terça-feira, 18 de fevereiro de 2014
Essa semana o assunto nas Redes Sociais é um jovem ator que declarou publicamente e estupidamente a sua estupidez - que lê por obrigação - e a sua falta de vocação - que não gosta de ir ao teatro. Não sei se as duas coisas estão ligadas. Não ler não implica em não gostar de peças e não ver peças não tem nada a ver com gostar de ler. Não gostar de ler é um problema de falta de educação, ou de má educação. É tanta coisa diferente a literatura, é mesmo difícil imaginar um sujeito que não ache, em tudo o que é a literatura, em todo universo que abrange a literatura, algo que lhe agrade. Daí que deve ser mesmo uma questão educacional, ou de maus professores, ou de pais que não estimularam, ou as duas coisas. Também pode ser que se trate de um míope. Na verdade um sujeito com hipermetropia , para quem ler sem óculos é um suplício. Quero dizer que não gostar de ler é um problema grave, ou no mínimo um sintoma de um problema grave. Não despertar num cidadão o gosto pela leitura (e por qualquer leitura, vejam bem, há opções de sobra: revistas em quadrinhos, de mulher pelada, jornais, twitter, não precisa ser Machado de Assis!) isso é um assunto que requer reflexão. Estamos, afinal, diante de um cidadão para quem a alfabetização seria praticamente um fardo a se carregar. Ou talvez a razão seja um trauma. Quando a minha filha tinha três anos, um cachorro a atacou na calçada e desde então ela tem pavor de cachorros. Quem sabe se esse sujeito, aos três anos ou próximo, não tenha sido atacado por um livro, ou pelo pai que lhe bateu com um livro na cabeça e o traumatizou? Deveríamos olhar para esse camarada com muita atenção. E para o nosso sistema de ensino, ou de educação, que não consegue despertar o gosto pela literatura (por alguma literatura!) em um cidadão nacional. Não será ele o único, tenho certeza. E isso, o fato de provavelmente não ser ele o único, deveria nos encher mais ainda de preocupação.
Agora, não gostar de teatro não tem nada de anormal. Ao contrário da literatura, grande arte superior, o teatro (o nosso teatro, como está) oferece poucas opções e variações de estilo, estímulo e forma. A maior parte do nosso teatro é um só, insípido, mal feito, velho, caduco. Para encontrar opções e variações dessa velha arte, o sujeito interessado, mesmo o que gosta, precisa cavar muito. E para reencontrar o que gosta então, vinte vezes mais. Eu pego um livro na prateleira, gosto do autor, gosto do estilo, gosto daquele negócio. Se quiser ler outro parecido não será difícil. O mesmo autor terá escrito uns quatro iguais àquele. Que prazer, que delícia! Pronto, posso ficar só nesses o resto da vida. Toda vez que eu quiser me refastelar na literatura, pego os meus quatro livrinhos, qualquer um deles, e pronto. Mas com o teatro não. Digamos que eu ande muito, que eu vá a inúmeros espetáculos em temporada até encontrar um que eu goste de assistir. Ah, que maravilha (se encontro). Mas - se encontro - como encontrar de novo outra vez? Não é a mesma coisa que o livro impresso, preciso esperar a peça voltar, ou aquele grupo produzir de novo outra maravilha. E se não voltar? E quando a temporada daquela peça incrível acabar?
Se eu gosto do teatro velho, estúpido e caquético, ou mau, talvez eu seja mais feliz. Porque eu vou ter vários exemplares pra ver. Abrir o jornal, ver a peça que o crítico gosta, que a burguesia frequenta e é batata: quase sempre é uma besteira sem par. Ou, pelo contrário, quase sempre é uma besteira cheia de pares como ela. Com bolor até a alma, chata, tediosa, repetitiva, sem nada que estimule a minha alma, sem nada que fale ao meu coração. Talvez (quem sabe, é uma conjectura) seja disso que esse ator não goste. Eu, que sou velho e escolado e que não procuro mais pelo que não vou encontrar, acho prazer em todo o teatro, porque tem sempre um ator (principalmente um ator) que me estimula e inspira. Mas eu sou um tarado, um homem sem gosto definido e um sem noção. Não sirvo de exemplo para esse rapaz. Esse rapaz, eu suponho, pode ser mesmo em literatura um ignorante que não sabe juntar as letras e seguir uma frase com a inteligência que Deus lhe deu (e Deus lhe deu alguma, sempre dá). Mas quanto ao teatro, talvez, ele só tenha mesmo é bom gosto.
segunda-feira, 3 de fevereiro de 2014
A Quem Interessa?
Um amigo meu me contou
essa. Um elenco relativamente conhecido em cartaz em um teatro particular não
vai muito bem de público. Ou faz o público que as peças como a que eles
apresentam normalmente faz. Mas não é suficiente pra pagar todo mundo e o
mínimo do teatro. Então eles se cotizam pra completar a quantia. Ou seja, não
estão ganhando nada e ainda pagam. Perguntei por que eles continuam em cartaz,
já que não são aqueles elencos jovens querendo aparecer pra algum produtor de
tevê (são atores com anos de estrada, repito). Diz o meu amigo que é porque
estão pra ganhar um patrocínio não sei por que lei. Ah, bom, tá explicado. O
público que se lasque, a peça que se lasque, vivem da esperança de ganhar lá na
frente o que estão perdendo agora. Se o patrocínio não vier, depois podem dizer
que fizeram uma temporada inteira por amor à arte. Que doido isso.
Em tempo: o preço da
diária dos teatros particulares explodiu. Mas tudo explodiu. Uma peça que
custava cento e cinqüenta mil há quinze, dez anos atrás, quando o último dos
produtores produzia com grana do bolso pra tentar recuperar na bilheteria, hoje
custa pelo menos uns seiscentos mil. Quatrocentos por cento a mais. Mesma peça,
elenco do mesmo naipe, mesmo produtor, cenógrafo, diretor, teatro, mesmo plano
de mídia, tudo. O que subiu quatrocentos por cento no mesmo período? Com a
política do patrocínio, houve uma readequação de preços. Por um lado fez-se justiça
nos cachês dos profissionais que se alinharam com os cachês da televisão, ou
tentaram, porque é impossível acompanhar. Por outro lado, muita gente metendo a
mão deslavadamente nos dinheiros das comissões e outros. Uma pesquisa pra se
fazer: quanto subiu a mídia de teatro nesse mesmo período?
O governo sabe, nós
sabemos, todos sabem. Está comprovado por dados e o Ministério da Cultura bate
nessa tecla toda hora quando fala em mudar as regras da lei Rouanet (e todo
mundo estrila quando o governo fala em mexer na Rouanet). Mas a concentração da
renda do patrocínio na mão das produtoras segue a lógica de concentração da
renda no mundo. Uma minoria minoria absoluta de duas ou três produtoras que capta
oitenta, noventa por centro do dinheiro todo. E nós, o resto, disputando o que
sobra a tapa e dedo no olho. Mesmo assim são duzentas estreias por ano, só no
Rio de Janeiro. E se a distribuição fosse mais equânime? Só podemos conjecturar
se haveria mais estreias ou mais peças por mais tempo em cartaz. Por enquanto,
só conjecturas, só conjecturas.
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