produtores correndo atrás de satisfazer os desejos das empresas patrocinadoras, mas com essa falta de clareza (citei apenas dois pra não ocupar muito espaço, mas são muitos os exemplos) não há tatu que agüente. A impressão é que estão se lixando e que apenas esperam que os projetos resultem bons para a imagem da empresa conforme a onda do momento. Aí vão lançando pelo meio dos editais as palavras e expressões da moda, mais ao menos ao acaso. E tudo vira “responsabilidade social”, “compromisso ambiental”, “inclusão”, “práticas sociais consequentes” e durma-se com um barulho desses.
III.
Sensacional a iniciativa de reunir Eugênio Barba e Aderbal Freire-Filho da maneira como o fez essa semana o Teatro Poeira, em Botafogo, no Rio de Janeiro (a idéia teria sido do Barba, mas o Poeira abraçou e realizou). Cerca de setenta ouvintes e assistentes, entre atores, diretores e autores cariocas, vamos ver o que o encontro repercute ao longo do tempo. E tomara que venham outros. Contribui imensamente para as discussões em torno dos caminhos do teatro no mundo.
Uma das (muitas) reflexões fundamentais é justamente essa que andamos falando aqui, qual seja, sobre o que seja essa difícil e desconhecida arte de “dirigir”. Dois mestres e duas poéticas distintas, dissecadas aos olhos de uma platéia comum, típico encontro pra fazer ou abrir a cabeça da moçada. O teatro não precisa (e nem consegue) ser um só. Mas pode e deve ser feito com um mínimo de conhecimento do assunto. Vamos ver o que rende...
IV.
A propósito de diretores uma dica: o realismo, quando surgiu no teatro, significou uma revolução sim, mas isso foi relativamente breve. Em seguida, um furacão chamado cinema e um tsunami chamado televisão apareceram e mudaram tudo. Esse axioma tem sido dito e repetido de várias formas e por muitos encenadores diferentes durante anos a fio. Mas as pessoas ouvem e não pensam no assunto. Sofrem os atores, coitados, tentando reproduzir no palco as suas vidinhas cotidianas. Sofrem os autores, que vêm suas peças, mesmo as melhores, reduzidas a um papo de comadres. Só os diretores (os ruins) gozam a glória desse teatro mal feito. Como diz um amigo meu: ainda bem que não são médicos, ou matavam seus doentes todos os dias (e não estão matando?).
V.
O carioca inventou o circuito-cidade. A peça estréia num teatro, geralmente produzida com pouca grana, mas também produzida sem a intenção de render dinheiro. Fica duas ou três semanas estacionada ali. Depois não pode mais porque entra outra novidade no lugar. A peça muda de teatro (às vezes até de bairro). Fica mais duas ou três semanas. Um terceiro teatro da cidade será seu destino final. Depois vai para a prateleira (exatamente o mesmo fenômeno do cinema nacional) aguardando festivais e convites esparsos, que podem não vir. Todos sabemos quais três ou quatro teatros compõem este circuito. A peça rende um público, mas pouco dinheiro. Como o patrocínio para produzir também não foi lá essas coisas, pergunta-se: e de que vivem esses moços?
VI.
Como são zilhões os artistas, e como ninguém vive das bilheterias (salvo dois ou três) pulveriza-se o patrocínio para atender ao maior número possível de famintos. É praticamente um bolsa-família do teatro (com a diferença que o bolsa-família leva as famílias para cima e que o bolsa-teatro leva os artistas para o fundo). Não é culpa dos governos que essa política se instaure e prevaleça. É problema dos próprios artistas de teatro que não se mobilizam para resolver ou dar um encaminhamento a essa questão. É bom para o sistema que atores sejam descompromissados com o andamento do seu negócio. Quanto mais os atores estiverem pensando em seus próprios umbigos e menos nas suas questões comuns, melhor. O sistema estimula a competição a qualquer custo e o pensamento auto-centrado. Seria muito perigoso para o sistema que essas pessoas fossem esclarecidas e conscientes de seu lugar nesse mundo. Parece que não temos nenhum inimigo comum. Então, nos cumprimentamos com chutes e cotoveladas.
Essa semana o jornal da cidade que eu uso pra fazer meu somatório de espetáculos em cartaz “esqueceu” (não sei que outro nome teria isso) de relacionar as peças infantis em cartaz na sua coluna de serviços do seu Segundo Caderno. Ou trocou os infantis de lugar e não avisou. Amanhã devem chover cartas e emails à redação do jornal reclamando contra o “acidente”. Curioso que o mesmo jornal estampava, no mesmo Caderno, uma entrevista de página inteira com o atual Ministro da Cultura. Que rata! Será que o Ministro e a equipe do Ministro e os amigos e inimigos do Ministro, seus críticos, seus desafetos, seus admiradores, seus seguidores e puxa-sacos, será que esse pessoal todo notou? Ou este é um problema “menor” que só nós do teatro infantil é que reparamos? Tudo bem que esse domingo deu praia (e que praia!) no Rio de Janeiro. Mas não precisava matar o teatro infantil por isso. Há um artigo, se não me engano do Peter Brook, ou assemelhado, que fala das conseqüências de um hipotético fechamento dos teatros na França e que isso mal seria notado pela população. Está aí, no “esquecimento” do jornal da cidade, uma oportunidade pra conferir, pelo menos em parte, a catástrofe (para nós) sugerida pelo Peter.
Os infantis estavam lá... Meio escondidos, mas estavam. Eu que não vi. Mas a simples hipótese de que o úncio jornal da cidade que presta esse erre nisso é tão cruel que... (E erra.)
II.
Essa é a temporada de caça aos editais. Empresas e governos lançam os anzóis e nós é que ficamos pescando. Muita incompetência na hora de bolar os ditos e malditos. Alguém precisa reunir o pessoal do marketing das empresas e conversar com eles. Fica muito difícil entender o que eles querem quando encontramos escrito no edital de patrocínio cultural de uma determinada empresa que eles privilegiam projetos que favoreçam a “busca pela democratização e promoção do acesso à cultura pelo desenvolvimento sócio esportivo do Brasil” (o que significa? Peças sobre a Copa do Mundo e as Olimpíadas?). Também dou um doce para quem traduzir essa dica noutro edital de uma importante patrocinadora da cultura no país, que: “tem como objetivo, selecionar iniciativas culturais que estimulem a fluência comunicativa, a expressão, o acesso, o compartilhamento de informações e conhecimentos e o trabalho colaborativo como condições preciosas para o reconhecimento da influência das práticas culturais no processo de construção de identidades, convivência e desenvolvimento”. Não dá pra ser menos prolixo e mais objetivo? Quando ganha o marketeiro que elabora um edital desses? O dono da empresa entende? Ficam os pobres dos produtores correndo atrás de satisfazer os desejos das empresas patrocinadoras, mas com essa falta de clareza (citei apenas dois pra não ocupar muito espaço, mas são muitos os exemplos) não há tatu que agüente. A impressão é que estão se lixando e que apenas esperam que os projetos resultem bons para a imagem da empresa conforme a onda do momento. Aí vão lançando pelo meio dos editais as palavras e expressões da moda, mais ao menos ao acaso. E tudo vira “responsabilidade social”, “compromisso ambiental”, “inclusão”, “práticas sociais consequentes” e durma-se com um barulho desses.
III.
Sensacional a iniciativa de reunir Eugênio Barba e Aderbal Freire-Filho da maneira como o fez essa semana o Teatro Poeira, em Botafogo, no Rio de Janeiro (a idéia teria sido do Barba, mas o Poeira abraçou e realizou). Cerca de setenta ouvintes e assistentes, entre atores, diretores e autores cariocas, vamos ver o que o encontro repercute ao longo do tempo. E tomara que venham outros. Contribui imensamente para as discussões em torno dos caminhos do teatro no mundo.
Uma das (muitas) reflexões fundamentais é justamente essa que andamos falando aqui, qual seja, sobre o que seja essa difícil e desconhecida arte de “dirigir”. Dois mestres e duas poéticas distintas, dissecadas aos olhos de uma platéia comum, típico encontro pra fazer ou abrir a cabeça da moçada. O teatro não precisa (e nem consegue) ser um só. Mas pode e deve ser feito com um mínimo de conhecimento do assunto. Vamos ver o que rende...
IV.
A propósito de diretores uma dica: o realismo, quando surgiu no teatro, significou uma revolução sim, mas isso foi relativamente breve. Em seguida, um furacão chamado cinema e um tsunami chamado televisão apareceram e mudaram tudo. Esse axioma tem sido dito e repetido de várias formas e por muitos encenadores diferentes durante anos a fio. Mas as pessoas ouvem e não pensam no assunto. Sofrem os atores, coitados, tentando reproduzir no palco as suas vidinhas cotidianas. Sofrem os autores, que vêm suas peças, mesmo as melhores, reduzidas a um papo de comadres. Só os diretores (os ruins) gozam a glória desse teatro mal feito. Como diz um amigo meu: ainda bem que não são médicos, ou matavam seus doentes todos os dias (e não estão matando?).
V.
O carioca inventou o circuito-cidade. A peça estréia num teatro, geralmente produzida com pouca grana, mas também produzida sem a intenção de render dinheiro. Fica duas ou três semanas estacionada ali. Depois não pode mais porque entra outra novidade no lugar. A peça muda de teatro (às vezes até de bairro). Fica mais duas ou três semanas. Um terceiro teatro da cidade será seu destino final. Depois vai para a prateleira (exatamente o mesmo fenômeno do cinema nacional) aguardando festivais e convites esparsos, que podem não vir. Todos sabemos quais três ou quatro teatros compõem este circuito. A peça rende um público, mas pouco dinheiro. Como o patrocínio para produzir também não foi lá essas coisas, pergunta-se: e de que vivem esses moços?
VI.
Como são zilhões os artistas, e como ninguém vive das bilheterias (salvo dois ou três) pulveriza-se o patrocínio para atender ao maior número possível de famintos. É praticamente um bolsa-família do teatro (com a diferença que o bolsa-família leva as famílias para cima e que o bolsa-teatro leva os artistas para o fundo). Não é culpa dos governos que essa política se instaure e prevaleça. É problema dos próprios artistas de teatro que não se mobilizam para resolver ou dar um encaminhamento a essa questão. É bom para o sistema que atores sejam descompromissados com o andamento do seu negócio. Quanto mais os atores estiverem pensando em seus próprios umbigos e menos nas suas questões comuns, melhor. O sistema estimula a competição a qualquer custo e o pensamento auto-centrado. Seria muito perigoso para o sistema que essas pessoas fossem esclarecidas e conscientes de seu lugar nesse mundo. Parece que não temos nenhum inimigo comum. Então, nos cumprimentamos com chutes e cotoveladas.
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